Por Karinne Viana
“Isolada e muito estressada dentro de casa”, compartilha Vanessa*, 35, ao descrever o comportamento de sua filha, antes de descobrir que, aos 12 anos, a menina mantinha conversas com estranhos nas redes sociais. “Descobri que ela conversava com homens mais velhos e fiquei arrasada ao ler as mensagens no celular dela”, relembra. A mãe também revela que a criança chegou a se envolver com rapazes mais velhos na escola; e isso a motivou a buscar ajuda.
Em muitos casos, pais e responsáveis não conseguem detectar a violência a tempo, seja em casa, na escola ou na internet. Isso impacta a qualidade de vida da pessoa que sofreu a violência, resultando em consequências psicológicas, emocionais e físicas que podem perdurar por longos períodos.
Dados da Secretaria de Saúde (SES-DF) mostram que, em 2023, a violência sexual foi responsável por 40,8% das ocorrências contra crianças registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). O estupro foi o tipo mais prevalente, em 71,4% dos casos.
Para mobilizar os brasileiros e incentivar o engajamento na luta contra a violação dos direitos sexuais infantojuvenis, 18 de maio foi estabelecido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. “Chamar a atenção contribui para a desconstrução de tabus que giram em torno do tema, encorajando as vítimas a denunciarem e buscarem ajuda sem medo de serem estigmatizadas”, afirma a psicóloga e chefe do Núcleo de Prevenção e Assistência a situações de Violência (Nupav) da Região de Saúde Leste, Márcia Vieira.
Segundo a profissional, os danos psicológicos são múltiplos. “Crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual apresentam dificuldades no desenvolvimento psicomotor, na linguagem e na aprendizagem, evidenciando restrição nas interações familiares e sociais [isolamento social], além de ansiedade e baixa autoestima”, detalha. Vieira lembra ainda que cada pessoa é única e pode reagir de maneira diferente ao trauma.
Papel da Saúde
A violência contra o público infantojuvenil é uma questão de saúde pública. Nesse sentido, a da SES-DF oferece assistência por meio da Rede de Atenção às Pessoas em Situação de Violência do Distrito Federal (RAV-DF). O trabalho engloba os serviços nos três níveis de atenção à saúde (Primária, Secundária e Terciária) e de Vigilância à Saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).
No DF, o cuidado em saúde a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual envolve acolhimento inicial; atendimento por equipe multiprofissional conectada aos serviços locais de proteção social; notificação dos casos às autoridades de saúde; e encaminhamento para a rede de proteção social, articulada com outras políticas públicas e órgãos como o conselho tutelar, assistência social e educação. “O trabalho integrado é essencial para garantir os direitos e o bem-estar desses jovens”, afirma a coordenadora da RAV, Priscila Nolasco.
Com 18 unidades, a capital federal possui uma das maiores coberturas do País para o atendimento especializado às pessoas em situação de violência sexual, familiar e doméstica no âmbito da saúde pública. Dentre elas estão a Unidade de Prevenção e Assistência a Situações de Violência (Upav) e os Centros de Especialidade para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (Cepavs).
O Cepav é um serviço especializado de referência que oferece atendimento biopsicossocial e interprofissional às vítimas, proporcionando acompanhamento de saúde tanto aos indivíduos afetados quanto as suas famílias. “Com as crianças, por exemplo, trabalhamos aspectos como a vida em comunidade, enfatizando a importância do equipamento social para elas. Além disso, abordamos o reconhecimento dos sentimentos para que elas possam identificá-los e compreendê-los, entre outras atividades”, explica a assistente social do Cepav Girassol, Fernanda Andrade.
Com uma abordagem integral, o serviço busca auxiliar no tratamento de agravos decorrentes de situações de violência sexual, familiar ou doméstica, crônicas ou agudas, bem como para contribuir com o rompimento do ciclo de violência. Os Cepavs e a Upav atendem tanto demandas espontâneas como encaminhamentos da rede de Saúde.