O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Poder Judiciário pode atuar para garantir a aplicação, pelos entes federados, dos percentuais mínimos previstos constitucionalmente para a área de saúde antes da edição da Lei Complementar (LC) 141/2012, que estabeleceu normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas na área. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 858075, com repercussão geral reconhecida (Tema 818), na sessão virtual encerrada em 14/5.
O caso
Na origem, o MPF ajuizou ação civil pública contra o Município de Nova Iguaçu (RJ) e a União visando à aplicação de recursos orçamentários mínimos no SUS relativamente a 2002 e 2003. Na primeira instância, foi determinado que o município incluísse, no orçamento dos anos subsequentes, R$ 2,6 milhões e R$ 1,4 milhão, respectivamente, sem prejuízo da aplicação do percentual mínimo constitucionalmente estabelecido. O juiz determinou, ainda, que a União acompanhasse o cumprimento da decisão, condicionando a ele o repasse de recursos referentes à repartição de receitas tributárias.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), no entanto, considerou inviável ao Poder Judiciário se substituir à União para condenar municípios e ela própria a obrigações que, na época, ainda dependiam de regulamentação. A LC 141, que dispõe sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente em ações e serviços públicos de saúde, somente foi editada em 2012.
No RE, interposto contra a decisão do TRF-2, o Ministério Público Federal (MPF) argumentou que o Poder Judiciário teria legitimidade para atuar no sentido de dar efetividade à Emenda Constitucional (EC) 29/2000, que determinou aos entes federados a aplicação de um percentual mínimo de recursos no Sistema Único de Saúde (SUS), sob pena de terem retidos os valores a serem repassados pela União.
Lei complementar
Prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Luís Roberto Barroso, pelo restabelecimento da condenação do município a compensar as diferenças apuradas entre o mínimo constitucional e o que foi efetivamente aplicado em saúde em 2002 e 2003, mas afastando a condenação da União. Barroso assinalou que o parágrafo 3º, inciso IV, do artigo 198 da Constituição exigia a edição de lei complementar para estabelecer as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde, o que ocorreu somente em 2012.
Caráter autoaplicável
O ministro lembrou que, na Ação Cível Originária (ACO) 2075, o Supremo afastou a possibilidade de aplicação da sanção aos estados antes do advento da LC 141/2012. Entretanto, lembrou que a exigência decorre diretamente da EC 29/2000, que acrescentou o artigo 77, inciso III e parágrafo 1º ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que indicou expressamente os percentuais mínimos a serem observados pelos municípios desde 2000 e deixou claro o caráter autoaplicável da previsão, a ser obedecida desde a sua promulgação.
Essa providência, para Barroso, pode ser exigida do município pelo Poder Judiciário. “Embora não se possa obrigar a União a restringir a entrega de recursos financeiros ao município, é plenamente exigível desse último a compensação da diferença que deixou de ser aplicada em ações e serviços de saúde em 2002 e 2003”, concluiu.
Seu voto foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Nunes Marques, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes e pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. O ministro Alexandre de Moraes ficou vencido ao votar pelo desprovimento do recurso do MPF.
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte “É compatível com a Constituição Federal controle judicial a tornar obrigatória a observância, tendo em conta recursos orçamentários destinados à saúde, dos percentuais mínimos previstos no artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, considerado período anterior à edição da Lei Complementar nº 141/2012”.