Por Dr. Gutemberg
Na última semana, o Sindicato dos Médicos do Distrito Federal teve a ingrata obrigação de fazer registro de ocorrência policial por ameaças e incentivo à violência contra profissionais da rede pública de saúde. Insatisfeito com o atendimento (limitado pela falta de pessoal, de medicamentos, materiais e equipamentos), um paciente postava mensagens nas redes sociais como, por exemplo: “tem maluco armado invadindo escolas… Agora é a vez de invadir unidades de saúde e matar médicos e enfermeiros e técnicos de enfermagem…”
Dias antes, com um intervalo de 72 horas, a polícia teve de intervir duas vezes na emergência pediátrica do Hospital Regional de Santa Maria, onde pais revoltados com a demora no atendimento (compreensivelmente) perderam o autocontrole. Outros casos estão registrados pela imprensa – revolta, violência, depredação e ameaças nos hospitais de Taguatinga, de Ceilândia, de Brazlândia, de Planaltina, no Materno Infantil, no Hospital de Base e outros tantos Brasil a dentro.
Como os usuários, servidores públicos da Saúde vivem no limiar da desesperança e do desespero. Por isso, adoecem, pedem exoneração ou, vendo as condições de trabalho, simplesmente desistem de assumir funções no serviço público. Em abril de 2014, tínhamos 5.546 médicos ativos na rede pública de saúde (dados do Portal de Transparência do GDF). Desde então, até fevereiro deste ano, foram nomeados 3.764 médicos. Mas chegamos a fevereiro de 2019 com 5.199 profissionais da medicina em atividade na rede pública de saúde.
A rotina de falta de condições, medicamentos, materiais, leitos e equipamentos para prestar assistência digna aos pacientes; o discurso e os desmandos de governantes e gestores que têm imputado ao servidor público a culpa pelo caos e pelo desmantelamento do SUS; e a insegurança provocada pelas explosões de fúria dos usuários levaram mais de 3.600 médicos a pedir exoneração ou a não assumir cargos para os quais foram aprovados em concursos públicos. Outros 400 se aposentaram.
No aspecto da insegurança, a realidade do DF não difere muito do que ocorre no resto do país. Um estudo feito pelos conselhos paulistas de Enfermagem (Coren-SP) e de Medicina (Cremesp), em 2017, mostrou que 59,7% dos médicos e 54,7% dos profissionais de enfermagem sofreram, por mais de uma vez, situações de violência no trabalho – em especial no serviço público de saúde. Sete em cada 10 profissionais da saúde já sofreram alguma agressão cometida por paciente ou pela família dele.
Juntam-se a essa situação assaltos, roubos e até troca de tiros dentro e nas imediações das unidades de saúde e temos uma escalada de violência assustadora. Como disse o próprio autor das postagens que denunciamos à polícia, vivemos tempos em que “tem maluco armado invadindo escolas” e matando crianças. Por isso, não dá para calar quando um usuário da saúde pública vai para as redes sociais dizer à população que mate médicos, enfermeiros, técnicos e assistentes de enfermagem. Não vamos permitir que aconteça em nossos hospitais o que ocorreu naquela escola em Suzano – em lugar nenhum e nunca mais!
Estamos limitados na missão de lutar pela vida e saúde de nossos pacientes pelas condições e meios que nos são disponibilizados para prestar assistência – e isso depende dos gestores da saúde e dos governantes. A falta dessas condições e meios é uma agressão à dignidade e humanidade dos profissionais de saúde da mesma forma que fere de morte os direitos de cidadania e humanos de nossos pacientes, com quem seguimos de mãos dadas, apesar de tudo o que se coloca como obstáculo entre nós.
Dr. Gutemberg é presidente do Sindicato dos Médicos do DF