Por Kleber Karpov
Ao assumir a Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF) o novo secretário de saúde, Fábio Gondim, em entrevista ao telejornal Bom Dia DF, da Rede Globo (27/Jul), trouxe a tona o estoque, o suposto estoque para 50 anos, de equipamentos de Órtesses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs). Isso para justificar que poderia vender, leiloar ou doar para estados necessitados, os materiais sobressalentes.
As OPMEs envolvem uma compra no valor de R$ 11.198 milhões e foi objeto de uma série de cinco reportagens do DFTV da Rede Globo. Isso porque após a entrega dos produtos a SES-DF cancelou 90% do valor empenhado.
O processo da OPME, decorrente da Ata de Realização do Pregão Eletrônico nº 00010/2014 (SPR), em que a Veton Eletromedicina Eireli – EPP, empresa fornecedora dos equipamentos, ganhou a licitação, entregou os materiais integralmente e briga na Justiça para receber pelos produtos vendidos. Isso, por suposto erro da SES-DF que envolve o ex-secretário de Saúde, João Batista de Sousa, e alguns dos gestores que ainda atuam na SES-DF, está sob investigação das Polícias Civil e Federal.
Em meio a trama da OPME da SES-DF o novo secretário de Saúde, Fábio Gondim, aparenta desconhecer a realidade por trás da aquisição de OPME ou, eventualmente, tenta proteger gestores na SES-DF ao vir a público e sugerir a doação, venda ou leilão os estoques, supostamente, sobressalentes.
Mentira, falta de informação, proteção?
Durante a realização do Conselho Geral da Saúde do DF (06/Ago), na Câmara Legislativa do DF (CLDF), organizado pelo deputado distrital, Joe Valle (PDT), Gondim afirmou sobre as OPMEs: “Teve um problema com aquisição de órteses e prótese num volume que era significativamente maior que o necessário, isso saiu na imprensa e isso não era segredo para ninguém, mas o que talvez muitas pessoas não sabiam é, em que circunstâncias isso aconteceu. Não havia contrato, não havia empenho. A empresa veio e despejou as órteses e próteses.”.
A afirmação foi dirigida ao diretor da Secretaria de Fiscalização de Saúde do TCU, Messias Alves Trindade, a procuradora-geral do MPCDF, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, o secretário de Auditoria do TCDF, Agnaldo Moreira Marques, o defensor público-geral do DF, Ricardo Batista, o controlador-geral do DF, Djacyr de Arruda Filho, ao presidente do Conselho de Saúde do DF, Helvécio Ferreira da Silva, que compuseram a mesa presidida por Joe Valle.
Na mesma ocasião durante uma entrevista coletiva, Política Distrital questionou se Gondim teve acesso ao processo de órtese e prótese. Segundo o Secretário: “Há a compreensão da Secretaria de que foram entregues mais produtos do que era necessário no prazo de validade desses insumos e que nós questionamos formalmente a Procuradoria [Procuradoria Geral do DF] se é possível cancelar essa Nota de Empenho (NE) e devolver todos os produtos recebidos.”, afirmou ao contradizer a exposição proferida minutos antes aos auditores, controladores e fiscalizadores do DF no Plenário da CLDF.
Ninho de mafagafo
Mesmo para quem acompanhou a série de reportagens sobre as OPMEs, compreender a história como um todo é algo confuso e cheio de ‘panos quentes’, isso porque a atual gestão do governador, Rodrigo Rollemberg (PSB), tenta atribuir à gestão anterior a responsabilidade por um gasto milionário, ‘em tese’, desnecessário.
Outro ponto importante que causa confusão é que a compra e recebimento desses equipamentos por parte da SES-DF e a possibilidade de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde do DF se confundem com outro problema vinculado a OPMEs, a CPI da Máfia das Próteses em tramitação no Congresso Nacional.
CPI da Máfia das Próteses X Aquisição de OPME da SES-DF
A CPI da “Máfia das Próteses” da Câmara dos Deputados (CD) investiga atos de corrupção por parte de médicos, hospitais e empresas fornecedoras de OPMEs que acontece em todo o país e passa pelo circuito do Distrito Federal. Em paralelo, na CLDF há cerca de três meses, parlamentares da CLDF ameaçam emplacar a CPI da Saúde do DF, até então para analisar a pasta da Saúde na gestão do ex-governador, Agnelo Queiroz.
No DF, durante uma sessão na Câmara Legislativa, antes do recesso parlamentar, o deputado distrital, Rodrigo Delmasso (PTN), informou que havia solicitado e recebido um relatório da Câmara dos deputados sobre a CPI da “Máfia das Próteses” que deve compor e servir de objeto de investigação da CPI da Saúde do DF a ser instaurada pela CLDF.
Mas a série de reportagens sobre a aquisição de órteses e próteses e o desgaste dos distritais com o governo, após o episódio de gravações de conversas dos deputados na sala do Governador, foram determinantes para se incluir a gestão de Rollemberg que passou a figurar no escopo da CPI da Saúde do DF. As assinaturas necessárias para instaurar o processo de investigações foram recolhidas e a relação entre o Executivo e o Legislativo nos próximos dias pode servir de termômetro para a oficialização ou não dessa Comissão.
O estoque para 50 anos
A SES-DF recorreu à mídia, em reportagem do DFTV, da emissora Globo (22/Mai), para demonstrar a falta de controle sobre os estoques, ocasião em que convocou militares do Corpo de Bombeiros para fazer a contagem do estoque e abrir as portas do almoxarifado.
Com isso a Secretaria veio a público para expor o suposto estoque das OPME, sob alegação da existência de alguns materiais para atender demanda para 50 anos além de alegar a existência de produtos próximos de vencerem. Em outra matéria, na segunda (25/Mai), o presidente do Tribunal de Contas do DF (TCDF), Renato Rainha, se manifestou e ficou de fazer auditoria para apurar a questão das aquisições realizadas pela SES-DF. O atual coordenador de ortopedia da SES-DF, Paulo Lobo em entrevista à Radio OK FM (23/Mai) foi categórico em relação ao estoque de OPME: “Esse negócio de 50 anos é força de expressão.”, afirmou.
A informação do estoque para 50 anos também foi contradita pelo deputado distrital, Chico Vigilante (PT) (27/Mai) em ocasião que demonstrou que a Nota de Empenho 2015NE00454 foi emitida (23/Jan), sob a gestão do ex-secretário de Saúde, João Batista de Sousa, no valor de R$ 11.198 milhões.
O subsecretário de Atenção à Saúde (SAS), José Tadeu dos Santos Palmieri, acabou por admitir a emissão da NE sob a gestão de Sousa. Mais que isso, na reportagem em 28 de Maio a SES-DF também admitiu que “por descontrole” que o pedido da OPME foi realizado todo de uma vez, o que deixou patente a responsabilidade da atual gestão em relação à efetivação do pedido. Vale observar que o processo da OPME teve início 2013, mas atrasou, pois houve questionamento jurídico e somente após intervenção do TCDF que, ao final de 2014, foi ratificado a vitória da Veton no processo licitatório.
Exigência de entrega total da OPMEA
Empresa chegou a solicitar à SES-DF adiamento no prazo de entrega da OPME por 60 dias, no entanto a SES-DF se recusou a aceitar a pedido e notificou a Empresa (3/Mar) e estabeleceu prazo de até 5 dias corridos para que a OPME fosse entregue. A Secretaria ‘lembrou’ ainda que a Veton estava sujeita a multa e suspensão: “Ressaltamos que o atraso na entrega de medicamentos é crime contra a saúde pública, visto que são primordiais à manutenção da vida dos seres humanos, principalmente àqueles com a saúde debilitada.”
Demanda de quase 5000 cirurgias
Na quarta reportagem do DFTV (28/Mai) o ex-secretário de Saúde, Rafael Barbosa, veio a público e afirmou que a SES-DF tem demanda de cirurgias e que, se distribuído aos hospitais, os materiais de OPME não seriam suficientes para atender a rede.
A informação foi confirmada pela SES-DF, de acordo com a quinta-reportagem do DFTV sobre a OPME. Na ocasião a Secretaria afirmou à Rede Globo haver uma lista de espera de 250 por operações de urgência e 4.700 esperando por cirurgias eletivas.
Palmieri sugere redimensionamento de demanda
Após o recebimento das OPME, Palmieri assinou um documento que ratificava a necessidade da OPME (12/Mar): “existem um desabastecimento da maioria destes produtos, que apesar de não serem utilizados para urgências e emergências, atendem a uma demanda reprimida de Cirurgias Eletivas de Joelho e Ombro.”, consta em uma carta destinada ao então subsecretario de Administração Geral (SUAG), José Menezes.
No entanto Palmieri fez a ressalva um redimensionamento das quantidades empenhadas. No documento o SAS faz a ressalva: “Porém, após análise do processo em tela, entendemos que o quantitativo solicitado não está fundamentado no consumo real desta SES-DF, desta forma, solicitamos verificar a possibilidade de cancelamento total do empenho e a emissão de novo, com reprogramação das quantidades realmente necessárias e compatíveis com o orçamento desta SES/DF, excetuando-se os itens que já foram entregues até a presente data, conforme Nota Fiscal anexa.”.
Mudança de prioridades
A recomendação de redimensionamento foi endossada (29/Abr) por um colegiado coordenado Paulo Lobo e os ortopedistas chefes dos oito hospitais do DF que realizam cirurgias ortopédicas dos quantitativos recebidos pela SES-DF. O motivo, a falta de estrutura da Secretaria:
“Por unanimidade todos os chefes afirmam que não foram consultados a respeito da compra objeto da Nota de Empenho nº 2015NE00454 e reafirmam que é muito expressiva a quantidade dos materiais ali listados e que esta percentagem foi revista, pois apesar da SES ter uma grande demanda de pacientes que poderiam utilizar desses materiais, a situação atual da Secretaria de Saúde, com as enfermarias abarrotadas de pacientes com fraturas, déficit na carga horária das salas de operações, déficit no quadro de anestesistas e a (SIC) déficit de equipamentos e instrumentais para uso dos referidos materiais impedem que esses tipos de pacientes, estritamente candidatos a cirurgias eletivas, sejam operados com uso deste material em sua totalidade, podendo acarretar vencimento no prazo de validade por ficarem estocados.”
Cancelamento do Empenho? Ouve?
Consta no processo da OPME uma carta, assinada por Palmieri, destinada à Veton, em que a SES-DF, supostamente, comunica haver incompatibilidade entre o quantitativo consignado com o consumo real da Secretaria. O referido documento concedeu o prazo de “de um dia corrido” à Empresa para que manifestasse em relação à notificação para “… acordar com esta firma [Veton] o cancelamento parcial da citada AFM com a consequente anulação do saldo restante da citada Nota de Empenho nº 2015NE00454.”. Chama atenção que a referida carta, não é datada.
Consta ainda outro documento emitido pelo SUAG, à época, José Menezes Neto, ratificando o cancelamento parcial da Nota de Empenho no valor de R$ 10.221 milhões, de um total empenhado de R$ 11.198 milhões. Nesse caso manteve-se do empenho original, apenas R$ 976.872 mil.
Irregularidades de Menezes
Indicado por Ivan Castelli, uma espécie de consultor informal de Rollemberg na SES-DF, Menezes assumiu a SUAG, de forma irregular, em 21 de janeiro, embora a publicação no Diário Oficial do DF (DODF) só tenha ocorrido em dia 29 daquele mês, em substituição a Vanusa Hermeto. Nesse interim o ex-secretário, João Batista, solicitou a cessão de Menezes à Embratur, órgão de origem, seguido do Governador, em 30 de Janeiro.
Denúncias contra Menezes demonstravam a tentativa de se articular para que em uma ‘dança de cadeiras’ assumisse o Fundo de Saúde do DF (FSDF). Menezes chegou a, supostamente, recorrer a Castelli por meio de e-mail, manifestar seu “desejo” de retornar ao Fundo de Saúde do DF ao “poderoso padrinho” político.
No referido e-mail, Menezes deixa claro sua intenção e grande interesse em retornar ao Fundo de Saúde do DF e informa a realização de uma reunião com o ex-Secretário, João Batista, da chefe de gabinete, Mônica Iassanâ Reis, considerada apadrinhada de Castelli, onde a “estratégia” a ser adotada na “dança das cadeiras” do DF, mais precisamente na SES/DF, seria sua curta permanência na SUAG com posterior nomeação e posse no Fundo de Saúde do DF. No entanto, tal “projeto político” havia encontrado sérios obstáculos na intransigência da Dra. Cristiane que alegou na oportunidade a existência de “graves problemas” de condução do referido Fundo sob a gestão de Menezes.
Cristiane se referia a irregularidades na aquisição de ambulâncias quando o mesmo era Diretor do Fundo Nacional de Saúde (FNS) no período compreendido entre 2005 e 2007, no episódio nos relatórios Policiais como a “Máfia das Sanguessugas”, em que chegou a ser multado em 2011 pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF).
Talvez isso explique o motive de a carta de cancelamento da nota de empenho emitida por Meneses também não ser datada e, principalmente, por ter, o ex-secretário, João Batista, assinado a Nota de Empenho de Cancelamento. Vale observar que Menezes, por força de investigação da Polícia Civil Menezes pediu exoneração da SES-DF (17/Mar).
Veton contesta cancelamento da SES-DF
O dilema da OPME acabou se transformando em conflito jurídico pois a Veton contestou a SES-DF, uma vez que alega ter entregado todo o pedido da Nota de Empenho e por também não ser culpada pelo reenquadramento dos quantitativos necessários à Secretaria. A Empresa afirmou ainda na contestação, não ter recebido a notificação de cancelamento de empenho.
Tal posição pode ser constatada em uma carta dirigida ao atual SUAG, Marcelo Nóbrega (11/Mai), em que menciona: “Ocorre, que somente, após, a entrega total do material empenhado, é que houve a motivação administrativa pelo cancelamento parcial do objeto da Nota de Empenho 454/2015. Note-se, ainda que sequer a empresa, ora requerente, foi informada da anulação parcial da AFM nº 5-15/000248. Como cediço, da perfunctória emissão da nota de empenho fica presumida a prestação do serviço, vez que esta comprova que há um serviço ou fornecimento de bens a ser executado pelo seu cliente junto ao órgão público. Com efeito, não há como, após, de emitida a Nota de Empenho, emitida a AFM (Autorização de Fornecimento de Material) e entregue o material licitado, ser cancelada a Nota de Empenho.”
Em outro trecho a Veton continua: “A SES-DF licitou e recebeu os produtos da empresa consagrada vencedora. De outra banda, a empresa Veton, não pode e não deve receber as penas pela suposta ausência de demanda Cirúrgica, ou mesmo, pela ingerência do agente público que licitou quantitativo superior, ou mesmo, deu causa a diminuição da demanda, diga-se de passagem, prestada à coletividade.
Neste ponto, há que se fazer uma ressalva, posto que a justificativa para o volume de material empenhado, conforme no PE nº 10/2014, item 2.2 d peça editalíssima, a SES afirmou que existia demanda reprimida de 2.000 cirurgias. Isso em fevereiro de 2014, de sorte que, passado um ano, é bem provável que esse número tenha majorado. Assim, de duas uma: Ou houve uma ingerência por parte do agente público no estabelecimento do quantitativo licitado, ou a SES-DF está promovendo a redução drástica do atendimento de ortopedia à comunidade, de forma, que na comprovação de uma das hipóteses deve haver apuração de responsabilidade administrativa do agente que deu causa.”
Gondim está bem informado pela assessoria?
Os posicionamentos, coerentes, de Gondim remetem a questionamentos que precisam ser respondidos. Gondim recebeu informações concretas sobre a real situação da aquisição de OPME por parte do governador, Rodrigo Rollemberg (PSB) e dos subsecretários que atuam na SES-DF? Ou recebeu apenas informações de conveniência de modo que o novo Secretário viesse a se posicionar perante a imprensa e aos controladores do estado de forma equivocada? Se o secretário tem conhecimento sobre o processo de compra de OPME, como afirma que não houve contrato e empenho? Porque o secretário questiona se pode cancelar o empenho se tal cancelamento de mais de 90% já ocorreu? Com a palavra, o Secretário de Saúde do DF.
Por trás da OPME
Um dos motivos pelo qual Rollemberg não quer que a CPI da Saúde do DF aconteça é que os oito meses de gestão da SES-DF pode estar repleta de irregularidades, a ponto de estarem sob investigação da Polícia Civil e há cerca de dois meses, também pela Polícia Federal.
Embora tenham noção da necessidade de a CPI se estender a atual gestão, os parlamentares, dificilmente, e talvez o próprio secretário de saúde, tenha conhecimento da novela da OPME que ainda envolve outras questões, a exemplo, da ameaça de morte ao atual SUAG, Marcelo Nóbrega, realizada por meio telefônico, de dentro do Senado Federal. Mesmo que o atual SUAG evite mencionar o ocorrido, o ex-secretário João Batista, deixou escapar tal relato (29/Mai) durante no debate Modelos de Gestão na Saúde no DF, promovido pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), na Universidade de Brasília (UnB) para discutir a Saúde.
Outro dado interessante é que nos bastidores ortopédicos da SES-DF, há a especulação que o cancelamento da OPME, não ocorre por um acaso, tem por finalidade a contratação de uma empresa de um servidor da própria Secretaria.