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30 out 2024 04:27


Cortes de gastos na Saúde são “morte do SUS”, diz ex-ministro

Por Bia Souza

O governo interino de Michel Temer apresentou propostas que podem provocar mudanças na vida dos brasileiros. Na Saúde, a proposta de limitar gastos obrigatórios representa um impacto direto no SUS (Sistema Único de Saúde). O ministro escolhido para a pasta, Ricardo Barros, não tem experiência na área e, até agora, focou suas falas apenas em cortes e gestão do dinheiro.

Da forma como a Constituição está hoje, o Governo Federal tem que aplicar no mínimo 13,2% de sua receita líquida em Saúde. Com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sugerida pelo governo, a Saúde deixaria de ter uma garantia de percentual de receita obrigatória. A União cumpriria um valor mínimo –que ainda não foi especificado– que seria corrigido anualmente pela inflação.

“Como está proposto, inviabiliza o funcionamento do programa. Ou seja, a morte do SUS”
Ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro

Segundo Chioro, que chefiou a pasta entre 2014 e 2015, os cortes girariam em torno de R$ 44 bilhões a R$ 65 bilhões a menos para o SUS a partir do próximo ano. “[Assim], não é possível manter programas básicos, como a atenção básica, vacinas, sangue, medicamentos, controle de doenças, SAMU, Santas Casas, UTI”, diz.

Para José Gomes Temporão, ministro da Saúde entre 2007 e 2010, não se trata apenas da morte do sistema, mas de colocar a população em risco. “Com o corte de recursos o governo teria que dizer quantas pessoas vão morrer. Não estamos falando de números e sim de vidas. Sem dinheiro, o tempo para conseguir uma cirurgia, ou mesmo o tratamento para câncer vai aumentar.”

Além da PEC, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Barros afirmou que o país não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante, como o acesso universal à saúde. Após repercussões negativas, tanto Barros quanto Temer disseram que a área não seria afetada neste momento.

Saúde é importante para o país crescer

Para a pesquisadora da Fiocruz, Isabela Soares Santos, reduzir o investimento em saúde pode agravar os problemas financeiros do país. “Sociedades que investem em saúde conseguem sair da crise melhor que as que não investem. O principal foco neste momento deveria ser ir contra a PEC porque isso vai deixar o ministério com menos recursos. Na crise, as pessoas precisam ainda mais de saúde pública. Sem emprego, as pessoas não pagam convênios. E sem saúde não trabalham para melhorar a economia”, diz a pesquisadora.

Temporão diz que uma saída para ter mais dinheiro para a Saúde sem aumento de impostos para toda a população seria sobretaxar produtos que causam doenças como refrigerantes e cigarros.

“Deveríamos ter impostos sobre refrigerante e fast-food. Tais produtos levam a problemas de saúde, então faz sentido esse recurso voltar à população”
Ex-ministro José Gomes Temporão

Hoje são R$ 118 bilhões previstos no orçamento de 2016 para a Saúde, e, destes, R$ 5,5 bilhões estão contingenciados, ou seja, não estão disponíveis. Com isso, programas como o Farmácia Popular, o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), e as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) só têm recursos para funcionar até agosto. As UPAs são custeadas com 50% de recursos do Governo Federal, 25% do Estado e os outros 25% de responsabilidade das prefeituras, que administram as unidades. O ministério diz que está decidindo junto com a equipe econômica como recompor o orçamento.

Prioridades

Com a redução do orçamento, os especialistas afirmam que o maior investimento deve ser direcionado ao Programa Saúde da Família. As equipes do programa são responsáveis pelo atendimento primário, como exames e consultas, além da troca de curativos e outros procedimentos simples, é feito nas UBS (Unidades Básicas de Saúde) ou Postos de Saúde. Formadas por médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agente de saúde, também são responsáveis pelas campanhas de vacinação e pelo acompanhamento de doenças como diabetes e hipertensão.

“Melhorar o SUS de um dia para o outro é impossível. O ideal é investir na saúde da família”
Miguel Srougi, urologista e professor da USP

Segundo Srougi, o ideal é ter uma equipe para levar a prevenção nos bairros para tratar as doenças mais simples. “O governo anterior não se interessou por ele, o ideal é o que o novo focasse nisso. Existem lugares muito carentes onde as pessoas não conseguem sair de onde estão. Por que não parar de fingir que destina valores e ser honesto no tratamento das famílias?”, questiona.

Cotado para o Ministério da Saúde do governo interino de Temer, Srougi diz que não aceitou o cargo por não se achar preparado. “O Ministério da Saúde precisa ser gerido por um economista. Enquanto não houver uma gestão competente, o ministério não vai andar para frente.” No entanto, o médico criticou a escolha de Ricardo Barros, por não ter experiência na área de saúde. “Ele deu uma olhada no SUS, viu que o programa estava devastado e deu uma opinião. O SUS é um tremendo sistema de Saúde”, afirma.

Para se ter uma ideia, outros dois programas importantes para a saúde do brasileiro também estão no SUS: o Mais Médicos e o combate à zika e ao Aedes aegypti. Mas as  campanhas de controle da dengue e de doenças transmissíveis estão sem liderança. Segundo o ministério, os programas continuam em andamento com a equipe técnica.

O programa Mais Médicos é motivo de discórdia desde sua implantação. São 64 milhões de brasileiros atendidos por 11.429 estrangeiros, 1.537 profissionais formados no exterior e 5.274 brasileiros. O novo governo já afirmou que quer dar mais espaço para brasileiros no programa, o que já vinha sendo feito nas últimas chamadas do governo Dilma Rousseff.

Para Srougi, melhorar as condições de atendimento nos locais mais carentes, com enfermeiras e materiais são mais importantes do que o programa de incentivo de envio médico. O governo diz que, em parceria com os municípios, está garantindo recursos para auxílio na expansão e qualificação da rede de saúde.

Já as epidemias ligadas ao mosquito devem ser parte das prioridades dos investimentos do novo governo, dizem os especialistas. Chioro afirma que é preciso organizar as ações dos municípios, Estado e União para que elas sejam feitas de maneira integrada.

“A única forma de controle dessas epidemias é o controle do mosquito. O que mais falta é maior integração entre os diversos serviços de saúde”
Edison Bueno, professor de saúde coletiva da Unicamp

Para onde vai o dinheiro?

Outro problema apontado pelos especialistas é que o ministério gasta muito dinheiro onde “não deveria”. Em 2014, a Saúde gastou quase R$ 1 bilhão no pagamento de medicamentos, tratamentos, cirurgias e equipamentos garantidos judicialmente. Para obter um comparativo, os recursos destinados ao edital para pesquisas que contribuam na prevenção, no diagnóstico e no tratamento de infecções causadas pelo vírus da zika são de R$ 65 milhões –equivalente a 6% do judicializado–, sendo que os valores são custeados com uma divisão entre as pastas de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério da Educação.

Dos gastos com demandas judiciais, R$ 257,9 milhões foram usados para a compra de apenas 11 tipos de remédios não registrados na Anvisa, uma medida criticada pelos médicos. Segundo o professor de infectologia da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Marcos Boulos, o judiciário precisa aceitar assessoria especializada antes de tomar decisões relacionadas a Saúde.

“Não é incomum, indivíduos geralmente com condições financeiras buscarem salvaguarda jurídica quando os medicamentos que desejam não estão disponíveis. Isso é decidido pelo judiciário, sem avaliar se existe um similar, se existe comprovação da eficácia, se o medicamento foi aprovado etc. Quando o produto é caro, os recursos são desviados de outros programas onerando ainda mais a sociedade”, diz.

Isso porque essas ações usam o direito universal proposto na Constituição para conseguir tais remédios ou tratamentos caros, mas acabam por “retirar” o direito, pela falta de verba, de outros, principalmente da população carente, que recorrem ao SUS para o tratamento básico de saúde.

Os planos de Saúde também oneram o sistema: o SUS pede mais de R$ 4,2 bilhões de ressarcimento porque há uma lei que garante que atendimentos feitos a usuários de planos de saúde em hospitais públicos ou privados devem ser pagos pelas operadoras contratadas, desde que o serviço esteja previsto no contrato do beneficiário. Além disso, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que 30,5% dos gastos na área de saúde representam renúncia de arrecadação de impostos, de empresas ou as deduções feitas no imposto de renda de pessoa física.

Fonte: UolNotícias

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