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21 nov 2024 23:57


MP investiga deputados e presidente da Câmara Legislativa do DF por desvios da saúde

Presidente da Câmara Legislativa do DF está entre os alvos da apuração

Por Renata Mariz

Um suposto esquema de desvio de recursos na área da Saúde, com indícios de participação da cúpula do Legislativo local, está na mira do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Mantidas sob sigilo, as investigações, que envolvem a presidente da Câmara Legislativa do DF, Celina Leão (PPS), e outros deputados distritais, contam com um ingrediente inusitado: gravações comprometedoras entregues espontaneamente por uma colega de Parlamento. Os indícios são tão graves que no último dia 12 foi aberto um procedimento investigativo na esfera criminal e decretado sigilo sobre o caso.

Os áudios, obtidos pelo GLOBO, foram feitos pela deputada distrital Liliane Roriz (PTB), atual vice-presidente da Câmara Legislativa, filha caçula do ex-governador do DF por quatro vezes Joaquim Roriz e irmã da ex-deputada federal Jaqueline Roriz – os dois foram alijados da política depois de se tornarem ficha-suja. Nas gravações, há referência a um “projeto”, palavra mencionada várias vezes por Celina, que o Ministério Público acredita se tratar, na verdade, de um esquema organizado de corrupção na capital do país.

Escutas desde o fim de 2015
O modo de operar da organização, que seria capitaneada por integrantes da Mesa Diretora da Câmara Legislativa, envolvia a cobrança de propina de prestadores de serviços em troca de agilizar os pagamentos, cada vez mais atrasados em virtude da crise fiscal que assola o Governo do Distrito Federal (GDF). Em pelo menos um caso específico, denunciado por Liliane Roriz, um empresário confirmou a tentativa de achaque.

As escutas ambientais começaram a ser feitas pela deputada após uma votação, no final de 2015. Estava em discussão o destino de uma sobra orçamentária daquele ano da Câmara Legislativa, que seria destinada ao GDF para custear reformas nas escolas públicas. De última hora, o texto do projeto de lei foi modificado, realocando praticamente todo o dinheiro – R$ 30 milhões de um total de R$ 31 milhões – na Saúde, para pagamentos vencidos de UTIs.

Ao questionar Celina sobre a mudança, já com o gravador ligado, Liliane ouve da presidente da Câmara Legislativa do DF a explicação de que ela também havia sido surpreendida, até receber a informação dos deputados de que se tratava de um “projeto” que eles conseguiram com um “cara” que ia “ajudar”. Celina relata que, nesse momento, deu o xeque-mate nos colegas: “Se vai ajudar tem que ajudar todo mundo”. E tranquiliza Liliane: “Você não tá fora do projeto, não. Você tá no projeto. Mandei o Valério já falar com você”.

Valério Neves Campos, ao qual Celina se referia, era secretário-geral e ordenador das despesas da Câmara Legislativa na época, cargo que ocupou devido à proximidade com a presidente da Casa e que deixou depois de ser preso na Operação Lava- Jato, na mesma apuração relacionada ao ex-senador Gim Argello (PTB-DF). Na conversa que Liliane também gravou, Valério conta o que havia ocorrido naquela tumultuada sessão, no apagar das luzes de 2015.

Ele afirma, segundo as gravações em poder do MP, que os deputados Bispo Renato Andrade (PR) e Júlio César (PRB), então líder do governo na Câmara, tentaram um “negócio” com Afonso Assad, presidente da Associação Brasiliense de Construtores. As empresas representadas por Afonso poderiam colocar contratos com a Secretaria de Educação para andar, a partir da transferência dos recursos destinados para esse fim.

Só que o empresário teria dito que “não tinha jeito”, afirmou Valério, numa referência à propina, segundo as investigações. Procurado pelo GLOBO, Afonso Assad disse que não falaria sobre o assunto.

Com a negativa do empresário de participar do esquema, segundo explica Valério, nos áudios, o deputado Cristiano Araújo (PSD) conseguiu o “negócio” das UTIs, onde teria “jeito”. Em diversos momentos, ao falar nomes e valores, o ex-secretário-geral da Câmara diminui o tom de voz a ponto de ficar inaudível. Ao dizer o quanto os “hospitais iam retornar”, Valério sussurra que seria “7%”. Mais adiante, diz que o “negócio” do Cristiano pode render “no mínimo cinco e no máximo 10, fica em torno de 7”.

Valério chega a nomear, nas gravações, os beneficiários da transação. E deixa claro que o assunto tem de ser mantido em segredo entre os participantes: “Quem sabe disso só os cinco membros da Mesa e o Cristiano”. Por mais de uma vez, ressalta o papel fundamental do parlamentar, que não faz parte da Mesa, mas teria garantido o “negócio”. Além do Bispo Renato Andrade, Júlio César e da própria Liliane Roriz, são integrantes titulares da Mesa o deputado Raimundo Ribeiro (PPS) e a presidente Celina Leão.

Vencida a etapa de encontrar o “parceiro” para o negócio, disposto a retornar um percentual em propina aos deputados e ao secretário-geral da Casa, havia outro empecilho a ser ultrapassado: um decreto do início da gestão do governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), proibia o uso de recursos daquela natureza para quitar dívidas de exercícios anteriores, exatamente as que as tais UTIs pelejavam para receber. O texto do projeto que abriu o crédito extraordinário foi alterado para prever essa excepcionalidade.

Suposto esquema é investigado em duas frentes
Documentos e depoimentos colhidos pelo Ministério Público do DF, segundo fontes com acesso às investigações, corroboraram as informações captadas nos áudios. Foi verificado que, de fato, nos dias 30 e 31 de dezembro, despachos oficiais do governo reconheceram dívidas passadas de empresas de UTIs, abrindo caminho para os pagamentos, feitos nos primeiros meses deste ano.

Há duas frentes de investigação sobre o tema no Ministério Público do DF. Uma que apura ocorrência de improbidade administrativa, tocada em conjunto pela 1a Promotoria da Saúde (ProSus) e pelo Ministério Público de Contas do DF, e outra, aberta recentemente, no âmbito criminal.

– Em face da gravidade dos fatos e das autoridades envolvidas, foi decretado sigilo, no âmbito da improbidade administrativa, que é o que apuramos aqui. No curso dessas investigações, vieram ao lume algumas condutas que potencialmente caracterizariam ilícitos penais, de modo que encaminhamos esses documentos para a área criminal competente – afirma Jairo Bisol, promotor da ProSus.

Procurada, a presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão, informou, por meio da assessoria de imprensa, que não tem qualquer envolvimento com esquemas de corrupção. Ela atribuiu as denúncias ao fato de ter aberto uma CPI para investigar a área da Saúde no DF.

Fonte: O Globo

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