CLDF trava tramitação do projeto de privatização do Hospital de Base. Projeto é obscuro e pode destruir a referência de medicina de alta complexidade do DF.
Questionado sobre aspectos jurídicos da proposta, que sequer respeita a Lei Orgânica do DF, o secretário Humberto Fonseca, que além de ter um diploma de médico é advogado e servidor do Senado Federal, foi incapaz ou não quis esclarecer o objetivo e o texto do Projeto de Lei (PL) 1.486/2017, que propõe o que ele chama de mudança de modelo de gestão. “Temos um alicerce jurídico diferente para fazer essa proposta”, afirmou, sem explicar qual é o material usado nesse “alicerce”.
Na verdade, o projeto é uma adaptação grosseira do projeto que transformou a antiga Fundação das Pioneiras Sociais em serviço social autônomo (uma organização social) que hoje administra a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Essa mudança de natureza e pessoa jurídica das Pioneiras Sociais ocorreu em 1991 e é anterior à Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), à Lei de Licitações (1993) e à Lei Orgânica do Distrito Federal e outros dispositivos legais que necessariamente precisam ser considerados.
Texto confuso e comparações enviesadas
O presidente da Comissão de Educação e Saúde da CLDF, deputado Wasny de Roure, afirmou que o PL 1.486 não será aprovado sem aprofundamento de análise – é a única comissão que ainda não apreciou o projeto. Ele já foi aprovado, no entanto, nas demais comissões, inclusive a de Constituição e Justiça, apesar das flagrantes irregularidades existentes no texto. Outros parlamentares fizeram coro à afirmação de que a proposta não foi compreendida e que a discussão sobre o tema tem que ser aprofundada.
O presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho, levou à mesa de debates um memorial com dados que mostram as inúmeras inconsistências jurídicas e que desmontam o argumento de suposta vantagem da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação em relação ao Hospital de Base. Com um orçamento 35% menor, o, os 3.512 servidores do HBDF (1.465 menos que no Sarah), realizam quase a mesma quantidade de consultas, internações e cirurgias. E boa parte dessas cirurgias são de alta complexidade e emergenciais, modalidade de atendimento não prestada pelo Sarah.
Isso não desqualifica a Rede Sarah, mas demonstra que a argumentação do governo é falsa. “O Sarah gastou 82% de seu orçamento, em 2015, com pessoal, no Hospital de Base, segundo dados da própria Secretaria de Estado de Saúde, 76,45% da verba é destinada à folha de pagamento”.
Segundo a presidente da Associação da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), Lucieni Pereira, similaridade no gasto das duas instituições indica uma situação que desmonta também o argumento de que há um gasto excessivo com pessoal no HBDF: a atividade de assistência à saúde depende de mão de obra mais do que alguns outros tipos de atividade. Mesmo um equipamento de exame precisa de um operador e o laudo do exame é feito ou outro profissional, para um terceiro ou quarto usar a informação para dar ao paciente a assistência necessária. Simples assim.
Histórias mal contadas também aos parlamentares
O deputado Raimundo Ribeiro questionou o argumento da necessidade da mudança do modelo de gestão, mantendo o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, como presidente do conselho administrativo. “Muda, mas não muda. Não dá para entender a proposta”, salientou. Celina Leão indagou o fato de o governador Rodrigo Rollemberg afirmar em entrevistas que um dos objetivos do projeto é escapar da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Se isso for verdade, não podemos votar esse projeto. Me mostre e me comprove que é bom e que não é ilegal”, destacou a parlamentar ao ressaltar o fato de o próprio governador exaltar um artifício para burlar a legislação vigente.
A deputada se disse surpresa quando o projeto chegou à Câmara como se já tivesse sido apreciado e aprovado pelos órgãos de controle. A procuradora-geral do Ministério Público de Contas do DF Cláudia Fernanda Pereira, no entanto, assegurou que o órgão não participou de qualquer discussão relacionada à proposta. “Não tem nenhuma fala do Ministério Público de Contas em relação a esse projeto”, frisou.
Usuários devem ser informados e ouvidos
O presidente da Câmara Legislativa, deputado Joe Valle, afirmou que “não terá atropelo na Casa”. Para ampliar o debate, ele propôs a realização de um seminário sobre o assunto após a Semana Santa.
Responsável pela elaboração do memorial apresentado aos parlamentares, o presidente do Sindicato dos Médicos considera a proposta do seminário é válida, mas ainda modesta quando se considera que a Lei Orgânica do Distrito Federal prevê que processos de privatização de empresas públicas e sociedades de economia mista têm que ser submetidos a referendo popular e, ainda têm que ser aprovados por 2/3 dos deputados distritais. “Se tem que haver esse cuidado quando o assunto é empresa estatal, deve haver ainda maior rigor quando se considera a hipótese de transformar o hospital público referência em alta complexidade do Distrito Federal em uma instituição privada”, enfatiza Gutemberg.
Também compareceram à reunião representantes de órgão de controle interno do GDF, dos demais sindicatos dos servidores da Saúde do DF, da Associação Médica e do Conselho Regional de Medicina e os presidentes das comissões temáticas da CLDF.
Confira a análise crítica sobre o PL 1.486/2017 – privatização do Hospital de Base do DF.
Fonte: Sindmédico-DF