Servidores e Sindicato dos Médicos denunciam falta de material básico em uma das principais áreas da maior unidade do Distrito Federal. Secretaria de Saúde nega falhas, mas o MP recomenda que os problemas sejam registrados em prontuário
Por Otávio Augusto e Camila Costa
A cardiologia do Hospital de Base está prestes a entrar em colapso, segundo servidores da unidade. Faltam enzimas cardíacas e marca-passos. E nenhum exame é realizado. Para obter diagnósticos, os pacientes são enviados ao Instituto de Cardiologia (ICDF) e levam até 4h para retornarem ao local. A espera por um marca-passo pode chegar a 20 dias, à revelia da literatura médica, que recomenda o tempo máximo de quatro. Para evitar falhas, a Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida) recomendou que todas as dificuldades durante os atendimentos sejam registradas. A Secretaria de Saúde nega os problemas.
O Posto 5 é o local no pronto-socorro onde ficam internados os pacientes cardiológicos que apresentam quadro clínico estável (com menor gravidade). Entretanto, pela alta demanda e pela pouca disponibilidade de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI), casos mais críticos permanecem no local por vários dias. “A gente fica preocupada com a situação (dos pacientes). Muitas vezes, vemos a pessoa com complicações, mas não temos o que fazer. É como se fosse escolher quem tem tratamento e quem não tem”, reclamou uma médica da cardiologia, que pediu para ter o nome preservado.
O Sindicato dos Médicos (SindMédico-DF) enviou três denúncias ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) apenas em fevereiro sobre as falhas. “Falta critério de gasto. A crise econômica existe, mas faltam prioridades. A população está morrendo sem assistência. O cidadão que precisar vai continuar doente. A situação piorou desde o ano passado”, criticou Gutemberg Fialho, presidente da entidade.
Na última semana, representantes do SindMédico-DF estiveram no MPDFT para uma reunião na Pró-Vida. O promotor Maurício Miranda recomendou que sejam registrados nos prontuários e livros de ocorrência todos os incidentes e evoluções do quadro do paciente e do atendimento. “A ausência do médico no local de trabalho, se foi escalado e não compareceu, e isso acarretar num ferimento, numa lesão ou morte, também será punida. O que queremos é achar o nexo causal”, explica Maurício.
Omissão
Para a advogada Denise Vargas, especialista em direito constitucional, a medida resguarda o médico e facilita a ação da Justiça em casos de investigação. “Muitas vezes, de fato, o profissional está de mãos atadas, porque não tem como trabalhar e pode gerar complicações, mortes e até suposto erro. Se o prontuário for preenchido dessa forma, a falta de estrutura reforça a omissão do Estado”, explica.
A Secretaria de Saúde informa que não houve falhas nos atendimentos. Os exames e as cirurgias passaram a ser realizados no Instituto de Cardiologia (ICDF), que, segundo o titular da pasta, Fábio Gondim, realizava 90% dos trabalhos. “Criaram um factoide a respeito disso, que não é um problema”, resumiu. A pasta garante que em estoque há cerca de 300 marca-passos. As enzimas cardíacas serão repostas amanhã.
“Falta critério de gasto. A crise econômica existe, mas faltam prioridades.
A população está morrendo sem assistência. O cidadão que precisar
vai continuar doente. A situação piorou desde o ano passado”
Gutemberg Fialho,
presidente do Sindicato dos Médicos do DF
MEMÓRIA
Problemas recorrentes
Em agosto do ano passado, o Hospital de Base precisou diminuir a carga horária de 3,5 mil funcionários terceirizados. A medida fechou 20 UTIs geral e pediátricas, além de 30 leitos das especialidades de neurologia, urologia, infectologia, pneumologia, gastroenterologia, endocrinologia, reumatologia, ginecologia oncológica, angiologia e mastologia. Houve também queda no atendimento da clínica médica, do pronto-socorro e de seis centros cirúrgicos. À época, segundo a direção da unidade, seriam necessários 392 novos técnicos de enfermagem e 114 enfermeiros para continuar o atendimento sem danos à população. Em setembro de 2015, a Unidade de Cirurgia de Cabeça e Pescoço ficou parcialmente interditada. Três meses depois, servidores da neurocirurgia alertavam contra as más condições de trabalho.
Fonte: Correio Braziliense