A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta terça-feira (18), condenou o deputado Eder Mauro (PSD-PA) pelo crime de difamação agravada praticado contra o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Os ministros entenderam que Mauro, de forma fraudulenta, adulterou e divulgou no Facebook um discurso de Wyllys para dar a entender que o ex-parlamentar teria preconceito contra negros e pobres. A decisão foi proferida na Ação Penal (AP) 1021.
Por maioria de votos, foi fixada a pena de um ano de detenção, em regime aberto, mais 36 dias-multa no valor de um salário mínimo por dia estabelecido, a ser revertido ao fundo penitenciário. Também por maioria, a pena privativa de liberdade foi substituída pela de prestação pecuniária (artigo 45, parágrafo 1º, do Código Penal), consistente no pagamento de 30 salários mínimos à vítima. Esse valor foi fixado como montante mínimo para reparação dos danos causados pela infração. Em ambos os casos, ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que não concordou com a imposição do regime aberto nem com a substituição da pena privativa de liberdade.
Adulteração
Em maio de 2015, Eder Mauro publicou em sua página no Facebook o vídeo de uma reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados com a edição de uma fala de Jean Wyllys. No discurso, o ex-parlamentar dizia que havia, no imaginário de algumas pessoas, “sobretudo nos agentes das forças de segurança, de que uma pessoa negra e pobre é potencialmente perigosa”. O vídeo foi editado, e a publicação na página de Eder Mauro continha apenas a parte final, dando a entender que Wyllys teria dito apenas que “uma pessoa negra e pobre é potencialmente perigosa”.
Por videoconferência, o representante de Wyllys, autor da queixa-crime, afirmou que o deputado do PSD havia adulterado o vídeo “de forma ardilosa” para publicá-la em sua conta no Facebook, com intuito claramente difamatório. Apontou a clara vontade de ofender, pois, ao alterar substancialmente a fala do então deputado Jean Wyllis, Eder Mauro tinha como objetivo imputar a ele uma manifestação ofensiva aos negros, como se fosse sua opinião. Ressaltou ainda que, no interrogatório, Mauro disse conhecer o discurso político do ex-deputado em favor das minorias.
Inaplicabilidade da imunidade parlamentar
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela condenação do deputado e sustentou que a imunidade parlamentar não se aplica ao caso, porque “a conduta de produzir material difamatório não se enquadra no contexto de opiniões, palavras e votos proferidos por um parlamentar”. Observou que o laudo da perícia criminal comprova a montagem e a adulteração do vídeo e que o deputado foi responsável pela publicação em sua página no Facebook, mesmo tendo conhecimento de que o conteúdo divulgado era totalmente distinto do que defendeu Wyllys na CPI que apurava a violência contra jovens e negros e pobres no Brasil, da qual também participava e frequentava as reuniões.
Alegação de imunidade
Em manifestação por escrito, a defesa do parlamentar afirmou que a conduta estaria amparada pela imunidade material parlamentar. Segundo o advogados, Eder Mauro “apenas e tão somente divulgou em sua página no Facebook trechos da manifestação” de Wyllys na CPI, sem intenção de manipular fraudulentamente seu discurso. Alegou, também, que não houve edição ilícita do vídeo, “e sim, na verdade, apenas e tão somente, um seccionamento de parte da manifestação levada a efeito através do representante durante reunião da CPI”.
Intenção de difamar
O relator da ação penal, ministro Luiz Fux, afirmou que a edição do discurso foi fraudulenta e teve o intuito de ofender a honra de Wyllys. Segundo ele, a publicação do vídeo foi feita de modo doloso, para atribuir ao ex-deputado uma conduta gravíssima (a prática de preconceito racial e social) e teria atingido seus objetivos. De acordo com depoimentos anexados aos autos, a fala editada teve “impacto substantivo e absolutamente negativo” junto aos ativistas do movimento negro e dos movimentos sociais. Fux observou que, em razão da edição, o ex-parlamentar foi obrigado a se explicar por supostamente ter dito algo contrário às bandeiras que defendia junto a seu eleitorado.
Responsabilidade
Para o ministro Fux, não é possível retirar a responsabilidade de autores de perfis utilizados para a disseminação dolosa de campanhas difamatórias, caluniosas ou injuriosas nas redes sociais, fundadas em conteúdos falsos. Segundo ele, é irrelevante, para fins de determinação da autoria, o anonimato do “criador do conteúdo”: basta a demonstração do conhecimento do titular do perfil sobre a fraude do conteúdo e sua intenção de causar danos à honra das vítimas.
Um dos pontos observados pelo relator foi que a publicação teve mais de 250 mil visualizações, cerca de 14,8 mil aprovações (curtidas) e mais de 12 mil compartilhamentos. Ele destacou que, mesmo após ser comunicado de que o vídeo não correspondia à realidade, Mauro só o excluiu da rede social por determinação judicial. Na sua avaliação, o deputado do PSD tinha todas as informações necessárias para conhecer o descompasso entre o discurso efetivamente proferido por Wyllys e o divulgado no vídeo publicado por ele no Facebook, “com adulterações aptas a inverter o sentido da fala e a conferir-lhe teor racista”.
Fux salientou ainda que a imunidade parlamentar, prevista no artigo 53 da Constituição Federal, não se aplica a este caso, pois a ofensa à honra não ocorreu em um debate, por exemplo, mas pela divulgação de um vídeo adulterado com a intenção de incompatibilizar o então deputado com a comunidade que o apoiava. Segundo ele, a imunidade parlamentar material, estabelecida para a proteção do livre exercício do mandato, não confere aos parlamentares o direito de empregar expediente fraudulento, artificioso ou ardiloso para alterar a verdade.