Sai ano, entra ano, e as histórias das gestões governamentais são sempre as mesmas. Presidentes, governadores e prefeitos utilizam como justificativa da ineficiência do primeiro ano de mandato, o excesso de dívidas, a escassez de recursos e o emprego desordenado das verbas públicas promovido pelos antigos gestores, o recebimento da máquina falida e até a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal servem como desculpa.
Final de ano, vem Natal, vai o ano velho, chega o Ano Novo e enfim. Agora é a hora! Opa! Ainda tem o Carnaval. E mais algumas semanas ainda serão necessárias para que as coisas voltem ao normal. E como no ano anterior, quase nada aconteceu de bom, mas o ano acabou de começar! E lá vêm as publicidades, tímidas, mas que nunca falham nessa época. Entre uma novela e uma globeleza, as TVs e jornais estampam propagandas das revoluções que estão por vir. Parece até um sonho, o admirável mundo novo. Aldous Huxley que o diga!
Meses passam, com algumas mobilizações aqui, uns escândalos ali. Alguém reclama que a saúde deixou de investir 10 milhões em recursos previstos no orçamento do ano anterior, recurso esse que daria para recuperar os serviços de emergência de um hospital sucateado situado em uma comunidade carente e que funciona com penas 30% de capacidade operacional por causa da precariedade da estrutura.
Enfim, chega outubro, novembro e a sociedade mais uma vez acompanha aquelas propagandas que insistem em aparecer para lembrar que o sonho existe. As ciclovias cercadas de áreas verdes com pessoas transitando sorridentes, ou ainda, o fluxo dos carros no trânsito de uma área nobre da cidade. –Nossa! Está ali, na telinha, não é um sonho, é de verdade mesmo. –Será vai chegar até aqui?
Mais dois anos e nada acontece. O trânsito caótico e de tráfego lento, por causa dos desvios dos buracos mal recapeados que sucumbem as primeiras chuvas de verão entopem as emergências dos hospitais e aumentam as ocorrências policiais. Afinal, buracos causam acidentes, que causam vítimas e discussões ao longo das avenidas de queijo suíço.
E onde ficaram as estratégias do governo? Despejando recursos dos cofres públicos em obras superfaturadas e às vezes ilícitas afinal, são todas emergenciais. –Você não viu que o buraco quase engoliu o caminhão? Será que é o mesmo que engoliu o garotinho que morreu? –Mas se for, cresceu muito rápido esse buraco heim! –Agora foi um caminhão? –Se deixar como está, vira outra erosão, e vai de encontro com aquele da próxima esquina. –Ai engole todo mundo e lá vem à imprensa queimar com a minha imagem. –Nada disso, dá seus pulos aí e contrata a empreiteira, e não esqueça meus 30%. –E filma a obra toda, ano que vem tem campanha eleitoral e precisamos mostrar o quanto fizemos pela cidade.
Quarto ano, muitas expectativas, poucas realizações, campanha eleitoral. Opa! E a propaganda eleitoral obrigatória. A dona Maria que tantas vezes viu o sonho anunciado na TV, e que, embora more em uma casinha alugada, de dois cômodos, com água racionada, sem esgoto e sem iluminação pública, ela vai ficar cheia de esperanças. O seu Zé que arrasta aquele corcel 76 com tanto orgulho precisa acreditar que verá na sua rua ao menos uma manta asfáltica brasileira, já que a suíça é coisa importada. Tudo isso é quase uma realidade e eles precisam saber disso.
Zé precisa ver que o buraco que quase engoliu o caminhão já foi tampado, com os restos da demolição da antiga casa do grileiro que virou deputado ou deputado que se tornou grileiro. Maria precisa saber que a chuva da próxima estação não vai levar a casa dela pois as empresas exemplares da cidade despejaram os dejetos na erosão, que se abre perto da casa dela, durante a operação tapa buraco. Até o serviço de limpeza urbana, já passa pelo bairro, para ajudar a reduzir o buraco com lixo. –Veja que isso estimula o crescimento, e traz o progresso para a região, daqui a pouco colocam uma cooperativa de catadores na beira da vala.
A propaganda eleitoral é importante para mostrar, principalmente em casos de reeleições, as filmagens feitas no decorrer do mandato, as famosas obras de emergências. Elas devem ser mostradas, tanto para que os cidadãos vejam, que o sonho está ali, no quintal do vizinho, pertinho deles e, que está chegando; quanto para justificar que o pagamento dos impostos é que financiaram tantas realizações.
Enfim, um mandato inteiro se passa, cheios de sonhos vendidos e pesadelos vividos por quem não pode pagar o preço. E as desculpas continuam a mil, afinal, quem poderia prever que a chuva choveria, que o sol, insolaria, que a seca secaria e que o bicho pegaria. Mas é para isso que existe eleição, época de campanhas, promessas, sorrisos e o povo ganhando leite e pão enquanto sonham com o file mion. Acorda povão!