Evento contou com presença de representantes das categorias de Enfermeiros e de Médicos
Por Kleber Karpov
Na manhã desta quinta-feira (13), a Câmara Legislativa do DF (CLDF), realizou audiência pública para debater os impactos da norma que regulamenta os enfermeiros à prescrição de medicamentos. Requerida pelo deputado distrital, Jorge Vianna (Podemos), o parlamentar falou da importância das discussões para pacificar conflitos gerados entre a classe médica e a categoria da enfermagem, relativo a Portaria nº 33/2020, editada pela Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF), que concedeu segurança jurídica à enfermagem para prescrever remédios e solicitar exames.
Vianna foi autor do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 90/2020, aprovado pela CLDF, na terça-feira (11). A aprovação do PDL, tornou sem efeito a Portaria nº 67/2020, que suspendeu autorização de prescrição de medicamentos e solicitação de exames, por enfermeiros, com edição da Portaria nº 33/2020. Essa última, segundo o deputado, embora com equívocos, foi responsável por dar segurança jurídica à categoria uma vez que tal prática faz parte do dia-dia, em unidades de saúde, sobretudo na Atenção Primária à Saúde (APS).
Entre representantes de outras entidades ligadas a saúde, que participara da audiência pública, compuseram a mesa, os presidentes dos conselhos Regionais de Medicina do DF (CRM-DF), Farid Builtrago Sanches, de Enfermagem do DF (Coren-DF), Marcos Wesley, o Tesoureiro do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Gilney Guerra de Medeiros, o diretor da escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), Ubirajara Picanço, chefe da assessoria de Relações Institucionais da SES-DF, Wanderlei Pereira Nunes, a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF (SindEnfermeiro-DF), Dayse Amarílio e o representante do Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico-DF), Antônio José Francisco Pedro Santos.
Importância do diálogo
Vianna observou a importância de se estabelecer o diálogo, entre os entes ligados à Saúde, como forma de democratizar e dinamizar iniciativas que atinjam servidores e, sobretudo, os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso ao se referir a possibilidade de a SES-DF ter dialogado com o Conselho de Saúde do DF (CSDF), o CRM e o Coren, além de representantes de entidades ligadas a saúde pública do DF, que teriam evitado conflitos, com a publicação da Portaria 33/2020.
“Nós paramos no tempo por causa de uma portaria que pegou todos de surpresa. Nós sabíamos desse trabalho, na intenção de ampliar o serviço do enfermeiro, pois isso não foi feito agora, está sendo feito na Secretaria de Saúde há alguns anos, mas pegou a todos de surpresa. Se tivessem conversado com o gente, teríamos feito alguma coisa para que não tivesse um impacto tão danoso às categorias.”, disse Vianna.
Prerrogativas profissionais
Sanches, que preside o CRM-DF, defendeu que as categorias médicas e de enfermagem são complementares e que, ambas, reagiram à Portaria nº 33/2020, suspensa posteriormente pela SES-DF, por meio da Portaria nº 67/2020, após reconhecer a redação equivocada por parte da Secretaria de Saúde. Para o presidente do conselho médico, com a derrubada dessa última, por força do PDL nº 90/2020, pela CLDF, os entes, ligados à Saúde, têm a responsabilidade de apontar um texto, que corrijam os equívocos da portaria vigente no momento.
O presidente do CRM-DF, observou que no país, não existe protocolos para que o enfermeiro possa atuar nos níveis secundário, terciário ou quaternário. Porém, Sanches ponderou que na atenção primária, os enfermeiros contam com tal prerrogativa, na Atenção Básica. “Defenderemos nossas as prerrogativas que estão descritas na Lei e defenderemos as que estão descritas na lei dos enfermeiros. Não podemos ter embates, temos que ser complementares.”, disse Sanches.
Vianna, no entanto, ponderou sobre casos de pacientes, em situação de atendimento na atenção básica de saúde, mas que recorrem a emergências. “A pergunta é, se esse paciente é classificado [como atendimento a ser resolvido pela atenção básica], ele será tratado apenas em locais de acordo com a sua complexidade da doença? Se nós aceitamos, o sistema de saúde, que o enfermeiro prescreva na atenção básica, se esse paciente for para o pronto socorro, na emergência, o enfermeiro não pode atuar lá, mas o paciente é da atenção básica, que vai a emergência, por vários motivos. O enfermeiro não vai poder prescrever lá? Essa é a grande pergunta.”, disse Vianna.
O deputado exemplificou os casos de dengue, com casos crescentes no DF. “Ano passado os enfermeiros fizeram atendimento da dengue. Prescreveram e solicitaram exames, pois não tínhamos médicos o suficiente.”, ponderou Vianna ao lembrar que tais atendimentos infringiram a legislação por falta de respaldo aos enfermeiros.
O representante do Cofen, também se posicionou na condição de atuar em complementação à atividade médica. Porém, para Gilney Guerra, a ideia de limitação da atuação dos enfermeiros, apenas na atenção primária é equivocada. “O prescritor pleno é o médico, está na lei. E nós enfermeiros, somos condicionados, mas somos prescritores, está na lei de 1986. Mas qual é a condição da lei, protocolos de saúde pública ou a rotinas aprovados por instituições de saúde. A lei não limita a primária, secundária ou terciária.”.
Gilney resgatou ainda uma decisão judicial em que um juiz considerou “relevantíssima” a atuação de enfermeiros, responsáveis requisitar, em maio de 2017 ao quantificar 61.823 testes rápidos de sífilis. Ou ainda em outras demandas, por realizar, em cinco meses, um total de 15.665.235 procedimentos, na equipe Saúde da Família. O que considerou que “os enfermeiros realizaram um importante papel no acesso da população ao serviço de saúde e cuidados na atenção básica”, ao se referir a uma limitar impetrada pelo CRM.
Para o presidente do Coren-DF, por meio das competências legais dos enfermeiros, os profissionais podem “fazer fazer a diferença, entre a vida e a morte”. Marcos Wesley observou ainda que a categoria não tem pretensão de competir com a carreira médica, mas que “dentro dos protocolos, o enfermeiro tem competência técnica, científica e legal para executor os seus procedimentos”.
Para Picanço, que representou o secretário de saúde, o excesso de demandas por parte da rede pública de saúde do DF, que absorve parte dos atendimentos do estado vizinho, torna “o cobertor curto”, mesmo com o orçamento de cerca de R$ 8 bilhões. O assessor de relações institucionais observou que a publicação da portaria que deu autorização aos enfermeiros para prescrever medicamentos, não teve por objetivo empoderar a categoria, a exemplo do que ocorre em outros países. Porém, sem a necessidade de haver confronto entre as categorias de profissionais de saúde, uma vez que “as atividades se complementam”.
Para Santos, diretor do SindMédico-DF, regulamentação da profissão dos enfermeiros, em diversos países e no Brasil, tem amplo reconhecimento e a categoria de enfermagem demonstram a capacidade profissional em diversos serviços ofertados à população do DF, desde que iniciou a carreira médica, ainda na década de 70.
Discussão técnica
Na ocasião da fala de Picanço, Vianna criticou a falta de envio de representante da SES-DF, para a audiência pública, para realizar a discussão técnica. “Me admira não estar presente a diretoria de enfermagem. Temos um secretário de saúde, dois adjuntos, e vários subsecretários e superintendentes, diretores, comissionais e vários tudo. Mas essa discussão aqui é técnica e deveria ter alguém técnico aqui.”, disse Vianna.
Competência da enfermagem
Santos questionou, no entanto, as intenções por parte da SES-DF, ao publicar tal portaria, dado a falta de médicos na rede pública de saúde, uma vez que tais profissionais passaram a evitar se tornar servidor público. Para contextualizar tal posição, o representante do SindMédico-DF, lembrou o caso da implantação, no DF, do programa Saúde da Família, inicialmente com 350 equipes com médicos.
“O secretário de saúde exigiu dedicação exclusiva e pagou o dobro que pagava aos outros médicos. Os colegas, médicos que trabalhavam nos centros de saúde boicotaram o programa. Para onde caiu esse programa? Para cima dos enfermeiros, que faziam o que podia, o que não devia e as vezes o que não podia, para tentar salvar.”, disse Santos.
Para o médico, tal iniciativa acabou por “implodir” o programa dado o congestionamento de “pedidos de exames e incapacidade de solucionar alguns diagnósticos surgidos”, ponderou ao alertar a impossibilidade de se estabelecer protocolos sem ampla participação dos entes envolvidos. O médico conclamou que todos se unissem para atuarem juntos “sempre um reconhecendo o valor do outro”, concluiu.
Anos de atraso
Para a enfermeira, advogada e docente da ESCS, Simone Fidelis, o país está atrasado no que tange a prescrição por parte dos enfermeiros. A profissional de saúde relatou duas experiências, uma em Portugal, em 2018, em que foi atendida por uma enfermeira, na Classificação de Risco, após uma luxação no pé. A profissional era responsável por solicitar exame de imagens, no caso, de Raio X.
Uma segunda experiência relatada por Simone Fidelis, se deu em 2003, durante um intercâmbio em Canadá. A profissional de saúde relatou que a filha da proprietária da home stay – hospedagem domiciliar –, era enfermeira forense, responsável por coletar materiais de vítimas de violência para encaminhar ao judiciário canadense.
“Se minha primeira experiência foi em 2003 e estamos em 2020, estamos um pouquinho atrasados, mas acho que estamos na direção correta.”, disse ao observar que a legislação atual ampara os enfermeiros a prescreverem medicamentos, além da necessidade de os profissionais de saúde terem que focar os usuários da saúde pública.
Reedição da Portaria nº 33/2020
Ao final da audiência pública, Vianna apontou que foi consenso geral que a a Portaria nº 33/2020, é equivocada e precisa ser reeditada, porém, a várias mãos, a ser elaborada por representantes, da SES-DF das diversas categorias, de modo a contemplar a todos.
Confira a audiência na íntegra
Fonte: Jorge Vianna