Decisão é a segunda de 2016 a contestar a concorrência pública que fatiou a prestação do serviço de ônibus na capital federal. Juiz afirma que houve uma série de irregularidades no certame feito há cinco anos
Sete meses após 1ª Vara de Fazenda Pública suspender os contratos de uma concorrência do transporte público local referente às Bacias 1, 2 e 4 por indícios de irregularidades, o órgão julgou outra ação e, desta vez, invalidou o mesmo certame: a Licitação nº 001/2011. Assim, conforme decisão do juiz Aragone Nunes Fernandes, os contratos firmados entre o DF e as empresas Auto Viação Pioneira, Auto Viação Piracicabana e Auto Viação Marechal tornaram-se nulos.
A decisão surtirá efeito a partir do prazo de 180 dias, contados do seu trânsito em julgado, ou se for exaurida a tramitação nas instâncias ordinárias — o que ocorrer primeiro. “A fim de prestigiar os princípios da continuidade do serviço público e da confiança no Estado, ficam mantidos os referidos contratos até que se atinja o prazo fixado”, determinou Fernandes. Ainda cabe recurso.
A medida afeta a bacia 1, que engloba Brasília, Sobradinho, Planaltina, Cruzeiro, Sobradinho II, Lago Norte, Sudoeste/Octogonal, Varjão e Fercal; a bacia 2, com Itapoã, Paranoá, Jardim Botânico, Lago Sul, Candangolândia, Park Way, Santa Maria, São Sebastião e Gama; além da bacia 4, com Taguatinga, Ceilândia, Guará, Águas Claras e Park Way.
A ação civil pública pela invalidação do certame foi ajuizada pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Abradec). Segundo a associação, várias irregularidades foram praticadas no processo licitatório, inclusive o direcionamento do resultado.
A acusação aponta ainda que a parceria do DF com o escritório de advocacia Guilherme Gonçalves & Sacha, que atuou como consultor jurídico da Comissão Permanente de Licitação, teve como objetivo favorecer os Grupos Constantino e Gulin, proprietários das empresas vencedoras.
No processo, é ressaltado ainda que não houve contrato formal para o serviço de consultoria, em desacordo com a Lei de Licitações, e que, apesar disso, “o advogado Sacha Reck extrapolou as funções de consultor, atuando em todas as fases da concorrência, elaborando e julgando propostas, orientando recursos e habilitações, emitindo pareceres técnicos decisivos e contrários aos recursos interpostos pelos concorrentes”.
A denúncia destaca também que Garrone Reck, diretor do Consórcio responsável pela elaboração do Edital 001/2011, é pai de Sacha Reck. O advogado integra o escritório que patrocinava as empresas Viação Piracicabana, Viação Pioneira e Viação Marechal, justamente os grupos contratados para a prestação do serviço público de transporte.
Reck também atuou de forma semelhante em licitações no estado do Paraná, elaborando edital de licitação vencida por empresa do Grupo Constatino. Porém, a atuação do Ministério Público paranaense impediu a fraude e a concorrência pública foi anulada.
Empresas negam
As empresas citadas apresentaram contestação negando as irregularidades. Segundo o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), “os réus impugnaram os documentos juntados ao processo e destacaram a falta de vínculo com o escritório advocatício de Sacha Reck”.
Já o Governo do Distrito Federal alegou que “não foi violada qualquer regra que discipline o procedimento licitatório, bem como os princípios que regem a administração pública foram solenemente obedecidos”. O GDF ainda argumentou que a atuação do escritório de advocacia teria se limitado à mera consultoria, “inexistindo submissão compulsória da Comissão de Licitação às opiniões emitidas pela consultoria”.
R$ 10 bilhões
Na sentença, o juiz Aragone Nunes Fernandes destacou as cifras bilionárias envolvidas na licitação, em torno de R$ 10 bilhões, e as implicações políticas e sociais decorrentes. Fernandes também afirmou que várias ações tramitam na Justiça com o objetivo de invalidar o certame, tendo sido uma delas já sentenciada em janeiro.
“Ressalto que o fato de o referido feito já contar com sentença de mérito, com anulação de todo o certame, não cria embaraço no julgamento desta ação civil pública, na medida em que a questão não está coberta pelo manto da coisa julgada e, contra a referida sentença, houve a interposição de recurso de apelação, dotado de efeito suspensivo”, ponderou o juiz.
Ainda de acordo com o magistrado, “a prova documental dos autos se alia à tomada perante a CPI instaurada na Câmara Legislativa Distrital para formar um conjunto robusto, apto a demonstrar a influência nefasta de alguns agentes públicos e privados com vistas a direcionar o certame, beneficiando determinadas empresas. Ao contrário do que fora defendido pelo DF e pelas empresas, Sacha Reck atuou de forma multifacetada e detendo poderes pouco usuais”, concluiu Fernandes
Outra ação
Em janeiro, em outra ação, o juiz Lizandro Garcia Gomes Filho, da 1ª Vara de Fazenda Pública, suspendeu os contratos da mesma licitação. Naquela decisão, além da Viação Piracicabana, da Viação Pioneira, e da Auto Viação Marechal, também foram suspensos os contratos com a Expresso São José e o consórcio formado pela HP Transportes Coletivos e a Ita Empresa de Transportes.
A presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão (PPS), foi uma das autoras do processo movido contra o GDF. O tempo determinado para o GDF realizar nova licitação foi de 180 dias, mas como coube recurso, essa ação ainda corre na Justiça. (Com informações do TJDFT)
Fonte: Metrópoles