Cada vez mais, pacientes da rede pública recorrem aos tribunais em busca de tratamento, compra de medicamentos ou de outros insumos médico-hospitalares
Por Otávio Augusto
A Justiça se tornou um caminho quase natural para resolver problemas de acesso à saúde na rede pública. Até 7 de julho, a Secretaria de Saúde havia recebido 69% do total de processos de 2015. A pasta acumula 1.041 ações em sete meses — ante 1.512 de todo o ano passado. O Executivo local não tem um fundo próprio para esses casos e o dinheiro, que era para ser repartido entre todos os usuários do serviço, fica restrito para aqueles que recorrem aos tribunais. Os gastos são impactantes — o valor atingiu R$ 5,9 milhões no ano. Em 2016, já são R$ 2,9 milhões — R$ 1,3 milhão somente com medicamentos.
O governo se queixa do gasto com as compras emergenciais, que comprometem o orçamento. São pacientes que cobram medicamentos, exames, equipamentos, cirurgias, próteses, entre outros serviços. Aspectos polêmicos, como medicamentos muito caros — a exemplo do caso dos à base do canabidiol —, encorpam os argumentos da pasta. Em agosto, segundo o Conselho de Saúde do DF, espécie de órgão fiscalizador, a situação deve ficar ainda mais crítica com a escassez de recursos.
Evandro da Rocha Nascimento, 21 anos, procurou ajuda no Núcleo de Assistência à Saúde, da Defensoria Pública do DF. A filha dele, um bebê de 5 dias, sofre de um grave problema cardíaco ainda não identificado. Ele tenta a transferência da criança do Hospital Regional de Ceilândia (HRC) para o Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), onde teria melhor suporte para o tratamento. “Alegam que há falta de ambulância e de um médico para nos acompanhar no trajeto. Minha filha está morrendo aos poucos”, lamenta o pai, morador de Ceilândia. Ele iniciou o processo contra a Secretaria de Saúde.
As falhas no sistema exigem cada vez mais mecanismos para frear o crescimento das ações judiciais. O governo aposta na Câmara Permanente de Mediação em Saúde (Camedis), a fim de reduzir a demanda, e na Defensoria Pública, para solucionar os dilemas por meio do diálogo. Entre 2014 e o ano passado, o índice de processos abertos caiu 23%, mas deve voltar a crescer em 2016. “Temos uma farmacêutica que tenta substituir a prescrição de medicamentos em falta por similares disponíveis. Buscamos alternativas diariamente. Esse é um trabalho que deveria ser feito na Secretaria de Saúde”, explica o defensor público Celestino Chupel.
Drama
A situação de Evandro não é exclusiva. Na terça e na quarta-feira, o Correio conversou com 12 pacientes que procuravam atendimento em hospitais da rede pública do DF. Sete disseram à reportagem que cogitavam a abertura de um processo. Em comum entre os entrevistados, o pessimismo com a assistência prestada pelo governo. “Os pacientes chegam angustiados e sem esperanças. Isso mostra que a saúde pública continua um caos”, destaca Celestino.
A peleja do corretor imobiliário Marco Aurélio Amidani, 49 anos, começou em fevereiro. Nos últimos seis meses, ele busca ajuda para uma amiga com distúrbios psiquiátricos. “Gastamos muito dinheiro com medicamentos, não estamos conseguindo nenhum tipo de tratamento ou auxílio. Já tentei em todos os lugares possíveis. A Defensoria Pública é a última esperança”, reclama. A mulher, de 32 anos, precisa de acompanhamento psiquiátrico com urgência. “Estou aqui na tentativa de ajudar uma pessoa que precisa”, reforça. A demanda de Marco foi encaminhada para a Diretoria de Saúde Mental, mas ainda não obteve resposta.
Para Helvécio Ferreira, presidente do Conselho de Saúde, o cenário é resultado de “um processo de degradação dos últimos 20 anos”. “A estrutura não está em equilíbrio com a necessidade da população”, argumenta. Ele vaticina: “A partir de agosto, teremos problemas maiores, porque acabou o dinheiro. Como a secretaria vai comprar? A pasta está buscando outras fontes de recurso, mas, este ano, está mais difícil que em 2015, quando os deputados destinaram suas emendas para a pasta”. Nos bastidores, a Secretaria de Saúde articula com a Câmara dos Deputados para resolver o dilema.
Fonte: Correio Braziliense