Investigação apura se grupo lucrava ao ‘receitar’ material sem necessidade
Ação cumpriu 12 mandados de prisão, informaram Polícia Civil e MP
Por Gabriel Luiz e Alexandre Bastos
Sete médicos do Distrito Federal foram presos em uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público nesta quinta-feira (1º) em uma ação que apura a existência de uma organização criminosa formada por médicos e empresários que ganha dinheiro instalando órteses e próteses em pacientes que não precisariam. Foram cumpridos 21 mandados de busca e apreensão e 12 mandados de prisão.
Segundo a polícia, estima-se que cerca de 60 pacientes tenha sido lesados só neste ano apenas por uma empresa. De acordo com as investigações, o esquema envolvendo cirurgias desnecessárias, superfaturamento de equipamentos, troca fraudulenta de próteses e uso de material vencido em pacientes é milionário.
Existem casos de cirurgias sabotadas para que o paciente seja continuamente operado, gerando lucro para o esquema. Os médicos também supostamente destinaram produtos vencidos para os pacientes, trocando produtos mais caros por mais baratos. Só na casa de um deles, foram encontrados R$ 51 mil. Em outras casas, também foram achados R$ 100 mil, US$ 90 mil e cédulas em euros.
Ainda segundo a polícia, uma testemunha que tentou denunciar o esquema sofreu tentativa de homicídio. “Deixaram um arame de 50 cm na jugular do paciente para matá-lo.”
Ao todo, são sete mandados de prisões temporárias (de cinco dias) e cinco preventivas (sem tempo determinado) expedidos pela 2ª Vara Criminal de Brasília. A prisão preventiva ocorre quando há risco de o suspeito atrapalhar as investigações. Os mandados são cumpridos em diversas regiões do DF, entre elas Cruzeiro e Asa Sul.
Os alvos são sete médicos, dois empresários da empresa TM Medical (que faz manutenção e reparos de aparelhos hospitalares), um coordenador da Secretaria de Saúde, um diretor do hospital Home e funcionários. O diretor é um dos quatro alvos de mandados de condução coercitiva, quando o individuo é obrigado a depor. Durante a ação, um dos médicos detidos tinha acabado de cheirar cocaína, informou a polícia.
Um funcionário do hospital Home relatou ao G1 que os funcionários administrativos – da contabilidade, do financeiro ou do RH, por exemplo – foram dispensados. O atendimento aos pacientes continuam normalmente. Segundo ele, o dono do hospital não estava presente e a ação policial pegou os trabalhadores de surpresa.
Presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Gutemberg Fialho disse que se as denúncias forem comprovadas, os médicos devem ser punidos severamente. “Essa prática de indicar procedimentos desnecessários e superfaturados expõe pacientes a risco e aumenta os custos de operação. Isso é ruim quando acontece no sistema público, e também é quando ocorre no sistema privado, na medicina suplementar, pois o usuário acaba pagando um preço elevado.”
Próteses e órteses
Próteses são dispositivos usados para substituir total ou parcialmente um membro, órgão ou tecido. Órteses são dispositivos utilizados para auxiliar as funções de um membro, órgão ou tecido do corpo. De uso temporário ou permanente, as órteses evitam deformidades ou o avanço de uma deficiência médica. Um marca-passo, por exemplo, é considerado uma órtese implantada.
O processo de compra de marca-passos faz parte da série de denúncias apresentadas pela sindicalista Marli Rodrigues sobre um suposto esquema de desvio de verba na área da saúde.
Em um trecho do material encaminhado por Marli ao Ministério Público, ela relata a informação de que o atual subsecretário de Infraestrutura e Logística, Marcello Nóbrega, supostamente rasgou uma nota de empenho (uma espécie de garantia de pagamento) sobre a aquisição do material.
A motivação do gesto seria de que “o resultado da concorrência não teria agradado aos grupos políticos que gerenciam a área”. Em depoimento à CPI da Saúde, Nóbrega negou as acusações.
Dívida reconhecida
O hospital Home é uma das prestadoras de serviços de UTI beneficiadas por emendas parlamentares suspeitas de serem liberadas em troca de pagamento para deputados distritais. Ao todo, foram destinados R$ 5 milhões para a empresa no começo deste ano. A forma com que a Home e as outras empresas foram beneficiadas é investigada pelo Ministério Público, a Polícia Civil e a CPI da Saúde.
O GDF também liberou verba de emendas para os hospitais Santa Marta (R$ 11 milhões), Intensicare (R$ 5 milhões), Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (R$ 4,5 milhões), São Mateus (R$ 2,5 milhões) e São Francisco (R$ 2 milhões).
Desde 2009, a Home recebeu aproximadamente R$ 50,75 milhões em contratos públicos. Ao todo, foram R$ 44 milhões da Secretaria de Saúde, R$ 5,25 milhões do Fundo de Assistência à Saúde da Câmara Legislativa e R$ 1,44 milhão do Fundo de Saúde do Corpo de Bombeiros.
Esquema nacional
A fraude envolvendo órteses e próteses nacionalmente foi denunciada pelo Fantástico, da TV Globo. O assunto virou tema de uma CPI na Câmara dos Deputados. Em janeiro do ano passado, o programa mostrou que médicos indicavam cirurgias e o uso de próteses a pacientes mesmo quando não era necessário. Em troca, recebiam comissões de até R$ 100 mil das empresas fornecedoras.
“Na maior parte das vezes, os dispositivos médicos implantados são usados em situação de urgência e emergência. Muitas vezes o paciente não tem condição de avaliar o melhor caminho”, disse o então ministro da Saúde, Arthur Chioro, em julho de 2015.
Um grupo de trabalho criado pelo ministério apurou que o mercado de produtos médicos movimentou 19,7 bilhões em 2014 – desse total, R$ 4 bilhões são relativos aos chamados dispositivos médicos implantados, que englobam órteses e próteses. A venda desses aparelhos aumentou 249% entre 2007 e 2014.
O ministro Arthur Chioro disse que a ausência de padronização, protocolos e um banco de preços cria margem para “comportamentos oportunistas” de especialistas, que têm total controle da escolha dos aparelhos.
O relatório encontrou diferenças de preços de implantes em regiões do Brasil e também no comparativo com outros países. Um marcapasso na região Norte, por exemplo, custa R$ 65 mil. No Sul, o preço abaixa para R$ 34 mil. Entre o Brasil e a Alemanha, a diferença no valor de implantes de cóclea é de quase seis vezes.
Nos hospitais, foi percebido que o médico ganha com comissão paga pelas empresas de dispositivos médicos. A prática é proibida pelos conselhos de medicina. Também foi apontado que hospitais comercializam esses produtos com margem de faturamento de 10% a 30%.
Fonte: G1