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24 nov 2024 23:40


De 1200 médicos nomeados, no último concurso, 311 não tomaram posse

Sem interesse pela rede públicaDos mais de 1,2 mil médicos nomeados no último concurso da Secretaria de Saúde, 311 não tomaram posse. Recém-formados preferem salários altos de hospitais privados e fazem questão de trabalhar perto de casa. Pediatria e anestesiologia têm o maior deficit
Por Otávio Augusto
Nem mesmo o salário inicial de R$ 13,2 mil para 40 horas semanais de trabalho tem atraído médicos para a Secretaria de Saúde. Os graves problemas estruturais dos hospitais do governo, como a falta de insumos e medicamentos e o sucateamento dos equipamentos das unidades, afastam os novos profissionais. Em 2014, dos 488 médicos aprovados e convocados, 285 se recusaram a assumir a vaga. No ano passado, o número de desistências foi maior: das 1.242 nomeações, 311 pessoas não tomaram posse. Isso significa que 25% dos aprovados no último concurso abriram mão do serviço público.
Atualmente, a pasta conta com 32.915 profissionais. Há um deficit de de cerca de 1 mil médicos e as especialidades com maior defasagem de pessoal são pediatria e anestesiologia. Este ano, o Executivo local convocou 1.455 médicos. Do total, 875 vão substituir contratos temporários. Em 29 de dezembro, houve a nomeação de 63 pediatras. Mas apenas 11 assumiram. A taxa de ausências no trabalho ficou em 12% no ano passado. A Secretaria de Saúde não tem detalhes sobre  a quantidade de atestados, faltas injustificadas e abonos concedidos aos servidores.
O Correio ouviu médicos e especialistas para explicar a resistência dos profissionais médicos em atuar na rede pública. A conclusão é que o sistema de saúde coloca em confronto os anseios de dois grupos distintos: o dos servidores com mais tempo de serviço, que desejam o fortalecimento das políticas para o setor, e dos jovens recém-formados, que esperam boa remuneração aliada a condições satisfatórias de trabalho. Contudo, as gerações tão distantes, separadas muitas vezes por mais de três décadas, concordam em um único ponto: os recursos humanos do funcionalismo público têm que ser reformulados. “O médico jovem precisa ter a oportunidade de fazer a educação continuada”, avalia o cirurgião oncológico Florentino Araújo Cardoso Filho, presidente da Associação Médica do Brasil.
Penúria
A cirurgiã pediatra Olga Oliveira, 64 anos, formou-se em 1978, na Universidade de Brasília (UNB). Ela fez três anos de residência no Hospital de Base e, em 1981, assumiu um cargo público na Secretaria de Saúde. Para a veterana, hoje lotada no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o olhar humano dos médicos ficou perdido com o passar do tempo. “A preocupação do médico atual é com o não cumprimento do horário, todos burlam as escalas. Optam pelas especialidades que dão dinheiro e só querem trabalhar nos hospitais próximos de casa”, ressalta.
A escassez da estrutura do serviço público de saúde também é pretexto para a fuga. Hoje, 62 medicamentos estão em falta. No Hospital de Base, o aparelho de ressonância magnética tem 16 anos de funcionamento e o de radioterapia é o mesmo há 10 anos. Grande parte dos prédios é das décadas de 1970 e 1980 e não passaram por grandes reformas. “Na escola, existe essa doutrinação ilusória de que o melhor lugar para trabalhar é onde se gasta menos tempo para chegar e onde não existem dificuldades de trabalho”, pontua Olga Oliveira.
Segundo ela, os novos profissionais preferem trabalhar perto de casa e optam por especialidades que geram maior lucro. Para ela, isso causa um desmonte do serviço público. “Os médicos recém-formados querem gastar pouco tempo no deslocamento para ter a oportunidade de trabalhar em outros hospitais. O Base e o Hran são os que mais chamam a atenção dos servidores que vão entrar na rede”, queixa-se Olga.
Com a regionalização da Secretaria de Saúde e a subdivisão em sete superintendências administrativas, os próximos concursos para a pasta devem ser específicos para cada região. Dessa forma, os candidatos prestarão a prova para locais determinados. Por exemplo, um médico que se inscreva para a região centro-sul só poderá trabalhar em unidades médicas das nove cidades dessa área, como Asa Sul e Guará.
Pessimismo
Passava das 16h quando o médico Francisco Leal Silva recebeu a reportagem na Unidade Mista de Saúde (Policlínica) de Taguatinga Sul — um prédio de 1973, que nunca passou por reformas. Em seu consultório, o mofo e as goteiras chamavam a atenção. Formado em clínica médica pela Universidade Federal do Ceará, ele conta que, ao tomar posse, em 1995, começou a trabalhar no Hospital Regional de Taguatinga. “No meu terceiro plantão, morreram sete pessoas na emergência por não termos como atender. Naquele dia, percebi que os médicos e enfermeiros ficam isolados. Pensei em desistir”, lembra. “O sistema público de saúde está sendo desmontado. A estabilidade e os salários já não seguram o profissional. Tem que existir algum estímulo. O jovem quer ser treinado e isso não acontece”, critica o veterano.
O universitário Odil Garrido Campos de Andrade, 21 anos, está no 6º semestre de medicina e ressalta a necessidade da educação continuada. O rapaz quer se especializar em oncologia. “O governo não dá garantias para o exercício adequado da profissão. A rede pública é um bom lugar para exercer a medicina? Com toda a certeza, não. O que nos estimula é poder ajudar os pacientes, que são muito necessitados.”
O secretário de Saúde, Fábio Gondim, reconhece a resistência dos médicos em assumir cargos na rede pública. Ela avalia que os salários são altos e acredita que, com melhorias estruturais no sistema de saúde, o interesse dos profissionais vai aumentar. “As últimas nomeações resultaram na posse de poucos profissionais e isso dificulta o trabalho da secretaria. Preciso das pessoas trabalhando. Temos amarras para chamar concursados e não podemos contratar temporários”, avalia o secretário de Saúde, Fábio Gondim. Um novo concurso específico para pediatras e anestesistas deve ser realizado em breve.
Para saber mais
Aumento salarial
A recomposição do salário dos médicos começou em 2011, na gestão de Agnelo Queiroz (PT). Em média, o salário-base subiu 66%  desde então. O Executivo local pagou os acréscimos gradualmente até o ano passado. Em 2011, o piso salarial para médicos que trabalhavam 20 horas por semana era de R$ 3,9 mil. A partir de setembro de 2013, subiu para R$ 5,4 mil e chegou a R$ 6,6 mil, em 2015. No próximo ano, alcançará o valor de R$ 8,1 mil. Médicos que trabalham 40 horas ganhavam o piso de R$ 8,8 mil  e passaram a receber  R$10,8 mil em setembro de 2013. Em 2015, o salário-base chegou a R$ 13,2 mil e o teto chegará a R$ 16,2 mil.
Três perguntas para
Florentino Araújo Cardoso Filho, presidente da Associação Médica do Brasil (AMB)
O que faz o médico optar pela rede pública ou privada?
Para o médico, a remuneração não é o primeiro nem o principal atrativo. O ambiente de trabalho oferece condições para o exercício da medicina? Isso sim é importante. Na rede pública de Brasília, falta tudo, o médico não consegue nem iniciar o tratamento do paciente. Isso é desgastante, gera desmotivação, angústia e revolta.
Os jovens estão cada vez mais distantes da rede pública. Por quê?
O médico jovem precisa ter a oportunidade de fazer a educação continuada. Ele quer e precisa se aperfeiçoar. Para atrair o profissional recém-formado para o serviço público, é preciso ter qualidade de infraestrutura. Hoje, temos médicos querendo deixar os hospitais públicos e falta de interesse em tomar posse.
A preferência é por local de trabalho perto de casa e salários altos?
Trabalhar longe de casa é um dificultador, mas o médico não tem preocupação com isso. A luta dos médicos é que o sistema púbico funcione bem. Porém, o que tem acontecido é um desmonte da saúde. Os governos estão investindo menos no setor. Na atenção básica, por exemplo, não se tem um plano de carreira para o médico que atua na atenção básica.
Fonte: Correio Braziliense

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