Entre janeiro e julho de 2024, a fila de regulação por vagas em creches públicas do DF foi reduzida de aproximadamente 15900 para 7800 crianças. A lista de espera passou a ser pública e atualizada online . A redução ocorreu durante cumprimento de sentença obtida em 2010 pela Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) em ação civil pública (ACP). Ao longo desse período, o Distrito Federal não cumpriu a decisão que o obrigava a “garantir o atendimento gratuito de todas as crianças de zero a seis anos, domiciliadas no Distrito Federal, em creches e pré-escolas oficiais”.
Em abril de 2023, a Proeduc iniciou a execução de multa contra o Distrito Federal, sustentando a desídia do ente público. Requereu, ainda, a intimação pessoal da Secretária de Educação e do Governador do Distrito Federal para o pagamento de multa diária estabelecida em acórdão de 2018, fixada “por descumprimento no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada uma das autoridades em destaque, limitada, em ambos os casos, ao montante de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais)”.
Em outubro de 2023, teve início mediação conduzida pelo Núcleo de Mediação e Conciliação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (Nuvimec), em cujo âmbito vêm ocorrendo frequentes reuniões entre os representantes do Governo do Distrito Federal, do Ministério Público e outros atores para tratar do cronograma de ampliação de vagas.
No âmbito da mediação, foi instituído grupo de trabalho interinstitucional, para discutir a atualização e aprimoramento dos critérios de prioridade de acesso às vagas existentes, com participação de representantes do TJDFT, Secretarias de Estado da Educação (SEE), de Justiça e Cidadania (Sejus), de Saúde (SES), de Desenvolvimento Social (Sedes), da Procuradoria-Geral do DF (PGDF), da Defensoria Pública do DF e das Promotorias de Justiça da Educação (Proeduc), da Infância e Juventude (PJIJ) e dos Direitos Difusos (Proreg) do MPDFT.
Foram estabelecidos pelo Grupo de Trabalho critérios objetivos para acesso a vaga na creche, que pontuam renda familiar, situações de vulnerabilidade diversas, crianças em contexto de violência com medidas protetivas, entre outras. “O Ministério Público entende que, enquanto a situação fática for de insuficiência de vagas para atendimento de todos os interessados, são necessários parâmetros objetivos para assegurar o acesso justo e impessoal das crianças de acordo com a ordem de prioridade. Simultaneamente, a Promotoria de Educação busca medidas efetivas para a concretização do acesso universal”, avalia a titular da 2ª Proeduc, Fernanda Moraes.
Atualmente, o Ministério Público está analisando o plano de ação para garantia de vagas em creches proposto pelo Distrito Federal para o período de 2023/2028. Os promotores de Justiça de Educação salientam que um acordo somente será viável com um plano de ação minucioso, que contemple medidas e cronograma para criação de vagas de creche, por regional de ensino e tipo de turma (Berçário I e II, Maternal I e II), suficientes para acesso universal (atendimento de 100% da demanda), contendo, ainda, adequada previsão orçamentária. A ampliação deve levar em consideração não apenas a demanda reprimida atual, mas também a permanência sequencial dos alunos na rede, dados censitários e projeção demográfica da população infantil (especialmente SUS dependente/nascimentos em maternidades públicas do DF).
Histórico
Em 1993, a Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude do MPDFT ajuizou ação civil pública com o intuito de condenar o Distrito Federal ao “cumprimento de obrigação de fazer, consistente em garantir a partir do ano seguinte ao trânsito em julgado da sentença o atendimento gratuito de todas as crianças de zero a seis anos, domiciliadas no Distrito Federal, em creches e pré-escolas oficiais”.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (RE 229.760-DF, Rel. Min. Ayres Britto) deu provimento ao recurso do MPDFT e julgou procedente o pedido inicial. Em 12/03/2010, houve o trânsito em julgado e o cumprimento de sentença teve início em 15/07/2010. “A omissão do Distrito Federal em garantir acesso universal a creches perdura há 14 anos, negando direitos fundamentais às crianças e impedindo suas mães e pais de realizarem os seus projetos de vida”, avalia o promotor de Justiça titular da 1ª Proeduc Anderson Pereira de Andrade.
Ao longo dos anos, não foram apresentados planos de ações concretas, dados quantitativos para a realização das matrículas em relação à demanda reprimida ou cronogramas de implementação, apenas cartas de intenções. O Ministério Público realizou, nesse período, vários pedidos de multas e de sequestro de verbas públicas para atender ao fim proposto na ação.
Programas
Anteriormente, o plano de ação apresentado pelo DF, nos autos da ACP, foi o “Programa de Ampliação de Vagas em Creche 2019-2022”, já na gestão do atual governo do DF. O documento foi questionado pelo Ministério Público por não conter informações necessárias à efetiva estruturação e implementação da política pública. Entre as informações faltantes, segundo a Proeduc, o plano não previa a imediata construção de novas unidades, não discriminava nem justificava o número de vagas que pretendia criar por regiões e tipos de turmas.
A Promotoria avalia que foram ignorados dados censitários escolares e a projeção demográfica da população infantil; não foram trazidos ao processo dados relativos a projeções orçamentárias e financeiras e procedimentos licitatórios hábeis à realização do programa proposto. O Ministério Público concluiu que nem todas as crianças que estavam aguardando vagas em creches iriam usufruir das vagas que supostamente seriam criadas.
Apesar de ter sido apresentado nos autos da ação civil pública, o “Programa de Ampliação de Vagas em Creche 2019-2022” não foi cumprido integralmente. A Proeduc afirma que não foram comprovadas as novas vagas e não foram criadas nem metade das vagas planejadas. Das 10 creches prometidas, somente uma foi licitada e nenhuma teve a obra iniciada. O DF se comprometeu a apresentar relatórios trimestrais, mas apenas os apresentou esporadicamente.
A 3ª Turma Cível do TJDFT proferiu acórdão em 2018, que concluiu que “os Senhores Governador e Secretário de Estado de Educação do Distrito Federal são as autoridades imbuídas do cumprimento de sentença com exatidão, ficando inclusive submetidos à eventual responsabilização por ato atentatório à dignidade da justiça, no caso de descumprimento”.
O voto do desembargador-relator, acompanhado pelos demais integrantes da turma, determinou “o cumprimento da tutela equivalente, no sentido de que seja promovido, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, sob a coordenação e execução dos Senhores Governador e Secretário de Estado de Educação, o necessário cronograma para a consecução de um plano de trabalho que contemple parâmetros objetivos aptos ao atendimento gratuito e público de todas as crianças de zero a cinco anos de idade”, e fixou os valores da multa, que foram executados em 2023.
Meses após o pedido da execução da multa fixada pelo TJDFT teve início o processo de mediação capitaneado pelo NUVIMEC-TJDFT, em que o governo do Distrito Federal comprometeu-se a dar transparência e auditabilidade aos critérios para a escolha das crianças que terão garantida vaga na Educação Infantil. Além do mais, apresentou recentemente plano de ação para garantia de vagas a todas as crianças que necessitam de creche e pré-escola. Tal plano se encontra sob análise do MPDFT e dos participantes do processo de mediação. Vinte e nove sessões semanais de mediação foram realizadas até o momento para a consecução da política pública. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios segue firme no seu propósito de buscar a garantia dos direitos fundamentais indisponíveis da população sentando-se à mesa e buscando, junto com os gestores e os outros importantes atores, mudar o cenário da Educação Infantil no Distrito Federal.