27.5 C
Brasília
22 nov 2024 13:47


O Instituto Candango de Solidariedade do Rollemberg

Brasília já viu esse filme. Projeto de terceirização do Hospital de Base foi tema de debate na Câmara Legislativa.

O secretário de Saúde, Humberto Fonseca, não convenceu. Com um discurso não menos atrapalhado do que sua gestão – interrompido pelas vaias dos servidores – ele tentou explicar, em audiência pública na Câmara Legislativa, na manhã desta quinta-feira (23), que o Instituto Hospital de Base (IHBDF) não seria uma Organização Social (OS). O atual gestor da pasta, na verdade, foi engolido pelas próprias palavras ao afirmar que “o modelo de gestão do Instituto é igual ao do Sarah”. O Hospital Sarah Kubitschek é uma OS.

Engana-se quem pensa que o secretário de Saúde participou, de fato, do debate sobre o projeto. Demonstrando pouco caso e desrespeito, chegou duas horas atraso e fez seu discurso atarantado sem dar atenção aos argumentos. Antes, a maioria dos parlamentares, representantes sindicais e servidores da Saúde presentes não deixou dúvida de que a ideia é, sim, terceirizar para não se responsabilizar pelo futuro do mais importante hospital do Distrito Federal.

“Vamos falar, agora, de credibilidade. O governo engana e mente ao citar o Sarah como modelo dizendo que esse Instituto não será uma OS. Não houve debate, não houve discussão. E eu me pergunto porque a pressa disso agora. E a resposta é que o governo quer criar um factóide pensando nas eleições de 2018”, afirmou o presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho. “A criação desse Instituto vai, com certeza, atingir a população, que ficará sem atendimento, e vai precarizar o nosso trabalho, sem garantia alguma”, salientou.

Gutemberg falou também aos médicos que trabalham na gestão da Secretaria de Saúde, lembrando-os de que “quando a ideia das OSs se consolidar no DF, o futuro dos atuais gestores também estará comprometido”. “Muito cuidado, colegas”, alertou o presidente do SindMédico-DF. “Porque vender gato por lebre?Vamos criar uma fundação pública de direito público?”, questionou. Por fim, ele fez um apelo aos deputados distritais. “Espero que esta Casa não se deixe enganar e não engula gato por lebre.”

Além do SindMédico-DF, cujo vice-presidente, Carlos Fernando, também fez questão de participar da Audiência, outros representantes de sindicatos e entidades da Saúde estiveram no debate. O conselheiro Sergio Zerbini, do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), fez questão de frisar que a entidade não participou da elaboração da proposta que cria o IHBDF e não quer ter qualquer envolvimento com a composição do conselho gestor do Instituto, como foi inscrito no artigo 6º do Projeto de Lei que autoriza o Poder Executivo a criar o Instituto. “O CRM não participará disso. Até mesmo porque não tem essa função institucional”, afirmou.

Outra crítica contundente da proposta do Governo do Distrito Federal (GDF) foi a presidente da Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira. Segundo ela, o mesmo assunto (terceirização da Saúde) está sendo debatido em vários outros hospitais do Brasil “porque os servidores não podem ficar sujeitos à coação moral”. “O Rio de Janeiro adotou esse modelo de gestão em que a Saúde não está no orçamento. Porém, nesse modelo, 60% da receita corrente são destinados às carreiras mais fortes. E isso é de uma desigualdade cruel com o cidadão, com aqueles que precisam desse serviço”, afirmou.

A Audiência Pública, que durou aproximadamente três horas, foi solicitada pelo distrital Bispo Renato. Ele e outros parlamentares, como Celina Leão, Raimundo Ribeiro e Wellington Luiz, colocaram-se contra a proposta de transformar o Hospital de Base em instituto e destacaram a necessidade de ampliar a discussão e tratar da recuperação do HBDF e não de sua privatização. O único deputado que defendeu a ideia foi o líder do governo na CLDF, Rodrigo Delmasso.

Memória:

O Distrito Federal já teve experiências com instituições criadas ou contratadas para burlar a Lei das Licitações, a Lei de Responsabilidade Fiscal e para favorecimento político. O resultado foi corrupção e escândalo. Lembre a história do Instituto Candango de Solidariedade.

Cabide para apadrinhados
O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) começou a investigar os contratos entre o GDF e o Instituto Candango de Solidariedade (ICS) em 1999, mas o trabalho foi intensificado a partir de 2002, com a criação de uma comissão de promotores de Justiça que se dedicou ao assunto. Várias ações cíveis foram propostas que contestavam a regularidade da terceirização de serviços e de mão de obra, feita em contratos diretos por meio do ICS, sob o fundamento de que a lei permitia o vínculo direto, com dispensa de licitação e concurso, por se tratar de uma organização social. Para o Ministério Público, essa era uma forma de dar liberdade ao GDF para escolher, por critérios políticos e interesses escusos, empresas e servidores. As apurações revelaram que o ICS era um cabide de empregos para apadrinhados políticos de deputados distritais e até de integrantes do Judiciário, além de uma forma de desviar recursos públicos, por meio de contratos com empresas definidas pela cúpula do GDF. Pelo ICS, por exemplo, entre 1999 e 2005, o então presidente da Codeplan, Durval Barbosa, contratou diversas empresas de informática. Durante as investigações da Operação Caixa de Pandora, em novembro de 2009, Durval revelou que as prestadoras de serviço pagavam propina para alimentar um caixa destinado a deputados e integrantes do GDF. Na avaliação do MP, a direção do ICS beneficiou-se dos esquemas de desvios de recursos. Em 17 de outubro de 2006, o MP deflagrou, em parceria com a Polícia Federal, a Operação Candango, que prendeu 12 pessoas, entre elas o então presidente do ICS, Lázaro Severo Rocha, e Ronan Batista de Souza, ex-presidente da entidade e ex-secretário do Governo Roriz. A investigação concluiu que, entre 2003 e 2006, R$ 25,6 milhões repassados pelo GDF foram desviados para a conta de pessoas e empresas ligadas aos dois dirigentes presos. Durante a operação, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos investigados. Além de Severo Rocha e Ronan, familiares, advogados e supostos laranjas também foram presos, sob a acusação de peculato, lavagem de dinheiro e corrupção. Entre 1999 e 2006, o GDF repassou ao ICS R$ 2,7 bilhões. Desse montante, pelo menos 9%, correspondentes a R$ 243 milhões, representaram prejuízo. Esse era o valor pago a título de taxa de administração ao ICS, por intermediar os contratos. Ao assumir o governo em janeiro de 2007, o então governador José Roberto Arruda extinguiu a entidade.

Texto de Ana Maria Campos, publicado no Correio Braziliense, em 23/01/2011.

Fonte: SindMédico-DF

LEIA TAMBÉM

PD nas redes

FãsCurtir
SeguidoresSeguir
SeguidoresSeguir
InscritosInscrever