Participaram da mesa a doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP e professora da Unifesp, Virgínia Junqueira; o promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Combate à Corrupção de Goiás, Fernando Krebs e a professora Ana Maria Ramos Estevão, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
O Ataque aos Cofres públicos, instrumento criado para denunciar os reflexos nefastos da terceirização e precarização dos serviços públicos, realizou, na última quarta-feira, o debate “O Desvio dos Recursos da Sociedade e o Desmonte dos Serviços Públicos pelas Organizações Sociais: Como enfrentar?”.
O encontro reuniu na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) especialistas que há anos vivenciam experiências traumáticas de transferência de recursos e de gestão para modelos de cunho privatizante, em especial as OSs.
Eles relataram os desdobramentos práticos da terceirização e as estratégias de luta contra essa tendência fartamente disseminada nos últimos anos em prefeituras e governos estaduais e federal. Ao final, refletiram sobre as saídas para garantir a execução das políticas públicas com qualidade e mantendo seu caráter estatal.
Participaram da mesa a doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP e professora da Unifesp, Virgínia Junqueira; o promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Combate à Corrupção de Goiás, Fernando Krebs e a professora Ana Maria Ramos Estevão, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. A mediação foi do presidente do Sindica- to dos Servidores Públicos Municipais de Santos (Sindserv), Flávio Saraiva.
O promotor Fernando Krebs discorreu sobre a realidade preocupante do Esta- do de Goiás, onde em quatro anos todos os hospitais públicos foram repassados para administração das Organizações Sociais e há o emprenho do governador Marconi Perillo (PSDB) de fazer o mesmo na educação. “Nos hospitais tivemos uma série de problemas. Os recursos repassados só aumentaram e o atendimento não sofreu melhora. Pelo contrário, em alguns o atendimento e a qualidade foram reduzidos. Vivemos uma cri- se de financiamento e começaram aparecer mais mazelas”, contou.
Segundo o promotor, auditorias do próprio poder executivo reconheceram documentalmente falhas e desvios das OSs na Saúde. “Em vistoria das vigilâncias sanitárias municipal e estadual foi constatado uma série de irregularidades graves como, por exemplo, reutilização de compressas”.
Ainda na área hospitalar, duas promotoras estão fazendo o enfrentamento da terceirização dos serviços e já conseguiram uma liminar proibindo novos contratos de gestão. “O Tribunal de Justiça derrubou essa decisão provisória e o mérito está para ser julgado. Estamos otimistas. A forma como são fechados os contratos é uma lambança. Estabelecem coisas absurdas. Hoje, caso a OS cumpra apenas 60% da meta, ela receberá 80% dos recursos”.
Educação
Na Educação, onde o plano do tucano é passar as 1.200 escolas para OSs, a luta jurídica também teve uma primeira vitória. O processo de qualificação das entidades foi questionado e o Governo teve de voltar atrás. As instituições qualificadas não tinham a menor condição de serem credenciadas. “Eram organizações criadas nas coxas, sem menor credibilidade. Uma era comandada por um veterinário. Outros dirigentes de OSs tinham ações de falsidade ideológica e outros crimes”, explica,
Paralelo ao embate jurídico, a pressão popular foi fundamental para retardar o processo de terceirização das escolas goianas. Segundo o promotor, a resistência dos professores e dos estudantes em um movimento de ocupação de escolas foi determinante. “No meu estado houve uma conjunção de esforços dos movimentos sociais e dos órgãos de controle. É a única solução para resistir a iniciativas que atentem contra o interesse público”.
Não há controle e qualidade é menor nos serviços terceirizados
Parte do fundo público, ou seja, do dinheiro que os governos arrecadam com os impostos que todos nós pagamos, está servindo para financiar privatização e para destruir gradativamente as políticas sociais. A afirmação é da doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP e professora da Unifesp, Virgínia Junqueira.
Após apresentar uma radiografia do que compõe o fundo público e como é distribuído, a professora ressaltou que investimentos em programas sociais estão sendo drenados para fins estranhos à sua natureza. E de várias formas. Renúncia fiscal, subsídios a empresas privadas e socorro a bancos são algumas.
Um outro formato de dilapidação do fundo público é a contratação de Organizações (OSs) para executar tarefas do poder público. Para Virgínia, um dos grandes problemas desse instrumento de gestão é a falta de controle dos recursos.
“É preciso que a população se organize para controlar o que é chamado de fundo público. A partir de vários estudos, vemos que ocorre o contrário. Até estudiosos que não são contra o modelo enfatizam que o controle é muito frágil. Significa que o dinheiro é mau usado, que não há garantia da qualidade”, diz.
Ela cita a Santa Casa de São Paulo, que entrou em colapso. “Como o governo não sabia o que se passava nas finanças do maior prestador privado do município e talvez do estado? Se já é difícil fazer o controle na administração direta, fiscalizar entidades que atuam como empresas privadas é quase impossível”.
A professora Ana Maria Estevão abordou os efeitos da terceirização para os trabalhadores como mais um causador da piora do atendimento.
Começou questionando o termo publicização dos ser- viços, usado pelos gestores para denominar a transferência de gestão de unidades e programas para as OSs. “O que os governos fazem é tornar os serviços menos públicos, uma vez que os recursos são geridos por uma lógica empresarial. O poder público abre mão de sua responsabilidade. Os serviços passam a ser públicos apenas no sentido de que são voltados para o público, para a sociedade. No entanto, uma vez terceirizados, deixam de ser estatais”.
A professora justifica que as entidades nada mais são do que agenciadoras do trabalho humano. Elas sujeitam os trabalhadores a vários tipos de fragilidades, começando pelas garantias trabalhistas. “Como não há estabilidade, a rotatividade de funcionários e a descontinuidade dos ser- viços é alta. A qualidade cai”.
Além disso, o profissional da OS não mantém vínculo com o público para o qual presta o serviço. Seu ‘patrão’ não é a população, mas um empresário que visa o lucro em detrimento do bem estar de todos. “Nas unidades geridas por terceiros, agrupam-se vários tipos de categorias num mesmo ambiente profissional. Acirra-se a competição, diminuindo salários e diferenciando remunerações. Os sindicatos são distintos. A força de trabalho se fragmenta e a luta por melhores condições para garantir atendimento se enfraquece”.
O mais grave nesse quadro é que ele é sustentado com recursos públicos, desfavorecendo duplamente os que contribuem para o fundo público, ou seja, o usuário da saúde, da educação, da cultura. Em síntese: o povo. “Sem contar que tudo é feito a um custo maior, pois a terceirização encarece os serviços prestados”.
Ana Maria chama a atenção para o processo de transformação do usuário do ser- viço público em consumidor. “Incute-se a ideia de que não existem mais direitos, que as pessoas consomem mercadorias apenas. Essa transformação do cidadão em mero consumidor é um dos conceitos que definem a terceirização”.