Por Eder Wen
Em audiência pública realizada pela Câmara Legislativa nesta sexta-feira (23) para debater a implementação de câmeras corporais nos policiais do Distrito Federal, a Polícia Militar do DF confirmou que os dispositivos de filmagem serão adotados ainda neste ano. O debate foi proposto pelos deputados Fábio Félix (PSOL) e Max Maciel (PSOL) e contou com a participação de policiais, promotores, defensores públicos e representantes da sociedade civil.
A audiência pública foi provocada pela apresentação do projeto de lei 2336/2021, de autoria do deputado Fábio Félix, que prevê a instalação das câmeras nos uniformes dos policiais civis e militares e em suas viaturas. “Os objetivos do PL são a produção de prova, a garantia de segurança na abordagem policial, a avaliação da abordagem policial, a verificação do uso da força e a preservação da incolumidade de pessoas e do patrimônio”, explicou Fábio Félix.
O projeto foi inspirado em iniciativa semelhante adotada no estado de São Paulo, onde a Polícia Militar já trabalha com as câmeras corporais. “Lá, a diminuição da letalidade é de quase 80%. É claro que a PMDF tem outras características e já é uma polícia com letalidade bem menor do que a polícia de São Paulo. Mas o projeto também visa resolver outras questões, como a violência policial. Recebemos denúncias desse tipo de várias localidades, como Estrutural, Paranoá e Ceilândia. É um projeto que também responde a uma demanda popular”, observou Fábio Félix.
O deputado Max Maciel explicou as vantagens da adoção das câmeras corporais para toda a sociedade. “Com a câmera a população vai saber como se comportar numa abordagem policial. Ela vai possibilitar ao cidadão recorrer contra casos de violência policial e ao policial recorrer contra desacatos. Muitos jovens não conseguem recorrer, pois é a própria polícia que faz a apuração da denúncia. A polícia já carrega consigo a sua fé pública, enquanto o cidadão que sofre violência não tem nenhum instrumento para comprovar a ilicitude”, afirmou.
O distrital também deu um depoimento pessoal sobre os abusos cometidos por policiais em áreas periféricas do DF. “A atividade policial tem um procedimento a seguir. O suspeito tem que ser levado à delegacia, não pode ser julgado na rua. Essa é uma realidade que eu senti na pele, e não foram uma ou duas vezes. Fui xingado e agredido sem sequer ser perguntado quem eu era. Pediram para olhar meu telefone e chamaram minha esposa de vagabunda. Essa é a polícia que eu não quero. Em outra ocasião, policiais plantaram drogas no meu carro e só fui salvo porque havia gente filmando. Me emociono porque isso me machuca até hoje”, afirmou Max Maciel
O parlamentar ainda se recordou de outra experiência traumática que marcou sua juventude. “A primeira vez em que tive uma arma apontada para a minha cara foi pelo estado penal, e eu só estava voltando da escola”, contou.
Para o especialista em tecnologia de dados Marcos Gomes, é importante definir os responsáveis pela guarda das imagens captadas pelas câmeras corporais. “Os vídeos devem ficar sob controle externo, e não sob controle da autoridade policial. Além disso, os vídeos não devem ser usados para criação de conteúdo de entretenimento, como é feito pela Polícia Militar de São Paulo no YouTube”, recomendou.
O defensor público Gabriel Morgado ressaltou que “muitas vezes os relatos de violência policial são arquivados por falta de provas e não são raros os casos em que o preso faz denúncia de violência policial, mas como não há provas o preso acaba tendo que responder por denunciação caluniosa”, contou.
O defensor público também destacou a importância da implementação das câmeras corporais na Polícia Penal. “O que acontece dentro dos presídios não é filmado”, observou. A colocação do defensor público Gabriel Morgado foi endossada pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF). “As câmeras no presídio hoje têm um tempo de armazenagem muito curto. Quando chega a denúncia, não há mais imagens. Hoje só serve para o policial controlar o presídio”, afirmou a deputada federal.
O promotor de Justiça Flávio Milhomem, do Ministério Público do DF, reforçou a importância das câmeras corporais e destacou suas vantagens. “As imagens servem como elementos de convencimento nos processos e são fundamentais para que o Ministério Público cumpra sua obrigação de realizar o controle externo da atividade policial, além de preservarem os próprios policiais na realização de suas atividades”, disse.
Representando a Associação de Praças da PMDF, Geraldo Batista Alves de Souza fez ressalvas ao programa. “Tem muita coisa para ser resolvida primeiro. Esse projeto não é barato. A PM de São Paulo gasta muito dinheiro somente para salvaguardar o material gravado. É preciso elencar prioridades. Faltam quartéis em algumas cidades do DF. Nossos quartéis às vezes não têm nem mesa para os policiais fazerem suas refeições. Temos dificuldades até para marcar uma simples consulta com psiquiatra”, reclamou.
PMDF confirma implementação
Durante a audiência pública, o subcomandante-geral da PMDF, coronel Adão Teixeira de Macedo confirmou que a corporação já está planejando a implementação das câmeras corporais e garantiu que a mudança virá ainda neste ano. “É um projeto importante que já está consignado no orçamento da PMDF para implementação. A proposta da PMDF é que todo policial em serviço tenha uma câmera. Vamos ter uma unidade piloto no 1° comando regional, na área central. A partir daí vamos expandir para outras regiões do DF. Inicialmente serão 300 câmeras. A expectativa é iniciarmos no segundo semestre”, revelou o oficial.
O subcomandante também fez uma defesa da adoção das câmeras corporais pela força policial. “Esse projeto traz benefícios para o policial militar. Quando a pessoa percebe que está sendo monitorada, ela tende a mudar seu comportamento e tomar uma atitude mais cortês. Isso vale tanto para o policial quanto para o cidadão que está sendo abordado. O comando da PM está ansioso para implementar o projeto. Desvios de conduta mancham a imagem da corporação e são um enorme prejuízo para a sociedade”, afirmou o coronel. Ao final da audiência pública, ficou acertada uma reunião com as forças de segurança para aprimoramento do projeto de lei em tramitação na Câmara Legislativa.