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02 out 2024 02:17


Os 60 anos do Banco Africano de Desenvolvimento

Entenda a história do BAD e a participação do Brasil no banco, o que permite que brasileiros concorram a vagas na entidade.

Por Rômulo Neves

O Acordo que criou o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD ou AfDB) completou 60 anos de validade no último dia 10 de setembro. Havia sido assinado em agosto de 1963, em Cartum, no Sudão, por 23 dos 33 países africanos independentes à altura, mas entrou em vigor apenas em 1964, já com 26 países membros. A reunião inaugural do Conselho ocorreria em novembro daquele mesmo ano, em Lagos, Nigéria. A efervescência das independências estava em pleno vapor. Entre a assinatura do acordo e a primeira reunião do Conselho, três países haviam ficado independentes – o Quênia, o Maláui e a Zâmbia.

A sede do banco foi alocada em Abidjã, na Côte d´Ivoire, inaugurada em março de 1965. O Banco entrou em operação, com ativos da ordem de US$ 250 milhões, em julho de 1966. Entre 2003 e 2014, a sede do BAD foi transferida temporariamente para Túnis, em razão da instabilidade política na Côte d’Ivoire. Em 2014, a sede original foi reaberta. A criação do BAD foi a consolidação do braço financeiro do movimento pan-africanista, que teve seu marco com a criação da Organização da Unidade Africana, três meses antes, em 25 de maio de 1963, em Adis Abeba. Atualmente tem a classificação de risco mais alta, triple A, ou seja, baixo risco.

Os dois primeiros projetos do BAD foram assinados em 1967, com a Libéria e com o Quênia. Desde o início, a prioridade do banco foi o setor de infraestrutura, mas os projetos se estendem a diversas áreas, com destaque para agricultura, pequeno empreendedorismo e energia – atualmente os projetos se dividem em cinco grandes áreas na estrutura do Banco – Energia, Agricultura, Indústria, Infraestrutura e Saúde e Saneamento.

A partir de 1972, o banco cria também o Fundo de Desenvolvimento Africano, uma entidade dentro do banco, mas com personalidade jurídica autônoma, com participação majoritária de países de fora do continente, para apoiar, com taxas de juros subsidiadas, países africanos com mais dificuldades. Há, ainda, o Fundo Fiduciário da Nigéria, com recursos bem mais modestos, para projetos específicos – e não para países – em países de baixo desenvolvimento relativo – nesse caso, os valores atuais do fundo, cerca de US$ 240 milhões, são comparáveis ao montante inicial do BAD em si, 60 anos atrás.

Foto: Divulgação

O Brasil fez parte do primeiro grupo de 12 países extrarregionais a aderir ao Fundo de Desenvolvimento Africano, já no ano seguinte à sua criação, em 1973. A partir de 1982, são aceitos também membros extrarregionais no próprio BAD – e novamente o Brasil faz parte do primeiro grupo de 11 países de fora do continente a se integrar, ainda no mesmo ano. Entre 1982 e 1983 foram aceitos mais de 20 membros extrarregionais e as operações do banco passam de cerca de US$ 900 milhões no início daquela década para US$ 2,8 bilhões, em 1989. No final da década seguinte, com a crise persistente no continente, o valor cairia quase pela metade, atingindo US$ 1,6 bilhão em 1999, para crescer novamente, na década do Renascimento Africano, atingindo US$ 11,8 bilhões em 2009, quando chegou a ter próximo de US$ 100 bilhões patrimônio. Ao longo dos anos, o banco descentralizou as atividades e tem escritórios em 44 dos 54 países africanos, além de um Escritório em Tóquio, estabelecido em 2012, para os contatos com os países asiáticos.

A participação do Brasil no banco possibilita que brasileiros possam concorrer às vagas abertas nas diversas unidades da entidade. Atualmente, há 23 editais abertos para várias vagas, a maioria na sede, em Abdijã, mas também há vagas no Cairo, Nairóbi e Argel, dentre outros. Você pode acessar os editais dessas vagas aqui.

A atividade do banco recuou no período da pandemia, em razão da crise econômica, mas também de mudanças no aporte de membros extrarregionais, mas a entidade ainda detém cerca de US$ 43 bilhões em ativos. Em 2023, a atividade do banco voltou a crescer, com crescimento de mais de 30% nas operações. De todo modo, trata-se de volume comparável ao patrimônio do New Development Bank, o banco dos BRICS, com carteira de US$ 50 bilhões, e cerca de um terço do patrimônio de bancos como o BID e o BNDES, que estão entre os 10 maiores bancos de desenvolvimento do mundo, com patrimônios de cerca de US$ 150 bilhões. O volume nomimal autorizado de operações, entretanto, é substancialmente maior, e era de US$ 201 bilhões até 2023. Na última reunião anual do Banco, realizada no final de maio, em Nairobi, esse valor foi aumentado para US$ 318 bilhões, mas, como se trata apenas de autorização nominal, não há impacto direto imediato no funcionamento da entidade.

O BAD tem, atualmente, 81 membros, sendo 27 extrarregionais, além de todos os 54 países do continente. Já o Fundo de Desenvolvimento, com cerca de US$ 40 bilhões de recursos operacionais, composto por doadores extrarregionais, tem 29 membros. Em setembro de 2023, o Fundo tinha US$ 6,7 bilhões em sua carteira de operações. Dos 54 países africanos, 32 operam apenas com o Fundo de Desenvolvimento e outros 5 com operações tanto do Fundo de Desenvolvimento como de operações tradicionais do BAD. Somente 17 países têm capacidade para operar exclusivamente com os recursos tradicionais do BAD.

O presidente do Banco, desde 2015, reeleito por unanimidaed em 2020, é o ex-ministro da Agricultura da Nigéria, Akinwumi Adesina. Pelo regulamento, o presidente tem um mandato de 5 anos, renovável por uma vez, e deve ser africano, mas os membros extrarregionais participam da seleção, definida pela maioria simples dos votos proporcionais à participação acionária – desde que o vencedor também tenha a maioria dos votos entre os 54 cotistas africanos. Isso significa, na prática, que o presidente é eleito pelos membros africanos.

O sistema de governança passou por recente reconfiguração, e, ao invés de as cotas serem divididas pelo peso do aporte do membro sobre o total, agora 50% das cotas é reservada aos 7 diretores representantes dos países africanos – de um total de 20 -, em igual distribuição entre esses conselheiros. O restante 50% das cotas é dividido entre os cotistas externos, independentemente de os aportes serem maiores do que aquele do grupo africano. A divisão dentro desses 50% dá-se pelo peso de seu aporte sobre essa parte. Com isso, os EUA que eram o maior cotista externo, com 7,5% do total geral, decidiram diminuir o aporte, sob a avaliação de que o novo sistema seria menos transparente. Passaram a deter 10,6% das cotas extra-africanas, ou 5,3% do total, no novo cálculo, valor similar às cotas de Alemanha, França, Reino Unido e Japão.

O Brasil detém 0,2% das cotas do grupo externo, mesmo com a ampliação do aporte, em 2010, e tem participação maior apenas do que 5 membros externos – surpreendentemente acima da Turquia e da Índia .

Em 2018, o BAD criou o Compacto Lusófono de Desenvolvimento, para projetos destinados aos PALOPs, iniciativa de interesse direto do Brasil, à qual o país finalmente aderiu em 2024. Ainda não há projetos significativos nessa carteira.

Os detalhes das operações financeiras do BAD de 2023 foram apresentados no documento de síntese apresentado na última reunião anual em maio e pode ser acessado aqui. Para a compreensão dos números apresentados nos relatórios, é preciso atentar para a conversão da unidade UA, equivalente à unidade de direito de saque do FMI – cada UA equivale a cerca de US$ 1,33.

 

Romulo Neves é diplomata na Embaixada do Brasil em Maputo, Moçambique.
Jornalista, professor, poeta. Doutorando na Universidade Eduardo Mondlane.

SourceMondo

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