Enquanto o secretário de Saúde do DF defende Organizações Sociais, pacientes morrem nos hospitais vítimas de superbactérias. Hospitais Regionais de Santa Maria (HRSM), de Sobradinho (HRS), de Taguatinga (HRT) e do Guará (HRGu), tem os primeiros focos. Nos últimos quinze dias, quatro pacientes morreram, todos internados no HRT.
Em matéria do Correio Braziliense deste Sábado (6/Jun) a Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF) já admite haver mais de 200 casos de pessoas colonizadas por Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC) e desses, cerca de 100 já desenvolveram infecção. Os números refletem a incidência de apenas um dos três tipos de bactérias, KPC, enterecoco e acinetobacter, superbactérias que vem causando danos e mortes nas unidades de Saúde do DF. Mas os dígitos ainda podem aumentar, pois ainda faltam ser contabilizados outras ocorrências, ainda sob análise do Laboratório Central (Lacen).
O que parece ser o princípio de um surto, que a SES-DF sugere ser resultado da falta de procedimentos de higiene, na verdade, pode ser reflexo da omissão do Estado. A afirmação vem de Sindicatos ligados à Saúde e de especialistas em Saúde e em Gestão hospitalar, com quem o blog Política Distrital tem conversado nos últimos dias.
A crise de abastecimento de remédios e insumos; a falta de médicos e demais servidores, de manutenção e reposição de equipamentos para a realização de exames, podem contribuir para agravar o quadro e propagar as superbactérias em pontos distintos de várias unidades de saúde do DF. Um dos casos está ligado diretamente aos antibióticos.
Falta de higiene e resistência a antibióticos não explicam tudo
De um lado o subsecretário de Atenção à Saúde, Tadeu Palmieri, sugere que a evolução das superbactérias esteja relacionada à resistência aos antibióticos, do outro, a Médica infectologista, Maria de Lourdes Lopes, aponta a falta de higiene entre médicos e pacientes, em relação à higienização das mãos.
Recentemente, em entrevista à Record, o médico, Guttemberg Fialho, presidente do Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico), questionou a SES-DF: “A falta de antibióticos está sendo rotineira. Está se usando antibiótico de plantão. Você sabe o que é isso? É o que tem, não é o que o paciente deve usar. Aí você tem resistência bacteriana, de pacientes criando resistência aos antibióticos e o surgimento das superbactérias que está sendo colocado na mídia.”, afirmou.
Em Nota de Esclarecimento emitida neste sábado (6/Jun), o SindMédico contesta os argumentos apresentados pela SES-DF: “Se a proliferação desenfreada de infeções por bactérias multirresistentes fosse provocada simplesmente porque profissionais deixam de lavar as mãos, o atual quadro seria permanente e não uma endemia como a atual.”.
O SindMédico ainda acusa a SES-DF de negligenciar o abastecimento da rede: “Desde o início do ano, ocorre uma falta geral de antibióticos na rede pública de saúde do Distrito Federal. Os médicos são obrigados a tratar infecções que não eram graves, mas precisavam de internação hospitalar, com carbapenêmicos – medicamentos mais recentes indicados para casos mais complexos. (…) É de conhecimento geral que o uso indiscriminado de antibióticos de largo espectro provoca a seleção de bactérias multirresistentes.”.
O Sindicato alerta ainda sobre a falta de medicamentos que comprometem a higienização sanitária nas unidades de Saúde: “Além da falta de medicamentos, as unidades convivem com falta de materiais de bioproteção, como máscaras, capotes, luvas de procedimentos, algodão para higienização de estetoscópio, álcool gel e até material de limpeza.”.
Outros problemas apontados são a superlotação e a sobrecarga dos servidores. “O impacto da superlotação de pacientes sem acomodações adequadas – tanto mais nos casos em que é necessário o isolamento – e a sobrecarga de trabalho sobre médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem contribuem ainda mais para o aumento da ocorrência de infecções.”, afirma o documento.
SindMédico não está sozinho.
O vice-presidente do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem do DF (Sindate-DF), Jorge Vianna, lembrou episódio mostrado essa semana em reportagem da TV Globo, do uso de sacos de lixo, por profissionais de enfermagem, em substituição ao capote.
Segundo Vianna: ”A situação está tão crítica, que tem técnico de enfermagem usando saco de lixo como capote, além de muitos estarem usando luvas cirúrgicas no lugar das luvas de procedimento, o que se torna bem mais caro. A ingerência está muito evidente na Secretaria de Saúde.” Afirmou ao alfinetar: “Não sei se, somente por falta de dinheiro, ou por falta de habilidade.”, concluiu Vianna.
Dinheiro há, mas…
Um especialista em gestão pública, que prefere não se identificar, fez, a pedidos do Política Distrital, uma análise sobre os gastos do governo. Isso, à partir de dados extraídos do Sistema Integrado de Gestão Governamental do DF (SIGGO-DF) de Abril, que demonstram problemas com a Atenção Básica à Saúde, ao apontar pouco investimento em prevenção, por parte da SES-DF.
Segundo o especialista: “Se analisar os gastos do GDF e da Secretaria de Saúde, é possível observar que a despesas da Secretaria não acompanham o mesmo ritmo de execução do GDF. Os blocos importantes como a Atenção Básica, têm pouca ou quase nula execução orçamentária. Isso acontece também em outros blocos, a exemplo da Vigilância Sanitária.”, afirmou.
O especialista exemplifica o caso da Vigilância Sanitária, com aporte financeiro de aproximadamente R$ 19 milhões. Isso porque ao longo dos seis meses da gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB), a SES-DF empenhou pouco mais de R$ 1 milhão. “É difícil imaginar o motivo de a Secretaria de Saúde não estar utilizando os recursos com tantos casos de superbactérias em hospitais e até em UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do DF.”, ponderou.
Falta exames de hemograma
Outro problema que pode agravar a propagação das superbactérias é a falta de estrutura adequada à realização de exames de detecção. Embora o caso ainda não tenha chegado à imprensa, o Hospital de Ceilândia emitiu comunicado aos Centros de Saúde da regional Ceilândia, para avisar a suspensão dos exames de hemogramas (3/Jun) e, em apuração por parte do Blog, os exames não voltaram a ser realizados até o momento. De acordo com o comunicado: “O equipamento encontra-se inoperante e sem previsão de manutenção pelas empresas responsáveis.”
Outra fonte observa ainda que o Hospital de Base do DF (HBDF) também falta Kits para cultura e antibiograma (2/Jun).
Calote em fornecedores
Um dos motivos que pode ocasionar o caos na Saúde do DF é o não pagamento de dívidas do GDF à dezenas de fornecedores, durante o exercício anterior, inscritos atualmente em Restos à Pagar (RAP), mesmo com o GDF contando em caixa com cerca de R$ 200 milhões para efetuar os pagamentos, ao final de 2014.
Conforme matérias publicadas por Política Distrital, muitos desses fornecedores alegam insegurança jurídica e se negam a atender novas demandas da SES-DF. Isso porque essas empresas tem conhecimento da existência de recursos em contas do BRB, investidos em CDB, RDF e poupança, quando a Secretaria deveria saldar as dívidas em relação as Notas de Empenhos (NEs) emitidas até o fim da gestão do governo anterior.
Críticas à gestão
O episódio das superbactérias tira de cena, momentaneamente, a agenda do secretário de Saúde, João Batista de Sousa, em relação à defesa da vinda de Organizações Sociais para gerir a Saúde pública do DF, mas o coloca na mira da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que cobra uma solução por parte de Sousa.
Por outro lado, gestores, sindicatos e especialistas em Saúde, não poupam críticas à gestão de Sousa e demais colaboradores: “Falta gestão e total falta de conhecimento da Secretaria de Saúde. Aliado a isso, temos o despreparo para o exercício da função. É covardia culpar o servidor pelo aparecimento de superbactérias resistentes. Sempre existiram, mas tínhamos condições e arsenal para combatê-las. Não sei qual é o problema mais grave, se as superbactérias ou os parasitas à frente da Secretaria de Saúde.”, afirmou uma das fontes ao Política Distrital.