Por Betânia Santos
O programa Big Brother Brasil, sucesso da TV Globo há mais de 20 anos, tem entrado em nossas casas no horário nobre com histórias que sequestram a atenção e pautam o debate público. Um espaço de discussão dos temas da atualidade que já foi das novelas da noite acabou loteado pelo reality show, com seus participantes motivando torcida tão apaixonada quanto a dos nossos times de futebol do coração. A cultura do cancelamento, as questões raciais e outros temas identitários tiveram seu lugar recentemente.
Após dois anos de pandemia da Covid-19, período que manteve os desafios da Saúde ainda mais presentes no centro do noticiário, parece que a presente edição do programa entendeu a necessidade de colocar na casa “mais vigiada do Brasil” um número inédito de profissionais do setor: sete dos 22 (ou 30%) participantes. A fala de um médico colocou a desvalorização da Enfermagem no centro da mais recente polêmica.
Numa tentativa de “lacrar” sobre a questão racial, Fred Nicácio, que é negro, recordou de seu tempo como fisioterapeuta, quando teria dividido seu interesse de realizar um procedimento de intubação com uma enfermeira branca. Na ocasião, ela teria dito que aquele trabalho não seria “para ele” (entendendo-se que não seria para um negro como ele). Sete anos depois, Nicácio teria encontrado a mesma profissional na condição de auxiliar, momento ao qual se referiu a ela como “minha enfermeira”, colocando-a como uma subalterna.
Nicácio não calculou que sua fala, que ele entendeu como positiva (!), repercutiria negativamente sobre alguém da mesma raça que ele e da mesma maltratada categoria que ela. O relato insensível do “brother” acabou atingindo o enfermeiro Cezar Black, que manifestou toda a sua mágoa em uma conversa com Domitila Barros. Às lágrimas, o baiano mencionou o comentário como ofensivo e uma questão contra a qual a Enfermagem “briga todos os dias”.
O relato do médico foi infeliz na medida em que nenhuma categoria tem primazia sobre a outra nos plantões de Saúde. Todos atuam de acordo com suas prerrogativas e competências, a serviço do paciente, que é quem pode se referir ao profissional como “minha enfermeira“.
Num contexto em que a Enfermagem luta contra a desvalorização salarial histórica para fazer valer o Piso Nacional nos contracheques, torna-se ainda menos pertinente a colocação com verniz classista de Nicácio. Esperemos que sirva para pautar o debate público no sentido que Cezar Black deu e que entendemos correto: a categoria da Enfermagem é guerreira, está presente desde o nascimento até o último suspiro de cada um de nós e seguirá sempre na luta por seu merecido reconhecimento.
* Betânia Santos é presidente do Conselho Federal de Enfermagem