Por Hulda Hode
Na capital do Brasil, os pacientes vivem momentos muito difíceis no tocante ao acesso aos serviços de saúde na esfera pública. As queixas aumentam a cada dia e para solucionar, muitos buscam na justiça a esperança para resolver ou tentar salvar a vida dos doentes, mas diante de tantos agravos, nem mesmo a Secretaria de Estado de Saúde está sendo capaz de remediar esses problemas.
No início do ano de 2015, as autoridades discursavam que o desabastecimento da rede, atraso de pagamento de funcionários e prestadores de serviços e falta de dinheiro no caixa era devido a uma herança maldita do ex-governador Agnelo Queiroz. No entanto, o que está sendo descortinado rotineiramente é o propósito de entregar a gestão da saúde pública para as Organizações Sociais. Trazem um vislumbre de que o sistema privado é perfeito: boa gestão nas filas de consultas, exames e cirurgias, faltando apresentar dados coerentes de atendimento nas emergências médicas, onde o colapso é ainda maior. Observa-se esse desmonte do SUS pelo Hospital de Base do DF, e por trás das cortinas, já está em fase de loteamento a gestão do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).
Essa é a lógica do sistema capitalista nos serviços de saúde, sucatear para privatizar. E nesse sentido, desde o ano de 2014, o HRAN tem apresentado uma série de carências nos serviços que comprometem a qualidade dos atendimentos oferecidos à população, onde a maioria depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde, portanto, não tem outra alternativa para o acesso à saúde.
O Alta Complexidade Política & Saúde elenca uma série de problemas encontrados no Centro de Referência em Doenças Neuromusculares (CRDN-DF), sediado no HRAN. O Centro foi criado, por meio da Portaria N° 206, de 17 de outubro de 2011 e atende cerca de 14 patologias. Pelo texto, o CRDN/ HRAN conta com equipe multidisciplinar para o atendimento dessas patologias e suas intercorrências, com uma interface de troca de informações com os Núcleos Regionais de Atendimento Domiciliar (NRAD) através da chefia da Gerência de Atenção Domiciliar, de forma a organizar, orientar e apoiar o atendimento aos pacientes.
O CRDN/ HRAN possui atendimento com médicos neurologista e pneumologista, bem como equipe multiprofissional nas áreas de: nutrição, psicologia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, fisioterapia motora e respiratória. Pelo fato de serem doenças graves, evolução rápida e diagnóstico tardio, o agendamento é feito por telefone direto no CRDN.
Entre as funções do Centro de Referência está também o controle dos insumos utilizados no atendimento dos pacientes (medicações de alto custo, equipamentos respiratórios, exames e procedimentos cirúrgicos, tais como: gastrostomia e traqueostomia). Fundamental o encaminhamento precoce dos pacientes para a primeira consulta e acompanhamento permanente, pois essas informações ajudam a equipe fazer a estimativa das necessidades a médio, curto e longo prazo desses pacientes, para que possam ter acesso aos insumos no tempo adequado, de forma a evitar que eles sejam ainda mais prejudicados.
O HRAN dispõe de seis polissonógrafos que estão sem funcionamento desde quando foram comprados, em 2013. A denúncia já foi exposta na mídia local e nacional no final do mês de setembro de 2014, informando uma demanda reprimida de dois mil pacientes que necessitam realizar o exame de polissonografia, o estudo do sono, porém, pouco mudou na vida dos pacientes que precisam realizar o procedimento.
Nesse ano, foram abertas 35 vagas recentemente, e a priorização eram para pacientes graves e/ou críticos. A redução das horas extras fez com que o serviço de polissonografia ficasse ainda mais restrito, pois o exame é realizado somente a noite, ou seja, o procedimento é realizado enquanto o paciente está dormindo.
O atraso na realização do exame de polissonografia implica em demora da dispensação dos equipamentos respiratórios BIPAP e CPAP, isso porque o exame é requisito para a liberação dos equipamentos, auxilia o pré-operatório para a cirurgia bariátrica (também conhecida como redução de estômago) e acompanhamento de pacientes com síndrome de Down.
Todos os pacientes que dependem da polissonografia para concluir diagnóstico e não conseguem, ficam em risco de agravamento dos seus quadros de saúde, que normalmente são situações de média ou alta complexidade, tais como: doenças neuromusculares, obesidade e outras doenças raras e crônicas.
Na prática, a Secretaria de Saúde do DF entrega os equipamentos BIPAP e CPAP, principalmente aos pacientes que conseguem realizar o exame na rede privada – seja particular ou pelo plano de saúde. Assim, poucos pacientes que dependem exclusivamente do SUS recebem os equipamentos de suporte ventilatório, fundamentais para a qualidade de vida.
Outra cronicidade é que alguns pacientes, por critérios sem transparência, são encaminhados para realizar a polissonografia em clínicas particulares, situação que não se justifica dado o alto investimento público realizado na compra de equipamentos e estrutura para suas instalações.
Os desafios atuais encontrados pela equipe de servidores que trabalham no CRDN/HRAN afetam diretamente os pacientes com diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica, uma doença neurodegenerativa, progressiva e fatal.
Todos esses itens mencionados são fundamentais para que seja realizado o trabalho de fisioterapia respiratória e todos os pacientes com ELA farão uso desses equipamentos. Alguns dos pacientes precisam desde o momento do diagnóstico – que é comum acontecer de forma tardia dado o nível de complexidade da doença.
Embora em 2014 tenha sido feita a previsão de equipamentos para 2015 e encaminhado à Secretaria de Estado de Saúde do DF, não houve avanço na Ata de Registro de Preço. A lista inclui a compra de equipamentos respiratórios: ventilador respiratório suporte de vida para paciente traqueostomizado, ambu (reanimador manual), BIPAP e CPAP. Trata-se de insumos de alto custo, sendo o mais caro um valor mercadológico de R$ 50 mil, salvo o ambu, que gira em torno de R$ 160,00.
Outro agravo nessa área é a falta de rastreabilidade dos dispositivos, o paciente recebe o equipamento, porém, não há controle sobre a utilização em domicílio, não há devolução voluntária dos familiares e/ou responsáveis para que outros pacientes que estejam na fila de esperam possam desfrutar. Esses equipamentos são fundamentais para os pacientes que, a partir da piora do quadro respiratório, se faz necessário imediato e permanente, logo a falta deles deixa o paciente em risco de falência respiratória.
O CRDN/HRAN não tem nutricionista há alguns meses, provocando vários problemas, pois os pacientes não têm acesso ao suporte nutricional (dietas especiais), essa falha causa perda de peso progressiva e muitas vezes irreversível, tendo como consequências a gastrostomia precoce (procedimento cirúrgico para a fixação de uma sonda alimentar) e traqueostomia (procedimento cirúrgico realizado em pacientes que passarão a utilizar a ventilação mecânica permanente), que quando realizadas em emergência fazem desses pacientes usuários permanentes de leitos de UTI de forma indevida. Ambos os procedimentos precisam ser realizados no momento adequado, conforme avaliações dos especialistas de Neurologia, Pneumologia, Nutrição e Fonoaudiologia.
Todavia, não basta ter os insumos de suporte nutricional, se a pasta da Saúde não disponibilizar nutricionistas para realizar o atendimento no CRDN/HRAN, de forma permanente. Desde o mês de agosto desse ano, está em falta as dietas hipercalóricas, como: Caseical e Fresubin, utilizadas para pacientes que dependem de nutrição enteral e parenteral.
Outro lado
Em nota, a Secretaria de Saúde do DF, informou que o HRAN é a única unidade de saúde que realiza o exame de polissonografia na rede pública, está com seis aparelhos de polissonografia, porém, quatro são operados e realizam exames quatro vezes por semana, nos dias: segunda, terça, quarta e sexta-feira.
Em relação aos equipamentos respiratórios, a pasta diz que está em processo de aquisição, porém, no momento, não é possível estimar um prazo para conclusão. De acordo com informações da Coordenação de Pneumologia, atualmente, cerca de 200 pacientes estão com aparelhos de BIPAP e CPAP.
Quanto à nutrição, a SESDF conta com 407 profissionais, sendo 24 lotados no HRAN. De acordo com a Gerência de Nutrição, no momento, não é possível preencher vagas no Centro de Referência de Doenças Neuromusculares, mas reconhece que este quantitativo de 24 profissionais não é suficiente para atender toda a demanda do hospital.
O Hospital Regional da Asa Norte possui 493 leitos no total, para internação de pacientes de diversas especialidades clínicas e cirúrgicas, incluindo os leitos de UTI e Pediatria. Em média o HRAN atende 15 mil pacientes por mês em diversas especialidades.
A pasta também reconhece a falta de Frebusin e Caseical. No entanto, existe processo de aquisição dos produtos, em fase final, aguardando liberação orçamentária para empenho. Neste momento, não há previsão de quando os estoques serão reabastecidos.
Mais resolutividade, menos reconhecimento
Não ofertar insumos de qualidade aos profissionais de saúde impõe riscos à população e os problemas atuais que o Centro de Referência em Doenças Neuromusculares/HRAN enfrenta impossibilitam a equipe de cumprir os objetivos da Portaria N° 206/2011 entre eles: o tratamento precoce das complicações. Este Centro precisa da atenção e do cuidado necessário dos gestores da Secretaria de Saúde do DF, de forma acelerada, considerando que o atendimento multiprofissional é fundamental para a manutenção da qualidade de vida dos pacientes. A existência do CRDN/HRAN é essencial para a população de todas as classes sociais, pois todas as doenças contempladas pela Portaria N° 206/2011, são muito específicas e complexas o que dificulta o diagnóstico e se torna essencial o acompanhamento multiprofissional permanente.
Para os pacientes de baixa renda e que dependem exclusivamente do SUS, ficarão marginalizados colocando a própria vida em risco. Defender o cidadão que utiliza o SUS é um ato de respeito e em defesa de um sistema tão vital para a nossa população. Negar o bom atendimento não resolve o problema. Não se tira o sofá da sala e põe na cozinha. Muitos problemas listados podem ser solucionados de forma rápida, contanto que haja vontade política e organizacional. É tempo de ter o foco no paciente: a razão de existência das políticas e ações de saúde.
As preocupações são muitas, pois caso esses problemas não sejam solucionados o Centro de Referência, é grande o risco de que esses pacientes venham a morar nos hospitais ocupando os leitos de UTI de forma indevida e desnecessária. Todas as demandas que não forem atendidas no momento adequado, correm o risco iminente de judicialização, que eleva de forma significativa os custos para os cofres públicos.
Hulda Rode é jornalista do Alta Complexidade