Comerciantes de lanches em Brasília trabalham com medo enquanto buscam, sem sucesso, regulamentação da categoria
Por Priscila Rocha
Vendedores de lanches, marmita, churrasquinho: as populares comidas de rua, trabalham no Distrito Federal com medo de suas mercadorias e carros particulares serem apreendidos pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). Comerciantes alegam que, atualmente, há mais de 200 colegas nas ruas explorando o mercado alimentício, mas que não conseguem obter a Licença de Funcionamento e denunciam abuso de poder.
Uma Micro Empreendedora Individual (MEI) que já teve toda sua mercadoria apreendida, durante uma fiscalização, defende que o governo arrecadaria muito mais com as taxas para regulamentar a profissão do que com as multas que os comerciantes pagam para resgatarem suas mercadorias. “Já pago imposto todo mês [MEI], ele é um imposto federal, mas não me importaria de pagar [mais um] para trabalhar regularizada”.
A empreendedora também diz que buscou a Câmara Legislativa, o Senado e a Promotoria para tentar regularizar o comércio de alimentos em um ponto da cidade e não obteve sucesso. “Ninguém dos que procurei deram respostas, apenas a promotoria disse que não podia me ajudar porque [o caso] não era propósito coletivo.” Agora ela quer reunir a categoria para buscar soluções.
“No meu ponto de vista, o maior problema mesmo é a licença, porque os ambulantes podem pagar impostos. Só determinar os valores justos. Não estamos querendo nada de graça do GDF. Queremos ser tratados como qualquer comerciante e não como bandidos. Se for necessário a abertura de empresa, que seja.”, argumenta um ambulante que diz que muitos colegas são pais de família e, sem outro meio de sustento, precisam trabalhar nas ruas.
Outro comerciante diz que todos se sentem coagidos, enquanto trabalham, e que até desistiu de adesivar o carro com propaganda dos lanches. “Ao meu ponto de vista o que não poderia ser comercializado seriam apenas mídias e eletrônicos piratas, roupas com estampas de marca, óculos, calçados [falsificados]. Realmente é um absurdo não poder comercializar alimentos, pois o imposto já é pago lá no mercado no ato da compra, no posto de gasolina, no pagamento do Micro Empreendedor Individual.”
O mesmo vendedor revela algo surpreendente: “Já vi alguns ex-ambulantes irem para o crime, pois tiveram mercadorias apreendidas mais de duas vezes e de não terem arrumado emprego, partiram para outros meios.”.
Em geral, os comerciantes não conseguem retirar a Licença de Funcionamento nas administrações regionais e muitos pedem a regulamentação da categoria para que possam arrecadar impostos, contribuir com a economia da cidade e gerar empregos. Mas enquanto isso não acontece, eles sentem medo das fiscalizações. Relatam que alguns colegas tiveram, nesta semana, produtos apreendidos sem sequer terem sido notificados e que a AGEFIS age com abuso de poder, como por exemplo, ao jogar fora os alimentos com agressividade.
Os entrevistados concordaram em fornecer informações desde que houvesse a preservação de suas identidades. Por isso o Blog Política Distrital não revela seus nomes ou locais de vendas.
Confira no vídeo do Youtube, publicado no dia 28 de maio de 2016, uma ação de fiscalização no centro de Taguatinga-DF:
Nota de esclarecimento da Agefis
A Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) esclarece que a lei não estabelece notificação prévia até porque, como o próprio nome diz, são ambulantes e não ficam nos mesmos lugares. As ações da Agefis são embasadas de acordo com a Lei 5547/2015 e o decreto 8205/83 que estabelece que todas as mercadorias vendidas em área pública sem o devido licenciamento devem ser apreendidas e encaminhadas ao depósito da Agefis. O objetivo é manter a cidade organizada e evitar a concorrência desleal com o comércio legalmente estabelecido. A multa para quem for pego é R$ 1.038,00 e os custos operacionais variam de R$ 200,00 até R$ 4.000,00, dependendo da quantidade e dos meios utilizados. Para recuperar as mercadorias, o comerciante deve comparecer ao depósito da Agêfis com a nota fiscal dos produtos, o nada consta da Agência e o pagamento da multa. A Agência de Fiscalização trabalha com respeito a legislação e ao cidadão.
Administrações
Administração Regional de Águas Claras realiza estudo para assentamentos de alguns trailers e similares, os pontos de vendas mais antigos da cidade. Assessoria da administração não soube informar há quantos anos os comerciantes precisam trabalhar no local para aquisição da licença, informou que terão todas as respostas após a conclusão dos estudos. Além disso, não existe previsão para novas licenças após a conclusão dessa fase de estudos.
Administração Regional do Núcleo Bandeirante também está em fase de conclusão de um estudo. O objetivo é levantar o número de comerciantes nas ruas, cadastrá-los e incentivá-los a se tornarem MEIs. Além disso, comunica que todas as administrações do DF precisam da autorização da Secretaria de Estado de Gestão do Território e Habitação (SEGETH) para fornecer as licenças, mas o processo está suspenso enquanto a SEGETH define normas para a legalização e estuda o plano de ocupação.
Outra Lei
Lei nº 4.457, de 23 de dezembro de 2009 permite que o Distrito Federal conceda a Licença de Funcionamento, por meio das administrações, para o Microempreendedor Individual – MEI, as Microempresas – ME e as Empresas de Pequeno Porte – EPP que desenvolvam atividades não consideradas de risco, conforme regulamentação e disposições constantes da Lei Federal nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
A Lei também dispõe que a licença também seja dada ao MEI, ME e EPP que não possua estabelecimento fixo ou que promova suas atividades pela Internet ou outro meio de comunicação virtual ou assemelhado.
Do outro lado: o cliente
O bacharel em contabilidade, Eder Marques (31), mora sozinho há seis meses e come com frequência na rua. Afirma nunca ter passado mal por isso, mas confessa que observa os hábitos de higiene dos comerciantes e é cliente assíduo de um vendedor no centro de Brasília.
Eder é a favor da regulamentação do comércio com fiscalizações da Vigilância Sanitária. “Acredito que isso viria pra somar e dar mais segurança e proteção aos clientes. Caso acontecesse algo, mais grave em relação à comida de rua, teríamos com quem reclamar com mais agilidade.”. Além disso, sugere que o governo treine os comerciantes de alimentos e disponibilize uma cartilha para orientar os vendedores e clientes.
Camelô dentro da lei
GDF estabelece áreas na cidade para comerciantes usarem tendas, em feiras provisórias, que permanecem num mesmo local por apenas três dias. Administração Regional de Brasília cobra uma taxa de R$0,60 por metro quadrado ocupado pelos feirantes, que não precisam se preocupar com impostos, notas fiscais ou fiscalizações, desde que comercializem os produtos autorizados. Nesta semana a feira esteve em frente ao Brasília Shopping e os comerciantes cobram um local permanente para trabalharem.
Food trucks
Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) regulamentou a comercialização de alimentos nos caminhões de comida, por meio da Lei nº 5.627, de 15 de março de 2016. Agora esse comércio possui regras para o funcionamento. É preciso ter autonomia de água e energia, por exemplo. O veículo precisa respeitar as dimensões máximas, 7 metros de comprimento, 2,50 de largura e 3,30 de altura, ser motorizado e itinerante.
Já o pré-preparo, acondicionamento e armazenamento de alimentos deve ser feito em uma cozinha de apoio, instalada em local diferente do veículo e sujeita à fiscalização da Vigilância Sanitária. Deputado Bispo Renato Andrade (PR) é o autor do projeto que normatizou os food trucks e a Lei estabelece um prazo de 90 dias, com encerramento em junho, para os proprietários dos veículos se adaptarem.