Decisão, de juiz da 21ª Vara do Tribunal Regional Federal (TRF), pode ter colocado freio aos descasos da gestão da Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF), para com pacientes com câncer no DF. Isso se a Secretaria, abrir exceção e cumprir a determinação da Justiça

Por Kleber Karpov

O juiz federal da 21a Vara da SJDF, Rolando Valcir Spanholo, deferiu, nesta segunda-feira (8), liminarmente, pedido da Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelas defensorias públicas da União (DPU) e do Distrito Federal (DPDF) em prol de pessoas diagnosticadas com câncer. A Justiça Federal determinou ao Governo do Distrito Federal e à União, que em prazo máximo de 90 dias úteis, passe a ser respeitado o limite de 60 dias, a partir do diagnóstico, para o início do tratamento radioterápico no Sistema Único de Saúde (SUS-DF).

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A ACP foi resultado de inspeção ocorrida em 2017 durante o Outubro Rosa, ocasião em que as Defensorias constataram, entre outros problemas, a escassez de serviços de radioterapia em funcionamento no DF suficientes para atender à demanda; a existência de filas de espera com número significativo de pacientes aguardando o início do tratamento; e a subutilização do serviço de radioterapia nos hospitais públicos, em razão de déficit de recursos humanos para operarem em capacidade plena os aparelhos existentes.

Ambas as defensorias também realizaram audiência pública, em dezembro passado, para colher informações sobre a real situação dos atendimentos aos pacientes com câncer no DF, de modo a subsidiar a ACP.

Decisão

Na decisão, o juiz Rolando Valcir Spanholo foi taxativo ao chamar de “insuficiente e prejudicial” o programa de radioterapia no âmbito do DF e da União.

“Conforme demonstrado nos autos (e não suficientemente refutado nas informações preliminares prestadas pelos demandados) e inobstante a clareza e a objetividade das regras já transcritas, o programa de radioterapia desenvolvido no âmbito do Distrito Federal pela União e pelo Distrito Federal tem se revelado completamente insuficiente e prejudicial à sua missão de enfrentar a neoplasia maligna”.

O magistrado observou ainda que, no âmbito da neoplasia maligna – câncer – a Lei nº 12.732/12, estabelece o prazo de 60 dias para que o Estado assegure, além do tratamento gratuito, por parte do SUS, o prazo de 60 dias, contados à partir da data do diagnóstico da doença.

“Art. 2o O paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 (sessenta) dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único. § 1o Para efeito do cumprimento do prazo estipulado no caput, considerar-se-á efetivamente iniciado o primeiro tratamento da neoplasia maligna, com a realização de terapia cirúrgica ou com o início de radioterapia ou de quimioterapia, conforme a necessidade terapêutica do caso. § 2o Os pacientes acometidos por manifestações dolorosas consequentes de neoplasia maligna terão tratamento privilegiado e gratuito, quanto ao acesso às prescrições e dispensação de analgésicos opiáceos ou correlatos.”.

Multa por descumprimento

Além de determinar o prazo máximo de 90 dias para que a União e o Distrito Federal passem a respeitar o limite legal de início do tratamento, o magistrado também estabeleceu multa de R$ 200 mil para cada paciente cujo prazo for ultrapassado. O juiz determinou, ainda, que, em 15 dias, seja apresentado um plano de ação capaz de solucionar a demanda represada.

“Segundo informações prestadas pela própria Secretaria de Saúde do DF, aproximadamente 15% das pessoas que estavam na fila de espera pela radioterapia foram excluídas porque a demora em iniciar o tratamento acarretou a sua completa inutilidade. Isso é mais que o receio de dano irreparável: é o próprio dano irreparável. Esperamos que a essa decisão seja fielmente cumprida pelos réus”, afirmou o defensor regional de direitos humanos no Distrito Federal, Alexandre Mendes Lima de Oliveira.

Para o defensor público do DF, Danniel Vargas de Siqueira Campos, que também assina a ACP, lembrou, por sua vez, que “nossa Constituição garante o direito à saúde a todos, de forma igualitária (sem discriminações injustificadas) e de forma integral. Para isso, é necessária uma infraestrutura de serviços adequada, que os serviços de saúde sejam respeitosos e não discriminatórios, e que os cuidados de saúde sejam clinicamente adequados, rápidos e acessíveis”.

Ainda segundo Campos, “muitas pessoas, especialmente as mais necessitadas, enfrentam desafios no acesso aos serviços sociais e de saúde dos quais precisam. Não podemos permitir que os serviços de saúde se tornem mais restritos, mais precários e mais discriminatórios entre ricos e pobres, entre quem tem e quem não tem planos de saúde. Precisamos de mais recursos para a saúde pública, melhor gestão desses recursos e mais transparência e controle da sua utilização. Essa é a forma de erradicar esse cenário de longas filas de atendimento, emergências lotadas, falta de leitos, fechamento de unidades e falta de insumos, de medicamentos e de profissionais – e de sobrecarga dos profissionais em atuação. Isso gera exclusão de atendimento, que é uma forma sutil de negação de direitos”.

O que diz a SES-DF

Política Distrital (PD) questionou a SES-DF, sobre as intenções de cumprir a determinação judicial e, se tem a intenção de recorrer da decisão. A Pasta, em nota, se limitou a encaminhar uma resposta padrão, publicada pelo Metrópoles, sobre o mesmo tema.

A SES-DF informou que trabalha para reduzir o tempo de atendimento dos pacientes oncológicos. “A expectativa é de que a fila para radioterapia na rede pública chegue próximo a zero já neste primeiro bimestre de 2018 e que os pacientes tenham acesso à radioterapia no prazo de 60 dias”.

Ainda ao Metrópoles, a SES-DF afirmou que a fila de espera atual é 70% menor que em janeiro de 2017, ocasião em que mil pacientes aguardavam pelo início do tratamento. “Em 2017, a rede pública passou a contar com mais vagas para o tratamento no Hospital Universitário de Brasília (HUB), com a instalação de um segundo acelerador linear e outras 150 vagas no Hospital Sírio Libanês”, informou.

Omissão

Porém, a SES-DF, além de colecionar casos de omissão em relação a atendimento aos pacientes com câncer, tanto na assistência quando ao atendimento a demandas judicializadas, também se tornou, na gestão do secretário Humberto Lucena Pereira da Fonseca, fonte oficiosa, em relação à publicitação de algumas ações por parte daquela pasta.

Um exemplo da omissão da SES-DF pode ser encontrado no caso do um aposentado, Domingos Arruda de Sá, 62 anos, com câncer de medula que teve que recorrer à Justiça, por intermédio da Defensoria Pública do DF (DPDF), para ter acesso a duas doses de Mozobil, com custo estimado em R$ 52 mil, medicamento necessário para a realização de um transplante.

Estranhamente
Para quem acompanha a saúde pública do DF, pode encontrar, facilmente, dados intrigantes, por parte da SES-DF. Ao se comparar, por exemplo, matéria publicada pelo Correio Braziliense (Abril/2016) que abordou o caso da pensionista Maria Henriqueta de Castro, 86 anos, que passou integrar um grupo de 5,8 mil casos diagnosticados pela SES-DF anualmente. Na ocasião, o jornalista, Otávio Augusto apontou um gargalo de cerca de 1,3 mil pessoas de iniciarem os cuidados de radioterapia e quimioterapia.

Dois meses depois (18/Jun/2016), ao anunciar que havia zerado a fila de consultas ambulatoriais, na área de oncologia, a pasta também anunciou que a fila, em fevereiro de 2016, era de aproximadamente 900 casos.

Em 27 de novembro de 2017, durante ocasião de inauguração do novo acelerador linear do Hospital Universitário de Brasília (HUB), o próprio Humberto Fonseca anunciou: “Tínhamos uma fila de espera por tratamento com mil pessoas, atualmente são trezentos e oitenta, um número que consideramos ainda alto, mas, até o final de 2018 deveremos chegar próximos a zero”, estima o secretário de saúde do DF, Humberto Fonseca.

A julgar o depoimento do médico sanitarista Francisco Job, durante a audiência pública realizada pelas defensorias da União e do DF, ao destacar que os problemas do tratamento do câncer no Distrito Federal começam muito antes da radioterapia, com diagnóstico tardio, motivado por falta de aparelhos, condições técnicas e pessoal, faz com que muitos pacientes cheguem à radioterapia já fora da chamada “janela de cura”, período em que o tratamento poderia ser efetivo. “É necessário que o Governo do Distrito Federal e o Ministério da Saúde removam esses obstáculos. Não pode faltar mamografia, cirurgia oncológica, agulha fina para punção de tireoide, porque senão os pacientes não serão curados”.

Ao se observar a posição ao Metrópoles em que a SES-DF informou a redução em 70% na fila de espera, para tratamento, se comparado o mês de janeiro de 2017. Ao se considerar que naquele ano, a Secretaria afirma ter registrado cerca de 900 casos, nas contas da pasta, em janeiro desse ano, o registro gira em aproximadamente 300 casos.

Dado tais informações e percentuais apresentados, ao se considerar o diagnóstico tardio, a falta de medicamentos e a falta de estrutura da SES-DF, a pergunta que não quer calar é: Se cerca de 5,8 mil casos de câncer são diagnosticados anualmente, por que os números de Humberto Fonseca está sempre na casa dos mil casos de câncer, ou melhor, 380?

Com a palavra, o secretário de Saúde. Afinal, conforme indica as defensorias públicas da União e do DF: “Atualmente, o Distrito Federal tem fila de espera para realização do procedimento.”.

Confira a decisão



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