Na mais nova investida, emenda constitucional obriga a União a repassar parte do orçamento da saúde para emendas dos parlamentares
Por Leonardo Farias
O Sistema Único de Saúde (SUS) vem passando por seu pior momento. A atual conjuntura não lhe tem sido favorável, uma vez que a conformação do Congresso Nacional se demonstra favorável à iniciativa privada. Grande parte dos parlamentares foram financiados durante as eleições por empresas privadas de saúde, e liderados pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, declararam guerra ao SUS como forma de pagamento do investimento feito por parte das empresas em suas candidaturas.
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 358/13, pela Câmara dos Deputados, que institui o chamado Orçamento Impositivo, muda o financiamento da saúde, por parte da União, diminuindo o percentual mínimo da receita corrente líquida de aproximadamente 14,6% para 13,2%, e com isso o orçamento da saúde perde entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões, esse ano. A PEC também prevê o pagamento de emendas, obrigando a União a repassar cerca de 1,2% do orçamento destinado a saúde para às emendas parlamentares individuais de cada deputado. Tais recursos que serão retirados do SUS deverão ser aplicados em saúde, porém não haverá garantia desse cumprimento, uma vez que o Ministério da Saúde não fará controle.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), uma autarquia federal que em tese deveria regular e fiscalizar a atividade dos planos de saúde, desde a sua criação durante o governo FHC no ano 2000, ao analisarmos a composição de sua diretoria é notável quais os interesses que são defendidos. A ANS assim como outras agências reguladoras está sujeita ao fenômeno da captura, funcionando como verdadeiros latifúndios, uma vez que após as eleições são loteadas e entregues aos grandes empresários financiadores das campanhas eleitorais, para que indiquem os ocupantes aos cargos de diretores das agências.
Um belo exemplo é a empresa Qualicorp. A ANS criou as Resoluções Normativas Nº 195 e 196 que tratam da questão dos planos coletivos por adesão e deixa claro que a venda desses planos deve ser intermediada pelas ditas “administradoras de benefícios”. Isso culminou no crescimento vertiginoso da Qualicorp. Segundo informações a empresa obteve lucro de R$ 44,7 milhões só no primeiro trimestre de 2015, apresentando um avanço de 69% em relação a 2014. Segundo relatório da empresa, 94% do seu lucro se dá pelos planos coletivos por adesão. Lembrando que o atual presidente da empresa, Maurício Ceschin, anteriormente havia sido presidente da ANS.
Segundo dados da própria agência, os planos de saúde registraram em 2013 o lucro de 111 bilhões de reais. Nas eleições de 2014, as empresas Amil, Bradesco Saúde, Qualicorp e grupo Unimed saúde doaram juntas, em torno de 52 milhões, contribuindo para a candidatura de 131 parlamentares, um deles o Cunha. Segundo informações, o Presidente da Câmara contou com a contribuição de membros da ANS para a formulação da Medida Provisória (MP) 627 que anistiava a dívida dos planos de saúde ao SUS em 2 bilhões de reais, e atualmente faz pressão para a indicação de José Carlos de Souza Abrahão para o cargo de Diretor-Presidente da agência.
Abrahão presidiu a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS), entidade sindical que representa estabelecimentos de serviços de saúde no País, entre os quais as operadoras de planos de saúde, e já se manifestou publicamente contra o ressarcimento ao SUS por parte das operadoras, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 2010. Em maio deste ano (2015) o atual ministro da saúde, Arthur Chioro, anunciou que a ANS deve cobrar cerca de R$ 1,4 bilhão em ressarcimentos de planos de saúde.
O setor que vem sofrendo duros golpes é o da saúde, mais precisamente o SUS. Eduardo Cunha foi relator da Medida Provisória (MP) 627 que anistiava a dívida dos planos de saúde ao SUS em 2 bilhões de reais; votou a favor da MP 656 que permitiu a entrada de capital estrangeiro na assistência a saúde; é autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 451 que insere planos de saúde como direitos dos trabalhadores; vetou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigaria os planos de saúde. Cunha ao favorecer os empresários da saúde, declarou guerra ao SUS.
Uma maneira de barrar essa questão seria o fim do financiamento empresarial de campanha. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 4.650, que proíbe que empresas financiem partidos políticos e campanhas eleitorais, porém o ministro Gilmar Mendes, há um ano, pediu vista do processo. O curioso é que a maioria dos ministros do STF (seis votos a favor e um contrário) já tinha decidido que as empresas não podem doar, pois tal atitude fere cláusulas pétreas da Constituição. Enquanto isso, em paralelo, Eduardo Cunha colocará em votação a PEC 352 que trata da reforma política e regulamentará o financiamento empresarial de campanha. A pergunta que fica: Estariam esses dois senhores agindo em conluio?
Fonte: Carta Capital