CNJ: Jornalistas apontam as novas formas de censura à imprensa



Por Luiza Fariello

Embora não exista mais a figura de um censor do governo nas redações impedindo a publicação de matérias de jornais, rádio e televisão, ainda existem no País novas e graves formas de censura contra veículos de imprensa.

Esta preocupação foi manifestada por jornalistas e demais profissionais que participaram do painel ‘Novas e Velhas Formas de Censura’, durante o Seminário “30 anos Sem Censura: a Constituição de 1988 e a Liberdade de Imprensa”, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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A figura de ‘Dona Solange’, que se tornou um símbolo da censura como diretora do Departamento de Censura durante o regime militar, com a função de vetar qualquer notícia com ideias consideradas perniciosas à população, foi lembrada por Judith Brito, administradora em empresas de mídia, que representou na Associação Nacional de Jornais (ANJ).

Em lugar das notícias, eram publicadas receitas de bolo no Jornal da Tarde ou versos dos Lusíadas de Camões no O Estado de São Paulo. “Apesar de termos virado essa página, ainda temos de enfrentar desafios como os pedidos de políticos que pretendem impedir a veiculação de informações que consideram falsas, fazendo com que alguns juízes impeçam a publicação, sob pena de pesadas multas”, disse Brito.

Para ela, ainda que erros e injustiças possam ocorrer, isso seria um mal menor do que se institucionalizar a censura prévia pela via judicial. “O interesse público claramente se sobrepõe ao individual”, disse. Uma das novas formas de censura debatidas foram as indenizações de valores exorbitantes, muitas vezes dirigidas a jornalistas – e não a veículos de imprensa -, causando inclusive o fechamento de jornais.

“Uma condenação de R$ 50 mil para um jornalista é algo muito grande, e ele acaba se autocensurando, se constrangendo com medo de dar notícias”, afirmou Taís Gasparian, advogada que atua em defesa de veículos de imprensa.Outras formas de censura ocorrem, na opinião da advogada, como nos recentes casos em que houve pedido de quebra de sigilo de fontes ouvidas em reportagens, ouvidas sob a condição de preservar o seu anonimato.

“O jornalista não é obrigado a fornecer informações sobre a fonte dele, e isso é uma proteção para a população. Se a fonte não for preservada, ela não fornece a informação”, lembrou a advogada. Gasparian posicionou-se ainda contra o chamado ‘direito ao esquecimento’, justificativa para que se retirem da internet notícias já publicadas.“É importante para a história e para o futuro que se preservem até os erros”, disse Gasparian.

Igreja Universal 

Um dos casos mencionados pelos palestrantes foi a ‘metralhadora judicial’ acionada pela Igreja Universal do Reino de Deus que, em 2007, ajuizou mais de cem ações simultaneamente, utilizando seus fiéis como partes em diferentes cidades do País contra o jornal Folha de S. Paulo e a jornalista Elvira Lobato, autora de uma série sobre o patrimônio pouco conhecido da igreja.

As ações se davam em juizados de pequenas causas, nos quais a presença da parte era indispensável, fazendo com que a defesa tivesse de se deslocar a locais como uma cidade a 300 quilômetros de Manaus, no interior da Amazônia,só alcançável por barco. Neste caso, o Judiciário reconheceu a má-fé da estratégia jurídica da igreja e o mérito das ações deu vitória ao jornal e à repórter.

 “Nem falar mal pode”

A jornalista Helena Chagas trouxe ao seminário uma pasta que pertenceu ao seu pai, o jornalista Carlos Chagas, contendo as laudas censuradas, por meio de uma caneta vermelha, de matérias vetadas no ’O Estado de São Paulo’pelo regime militar. As matérias censuradas tratavam não apenas de temas que desagradavam ao governo, mas também de assuntos banais.

Curiosamente, um dos artigos censurado apresentava uma visão negativa do regime cubano, com a observação do jornalista Chagas de que se tratava de um ‘artigo cavalheiro’, ou seja, que deveria agradar ao governo dos generais. “Nem falar mal podia”, observou  Helena Chagas.

Para ela, os artigos censurados mostram a brutalidade da censura. “É função de nós, jornalistas, mostrar para quem não viveu a ditadura o que foi esse regime e a censura de Estado que nós tivemos”, afirmou.

Texto censurado por agentes da repressão do regime militar. Arquivo pessoal do jornalista Carlos Chagas. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.

Segundo o jornalista Domingos Meireles, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e que coordenou o painel chamado “Novas e Velhas Formas de Censura”, a censura sempre esteve ligada ao poder, desde a Inquisição da Idade Média (a partir do Século 13), quando era tarefa dos comissários do Santo Ofício impedir pela força quaisquer tipo de comentários quem violassem as regras e dogmas da igreja. “No Brasil, a imprensa foi cúmplice da censura e sustentou o governo militar durante um longo período”, lembrou Meireles.

Cala a boca já morreu

De acordo com dados da ANJ apresentados no seminário, em anos eleitorais há um crescimento no número de processos, com pedido de remoção de conteúdo por políticos e partidos – somente em 2016 foram 667 casos. Entre 2008 e 2017, ocorreram  841 casos de ameaças, mortes e atentados contra jornalistas.

Outro dado alarmante é a posição do Brasil no 103º lugar no ranking de liberdade de imprensa, entre 180 países, elaborada pela ONG Repórteres sem Fronteiras. O jornalista Carlos Lindenberg lembrou que o Brasil foi, em 2016, o sétimo país do mundo em número de jornalistas assassinados, segundo a Unesco – nos últimos 11 anos, foram 930 jornalistas mortos exercendo o seu trabalho.

A cada dez casos, apenas um é resolvido, observou Lindenberg.  “A impunidade encoraja o assassinatos e intimida os jornalistas”, disse. O jornalista lembrou de um episódio recente em Guaxupé, Minas Gerais, em que vários veículos de comunicação foram processados pela publicação da notícia de afastamento de doze dos treze vereadores da cidade.

“O juiz da comarca absolveu os grandes veículos e condenou os pequenos”, anotou Lindenberg. Judith Brito destacou o voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ e do STF, que lhe rendeu o premio ANJ de Liberdade de Imprensa em 2015: “Censura é forma de calar a boca. Pior, de calar a Constituição. O que não me parece constitucionalmente admissível é o esquartejamento da liberdade de todos em detrimento da liberdade de cada um. Cala a boca já morreu! É a Constituição do Brasil que garante”, escreveu a ministra, em sua decisão.

Fonte: Agência CNJ de Notícias



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