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22 nov 2024 09:54


Empresa que fez doação à campanha de Rollemberg fatura com o Aterro Sanitário

Uma doação oportuna e um contrato que não cheira bem

Por Francisco Dutra

O processo de fechamento do Lixão da Estrutural e abertura do Aterro Sanitário de Brasília não cheiram bem. Na campanha eleitoral de 2014, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) recebeu doação de R$ 700 mil da Construrban Logística Ambiental, empresa participante do consórcio responsável pela operação do novo aterro. A verba foi enviada para o diretório nacional do PSB e aterrissou nas contas eleitorais do então candidato ao Governo do Distrito Federal (GDF).

Em janeiro de 2017, o chefe do Executivo abriu as portas do aterro sem contar com um modelo de coleta seletiva sustentável, fundamental para a sobrevivência dos catadores do antigo Lixão. Resíduos que poderiam ser reciclados passaram a ir para o aterro. A renda dos trabalhadores despencou. O aterro recebe mais material, obviamente ganhando mais dinheiro pelo serviço. Da inauguração da unidade até 5 de junho de 2018, o contrato rendeu cerca de R$ 3,2 milhões à operadora. Justamente a Construrban.

A licitação e o contrato do novo aterro foram selados no governo de Agnelo Queiroz (PT), entre 2010 e 2014. Inicialmente, o valor global da contratação do consórcio formado pelas empresas Construrban, GAE e DBO ficou na casa de R$ 82 milhões, pagos parceladamente por serviços prestados. Contudo, o projeto estava parado por entraves técnicos e jurídicos. A gestão Rollemberg desatou os nós para a abertura da unidade, situada em Samambaia.

A doação feita pela Construrban a Rollemberg está registrada na prestação de contas eleitorais na página eletrônica do Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF). Os recursos foram repassados em duas parcelas. Em 2017, segundo o Sistema Integrado de Gestão Governamental (Siggo), os cofres públicos brasilienses destinaram diretamente à Construrban R$ 1.398.810,61. No cálculo parcial deste ano, a empresa recebeu R$ 1.861.845,94, até 5 de junho.

O fim das atividades do Lixão da Estrutural é uma determinação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e também de uma ação judicial proposta pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Além da construção do novo aterro, o sepultamento do Lixão inclui outras medidas, entre elas a reacomodação social e financeira dos catadores de lixo, a implantação da coleta seletiva e a recuperação ambiental da região da Estrutural.

No começo deste ano, o GDF fechou o Lixão ao trabalho dos catadores. A unidade recebe ainda restos da construção civil.

Sequência de coincidências cria clima

Sem pré-julgamentos, o cientista político Valdir Pucci julga que o contrato do Aterro e o processo de fechamento do Lixão necessitam de esclarecimentos e análise dos órgãos de controle. Especialmente, por parte de Rollemberg, eleito com a promessa da nova política, livre de negociatas e com a radicalização da transparência.

Sem um olhar aprofundado, a doação para a campanha pode passar despercebida, pelo fato de ter sido endereçada inicialmente para o PSB nacional. “Até 2014, quando uma empresa queria doar para um político sem que ninguém soubesse, fazia isso pelo diretório nacional. Para esconder mesmo. Mas uma resolução da Justiça Eleitoral passou a forçar a especificação da destinação”, explicou.

O especialista lembra que Rollemberg se empenhou muito em destravar o processo de abertura do aterro. E, ao lado da liberação da orla do Lago Paranoá, o fechamento do Lixão será uma das plataformas na campanha do governador para a reeleição neste ano. Mas por outro lado, não mostrou o mesmo empenho para a implantação da coleta seletiva.

Na interpretação de Pucci, caso o governo não dê explicações consistentes e coerentes, Rollemberg vestirá a carapuça da velha política.

Excluída mais de metade dos catadores

Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

Mais da metade dos catadores do antigo Lixão não conseguiu oportunidade nos novos galpões de reciclagem, apresentados pelo governo como alternativa para os trabalhadores. Segundo a presidente da Central das Cooperativas, Aline Souza, 2,5 mil catadores trabalhavam no Lixão na véspera do fechamento. Mas, sem receber a quantidade suficiente de resíduos, os galpões mal comportam 1,2 mil.

“Onde estão os outros? As catadoras de mais idade foram excluídas. Algumas puxam carrinhos nas ruas”, lamentou Aline. A presidente da Central não questiona o fechamento do Lixão, mas a forma como o GDF fez a ação. ”Não incluíram os catadores. A gente sempre sobreviveu. Quem perde mais é toda Brasília e o meio ambiente. Está tudo indo para o aterro e vai prejudicar Samambaia”, criticou.

Pelas contas de Aline, a coleta seletiva do GDF é feita por peso. Por isso, o material recolhido é amontoado e perdido. Com isso, em média, 70% vira rejeito e somente 30% vai para os galpões. Por outro lado, quando cooperativas e associações fazem a coleta indo por rotas e com cuidado conseguem salvar 70% do material para a reciclagem.

Para complementar a renda, os catadores começaram um movimento para fechar contratos diretamente com condomínios e empresas. Enquanto isso, a fila por emprego nos galpões é sofrida.

A presidente da Cooperativa de Reciclagem Ambiental da Cidade Estrutural e da Associações de Reciclagem Ambiental Vencendo os Obstáculos, Lúcia Fernandes, trabalha com 98 cooperados, mas outros 82 esperam uma oportunidade. Em um mês menos ruim a cooperativa recicla 60 toneladas, mas com a coleta seletiva real, trabalhariam 360 toneladas.

“A Política Nacional de Resíduos Sólidos diz que o governo deveria incluir os catadores, trazer a coleta para todo DF, fechar o Lixão e no fim inaugurar o novo aterro. Colocaram a carroça na frente dos burros”, argumentou.

Drama semelhante vive a presidente da cooperativa Construir, Zilda Fernandes. Teoricamente, o galpão onde trabalham deveria vender 200 toneladas recicladas por mês, mas sobrevive apenas com 50 toneladas. Por isso, o grupo emprega 80 pessoas. Com a coleta real poderia dar chance para mais 65.

“Estamos ficando cansados. É muita falta de respeito do governo. Para você ver, o governo dava para a gente duas bolsas para complementar a nossa renda. Dava R$ 660. Mas suspendeu um auxílio de R$ 300”, lamentou. Além da redução do apoio, Zilda também critica a ausência de prensas nos galpões do governo. O lixo prensado vale mais e ocupa menos espaço.

Buriti e empresa garantem que não há qualquer irregularidade

Governo e Construrban negam qualquer irregularidade no contrato do Aterro Sanitário de Brasília. “Todas as doações recebidas pelo governador Rodrigo Rollemberg foram legais e obedeceram às regras determinadas pela Justiça Eleitoral. A doação de R$ 700 mil citada foi realizada por meio da executiva nacional do PSB. Ou seja, a empresa fez a doação ao partido e não ao candidato”, argumentou o Palácio do Buriti, em nota.

Segundo a gestão Rollemberg, a licitação foi em 2014, no governo passado. Por isso, diz a versão governista, não há vinculo entre a doação e a detenção do contrato, atualmente em execução. O Executivo ressaltou que o contrato cobre implantação, operação e manutenção do novo aterro.

Pelas contas do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), o valor atualizado dos pagamentos para a Construrban é de R$ 3.569.667,54. O aterro teria começado as atividades trabalhando com um terço do lixo produzido pelo DF. Agora, opera com a totalidade dos resíduos gerados, perto de 2.500 toneladas, diariamente. Por isso, houve o aumento de repasses.

“O SLU esclarece que o aumento da carga de lixo no aterro sanitário não significa fracasso da política de coleta seletiva, que foi ampliada nos últimos anos. Atualmente, 25 regiões administrativas contam com o serviço, realizado pela empresa Valor Ambiental ou por cooperativas”, completa a nota.

Na nota, o governo declara que trata com prioridade a inclusão dos catadores, proporcionando instalações e equipamentos adequados. Pelas estimativas do GDF, as cooperativas recebem 100 toneladas diárias de coleta seletiva. O Executivo também trabalha na licitação de novos contratos de limpeza urbana para ampliar a coleta.

“A Bolsa Agentes de Cidadania Ambiental, no valor de R$ 300, foi concedida durante doze meses, entre janeiro e dezembro de 2017, em caráter transitório, para apoiar os catadores no período de fechamento do lixão e adaptação ao trabalho nos galpões. A Bolsa Compensação Financeira, de R$ 360,75, continua sendo paga. Vale ressaltar que, além da bolsa, as cooperativas recebem até R$ 350 por tonelada triada, além do produto da venda do material”, ponderou o GDF.

A apuração desta reportagem começou em março deste ano. Na época, a Construrban respondeu aos questionamentos do Jornal de Brasília por nota. Antes do fechamento desta matéria, o JBr procurou a empresa mais uma vez, para saber se haveria mudança de posicionamento. Não houve nova resposta. As alegações da Construrban, a seguir, estão em nota enviada pela empresa em 13 de março.

A Construrban também destacou que a licitação e o contrato atual foram feitos no governo passado. “A licitação foi pelo critério de menor preço e nosso consórcio do qual temos apenas 30% foi o vencedor. Essa licitação foi questionada e julgada regular pelo Tribunal de Contas e pelo Tribunal de Justiça. A gestão do contrato é do Consórcio. Fizemos as obras todas com recursos próprios. Somente em 2018 começamos a receber a totalidade dos resíduos”, afirmou a empresa.

Questionada se teria outros contratos com o atual governo, a Construrban afiançou que não tem outra contratação com o GDF.

Saiba mais

– Na edição de 14 de junho de 2018, o Jornal de Brasília publicou a matéria “Segurança foi embora junto com a desativação do Lixão”. Sem emprego, moradores da Estrutural aderiram ao mundo do crime. Roubos a coletivos aumentaram 355%, a comércios 57% e a pedestres, 53%.

– O crescimento das remessas de lixo que poderia ser reciclado pelos catadores para o novo aterro foi noticiado na reportagem “Aterro só dá certo com consciência”, publicada pelo JBr em 11 de junho deste ano.

– Hoje no DF apenas 3% do lixo é reciclado. A conta do Instituto Lixo Zero foi noticiada pelo JBr na matéria “Lixo zero: um objetivo possível”, em 6 de junho deste ano.

Fonte: Jornal de Brasília

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