Uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina (FMUSP) da USP mostrou que o vírus da covid-19 pode afetar o sistema reprodutor masculino. Os resultados mostraram que, de 26 pacientes com casos leves e moderados da doença, que não se queixavam de dores escrotais, 42,3% apresentaram epididimite (inflamação que acomete o epidídimo, um canal localizado na parte posterior dos testículos).
O artigo Radiological patterns of incidental epididymitis in mild-to-moderate COVID-19 patients revealed by colour Doppler ultrasound foi publicado em 9 de fevereiro na revista científica Andrologia.
O epidídimo é um órgão com 6 metros de comprimento [extensão sem compactação], por onde os espermatozoides passam para adquirir uma série de funções bioquímicas que visam a fertilizar o óvulo.
Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, os pesquisadores começaram a se debruçar sobre possíveis sequelas relacionadas à saúde reprodutiva masculina. Isso porque na primeira epidemia de SARS que aconteceu na Ásia, em 2002, estudos com autópsias mostraram que pacientes mais graves tinham orquite, uma inflamação dos testículos.
“O vírus da SARS estava relacionado a esse acometimento testicular porque ele se ligava a uma proteína chamada ACE2 e a outra chamada TMPRSS2 para entrar na célula”, explica o urologista Thiago Teixeira, que participou do estudo.
Quando foi percebido que o SARS-CoV-2, vírus da covid-19, também utiliza o mesmo mecanismo do vírus da SARS para invadir as células e que os testículos são ricos em ACE2, os cientistas perceberam que o órgão é um possível alvo para infecção. Além disso, os pesquisadores também notaram, ao decorrer da pandemia, pacientes com alterações no sêmen e nos parâmetros seminais.
“A ideia então foi estudar os pacientes que estavam na enfermaria e ver o estado dos testículos deles através de ultrassom doppler”, explica Jorge Hallak, professor do Departamento de Patologia da FMUSP e coordenador do Grupo de Estudo em Saúde Masculina do Instituto de Estudos Avançados (IEA), também da USP, e um dos autores do estudo.
O foco da pesquisa foi descobrir se em casos leves e moderados havia algum acometimento do testículo que pudesse passar despercebido e, no futuro, deixar sequelas. “Se os espermatozoides não passarem pelo epidídimo, há diminuição da fertilidade”, detalha.
De acordo com Jorge Hallak, “é como se o testículo tivesse a ‘chave’ e a ‘fechadura’ que possibilita a entrada do vírus nas células. A fechadura é o receptor ACE-2 e a chave, a proteína TMPRSS2” – Foto: Reprodução do artigo SARS-CoV-2 and its relationship with the genitourinary tract: Implications for male reproductive health in the context of COVID-19 pandemic
Infecção no epidídimo
Os pacientes que participaram do estudo tinham entre 18 e 55 anos, faixa etária sexualmente ativa e com propósito de fertilidade. Teixeira conta que o critério de exclusão entre os selecionados foi muito rígido, para garantir que outros problemas não estivessem causando acometimento testicular. “Nós verificamos com urologista por meio de exame físico e depois ultrassom. Este último é um ótimo método para avaliar o aspecto do testículo, sendo a melhor forma de verificar se há orquite e epididimite.”
Dos 26 pacientes, nenhum deles apresentou dores escrotais, entretanto 42,3% tinham epididimite. Segundo Teixeira, o trabalho chama a atenção para os exames físicos e de ultrassonografia em pacientes de quadro moderado com o intuito de identificar uma epididimite. “Mesmo na ausência de dores no testículo, eles podem ter essa inflamação que, no futuro, poderá causar algum problema.”
Jorge Hallak também atenta para o estudo dos problemas que o novo coronavírus pode causar à saúde reprodutiva masculina.
“É uma doença muito mais séria do que imaginávamos em termos de saúde do homem, em particular. O segundo órgão, depois do pulmão, com maior quantidade de receptores ACE2 é o testículo.”
Agora, os pesquisadores estão desenvolvendo estudos para entender melhor como o SARS-CoV-2 pode afetar os hormônios masculinos, principalmente a testosterona, e também buscam responder por qual motivo homens morrem mais de covid-19 do que mulheres. Para a última questão, os cientistas procuram provar que esse índice de mortalidade maior é um fenômeno biológico.
Mais informações: e-mail: [email protected], com Thiago Teixeira; e [email protected], com Jorge Hallak.