O Senado aprovou nesta terça-feira (3) projeto de lei que autoriza o Banco Central (BC) a receber depósitos voluntários remunerados das instituições financeiras. A ideia é dar ao BC uma ferramenta para controle da moeda que tenha impacto menor sobre a dívida pública. O PL 3.877/2020, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), foi aprovado na forma de um substitutivo (texto alternativo) apresentado pela relatora da matéria, senadora Kátia Abreu (PP-TO), e segue para a análise da Câmara dos Deputados.
Os depósitos no Banco Central são uma forma de controlar a liquidez (disponibilidade de dinheiro) da economia e de preservar a estabilidade da moeda. Para conter a pressão inflacionária e sustentar a taxa de juros, o BC recolhe parte do dinheiro aplicado nos bancos pelos correntistas. Há duas modalidades de depósitos: à vista (provenientes de depósitos em dinheiro) e a prazo (provenientes de aplicações, como a poupança). Os depósitos a prazo são remunerados, ou seja, os bancos recebem uma compensação pela entrega do dinheiro.
Atualmente, o Banco Central trabalha com depósitos compulsórios (obrigatórios) nas duas modalidades, estabelecendo uma porcentagem obrigatória que os bancos devem entregar das suas aplicações, e com depósitos voluntários à vista (não remunerados). O projeto abre caminho para os depósitos voluntários a prazo, com a sua correspondente remuneração.
Operações compromissadas
A ideia do senador Rogério Carvalho é que essa diversificação possa reduzir o uso de outra ferramenta do Banco Central para controle da moeda: as operações compromissadas. Com essas operações, o BC enxuga liquidez da economia vendendo títulos de crédito ao sistema financeiro, com a promessa de comprá-los de volta em uma data futura, com juros. A operação também funciona no sentido inverso.
O problema das operações compromissadas, segundo o senador, é que, como o Banco Central não pode emitir títulos próprios, usa os do Tesouro Nacional. A emissão de títulos para esse fim entra na soma da dívida pública — mesmo que o governo não esteja, na prática, arrecadando nada. Assim, uma ferramenta de política monetária acaba tendo impacto fiscal.
— Ao longo do tempo, a gente pode reduzir bastante essas operações compromissadas e esses títulos e, portanto, reduzir a dívida pública brasileira e abrir espaço para a geração de emprego, renda, que é o que, no final das contas, os brasileiros esperam — explicou Rogério Carvalho, que defendeu um debate mais amplo sobre o marco fiscal brasileiro, que, na sua visão, impede o crescimento da economia e estabelece regras não compatíveis com as da Europa, por exemplo.
Mudanças
Segundo o projeto, as remunerações dos depósitos voluntários serão estabelecidas pelo BC. A relatora Kátia Abreu retirou do texto original a proibição de que essas remunerações sejam maiores do que os juros pagos pelo Tesouro Nacional a títulos equivalentes. Durante a votação, o Partido Cidadania apresentou destaque para limitar a taxa máxima de remuneração dos depósitos voluntários.
— É apenas um excesso de cautela, mas que eu acho que representa uma boa sinalização da intenção que nós temos, porque não se deve confundir independência do Banco Central com absoluta desvinculação do interesse público. O que se faz é garantir que não haja o arroubo tresloucado de uma remuneração que exceda e prejudique a própria política econômica — explicou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) ao defender o destaque.
Mas a relatora, ao se posicionar contra o destaque, argumentou que, na prática, seria difícil estabelecer esse limite. Ela defendeu flexibilidade para que o Banco Central administre esses depósitos, como ocorre em outros países.
— Por que que não podem comparar e vincular os juros do que o Banco Central vai fazer com o que o Tesouro vai fazer? A resposta é simplíssima: porque todas as emissões do Banco Central não passam de 45 dias, e as emissões do Tesouro são todas com mais de seis meses até dois anos. São juros incomparáveis — explicou Kátia Abreu, antes da rejeição do destaque pelo Plenário do Senado.
Prestação de contas
A senadora também recolocou no texto a previsão de que o Banco Central apresente à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado informações detalhadas sobre o acolhimento dos depósitos a prazo. Originalmente, o texto previa a prestação de contas do BC à comissão sobre a trajetória dos títulos do Tesouro na carteira da instituição, com a separação dos títulos livres daqueles que lastreiam operações compromissadas. Essa exigência foi retirada do texto.
Ainda de acordo com o texto aprovado, o BC deverá divulgar semestralmente um demonstrativo de depósitos voluntários. Além disso, a cada trimestre, o órgão precisará prestar contas ao Congresso Nacional sobre as operações realizadas com depósitos voluntários remunerados. A prestação de contas trimestral foi proposta pelo senador José Serra (PSDB-SP) por meio de emenda.
Kátia Abreu também acrescentou dois novos artigos ao projeto original. O primeiro prevê a regulamentação, pelo BC, de remuneração, limites, prazos, formas de negociação e outras condições para o acolhimento dos depósitos a prazo das instituições financeiras.
O outro artigo incorporado ao projeto é fruto de uma emenda apresentada pelo líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). O artigo determina que depósitos de entidades não financeiras integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro poderão ser acolhidas pelo BC dentro das condições por ele estabelecidas (remuneração, limites, prazos e formas de negociação, entre outras). Atualmente, a lei autoriza o acolhimento desses depósitos, mas não trata das condições.
– Com isso, alcançaria algumas espécies de fintechs [empresas de produtos financeiros digitais] ou, até mesmo, determinadas cooperativas – explicou a relatora ao acatar a emenda.
Para o líder do governo no Senado, o trabalho do autor (Rogério Carvalho) e da relatora (Kátia Abreu) do projeto foi fundamental para a construção de um consenso junto ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
— Foi uma grande vitória, avançamos bem e ainda temos o projeto de autonomia do Banco Central — disse Fernando Bezerra.