Em 1993, Bolsonaro tentou ‘riscar do mapa’, demarcação de terra indígena Yanomami. De 2019 a 2023, um projeto de governo?

Permitir ou fazer ‘vista grossa’ para agressões, chacinas, assassinatos ou deixar morrerem envenenados por mercúrio ou por desnutrição é visto como possível ‘modus operandis’ de prática de genocídio de gestão Bolsonaro para dizimar povos originários e facilitar ocupações de exploração por garimpeiros, grileiros, madeireiros e pescadores ilegais

Por Kleber Karpov

A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Roraima, no sábado (21/Jan), Lula expôs ao país e ao mundo, condições degradantes que tem levado a óbito de centenas de índios yanomamis. Os relatos das mortes evitáveis de aproximadamente 570 crianças indígenas, ao longo dos últimos quatro anos, aliado a uma série de acontecimentos diretamente ligadas à política pública da gestão do ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro (PL/RJ), acabam por chamar atenção para denúncias que a dizimação dos indígenas era uma espécie de projeto de governo.

Para Lula, “Um crime premeditado contra os yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro.”, conforme publicação na rede social do presidente.

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Há 30 anos

Muitos acreditam que a relação de Bolsonaro com os yanomami teve início com a posse, na presidência da República, ainda em 2019 ou pouco antes, por ocasião da campanha eleitoral de 2018.

Ainda em pré-campanha, em 5 de abril de 2017, o deputado federal, ex-capitão expulso do Exército vociferou sobre áreas aos indígenas ou quilombolas. “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou quilombola.”.

Fonte: The Intercept Brasil

Porém, a atuação de Bolsonaro, na Câmara do Deputados, demonstra que a ‘perseguição’, ou tentativa de ‘tomada’ das áreas reservadas aos povos originários teve início, ao menos 30 anos antes. Isso é o que demonstra, por exemplo, a apresentação, do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 253 de 1993, com objetivo de sustar os efeitos de decreto de demarcação de terra indígena yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas.

Garimpo, desmatamento, especulação, agro…

Embora a tramitação do PDL 253/93 esteja arquivada, desde 31 de janeiro de 2007, após a posse, como presidente da República, Bolsonaro pode mobilizar a equipe do governo para tentar dar legalidade ao que antes se tratavam de práticas criminosas, a exemplo da extração de ouro e cassiterita, por meio de garimpos ilegais que poluem os leitos dos rios com mercúrio; a expansão do desmatamento da floresta para derrubadas de árvores para contrabando de madeiras nobres; grilagem de terra com finalidade de se promover especulação imobiliária, criação de pastos ou ampliação do agronegócio e até mesmo para estimular a pesca ilegal.

Garimpo ilegal ao lado da aldeia Homoxi, flagrado em janeiro deste ano; além do ouro, agora também a cassiterita ameaça o território Yanomami em Roraima – Foto: © Bruno Kelly/HAY/Instituto Socioambiental

De um jeito ou de…‘oro’

Funai que, ainda em 2019, já era denunciada, por lideranças yanomami, ao então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (ex-Democratas atual PSDB/SP), da entrega do órgão, responsável por proteger os indígenas, aos ruralistas. Iniciativa essa, de Bolsonaro, a expor os indígenas a vulnerabilidade territorial decorrente da invasão das terras por madeireiros.

No Executivo, de um lado, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, foi responsável por estagnar demarcação de 17 terras indígenas em todo Brasil (29/Jan/2020), ao se valer de um parecer da gestão Temer, sobre imposição de aplicação de um ‘marco temporal’ nas demarcações. Com isso, em vez de dar avançar com tais processos, os remeteu à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Via Legislativo, o próprio Bolsonaro apresentou o Projeto de Lei (PL) 191/20, que chegou a ter aprovado, requerimento de apreciação em regime de urgência, na Câmara dos Deputados (09/Mar/2022). O PL que estabelece a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas, de acordo com o ex-mandatário do Palácio do Planalto, para promover o “aproveitamento econômico de territórios indígenas”. Projeto que teve a tramitação barrada, por pressão da oposição (09/0br/2022) e, em especial, dos indígenas que exigiram a devolução do projeto ao Executivo.

Fonte: Agência Câmara

Proposta essa que contou com manifestação da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF)(8/Mar/2022), órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República. A 6CCR/MPF considerou o PL, inconstitucional, por conter “vício insanável” e incompatível a pretensão de se regulamentar a atividade minerária em terras indígenas.

Também na Câmara, outras iniciativas continuam a tramitar, a exemplo da Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 187/2016 que permite atividades agropecuárias e florestais em terras indígenas, desde que exercidas de forma direta pelas próprias comunidades, com autonomia para administrar bens e comercializar os produtos. Ou ainda, a PEC 243, considerada inconstitucional por permitir o arrendamento das terras, por produtores rurais, sem participação ou consulta às populações indígenas, apenas com a autorização da Funai.

Passem a boiada

Não por outro motivo, o povo brasileiro assistiu, perplexo, a fatídica reunião ministerial de Bolsonaro (22/Mai/2020), em que dentre tantos outros absurdos, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles [eleito e diplomado deputado federal (PL/SP) em 2022], sugeriu ir “passando a boiada”, enquanto o mundo discutia a pandemia da Covid-19, já que pelo Congresso a oposição e opinião públicas servia de barreira. Fato concreto é que a boiada passou.

Fonte: BBC News

E a boiada passou…

Em 20 de abril de 2020, mais de 600 servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) reagiram e denunciaram o que classificaram ser prejuízos “sem precedentes”, uma instituição da Instrução Normativa Conjunta (INC) 01, de 14 de abril daquele ano, em que os presidentes do Ibama, Eduardo Bim, e do ICMBio, Fernando César Lorencini alteraram o processo de apuração de crimes ambientais e cobrança de multas. Entre as mudanças apresentadas, estavam a necessidade de se apresentar relatórios, antes de realizar uma ação fiscalizatória, além de criarem prazos, na avaliação dos agentes, “considerados impossíveis de serem cumpridos”.

Posições essas, tratadas pelo policial militar, o tenente-coronel Wagner Tadeu Matiota, nomeado para coordenar o setor de apuração de infrações ambientais no Ibama, afirmou se tratar de uma “evolução” em relação à regra anterior. “É uma mudança cultural”, declarou. “A fiscalização vai ter que se reinventar. É inovação. Esse é o conceito da alta administração. A norma está publicada e vai ficar.”. Ocasião em que Matiota ameaçou adotar medidas contra servidores que não seguirem as novas orientações.

A madeira passou…

Tantos foram os bois passados por Salles que o ministro se tornou denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF), pelo ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, com a apresentação de notícia-crime (14/Abr/2021).
Saraiva havia coordenado uma apreensão histórica no Pará, em dezembro de 2020, da Operação Handroanthus. O que foi considerado a maior extração de madeira ilegal na região amazônica, com carga de mais de 200 mil metros cúbicos de madeira, avaliada em mais de R$ 130 milhões.

Fonte: Jornalismo TV Cultura

Porém, após confisco da apreensão, estranhamente, Salles se manifestou, inclusive ‘in-loco’ em solidariedade, aos criminosos. Ocasião em que contestou a ilegalidade da documentação e pediu a devolução da madeira apreendida. Fato esse que resultou na denúncia de Saraiva contra o então ministro do Meio Ambiente.
A noticia crime, ao STF, acabou por resultar na exoneração de Saraiva, do cargo de superintendente, pelo então diretor-geral da PF, Paulo Maiurino. Atitude considerada, em especial no meio político, uma retaliação por parte de Bolsonaro. O então deputado federal, Paulo Pimenta (PT/RS), à época questionou o silêncio da PF para explicar a demissão de Saraiva.

Salles caiu, porém…

No entanto, outra investigação, há pouco mais de um mês, a operação Akuanduba, também deflagrada pela PF (19/Mai/2021), resultou na queda do então MMA. Conduzida pelo delegado Franco Perazzoni, Salles foi considerado um dos suspeitos de cometer “crimes contra a administração pública, como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando, praticado por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro”.

Sob pressão, a denúncia acabou por resultar na exoneração de Salles (23/Jun/21), ao que classificou de um processo de “criminalização” de opiniões divergentes sobre a questão ambiental. “Eu entendo que o Brasil, ao longo desse ano e no ano que vem, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa ter uma união muito forte de interesses, de anseios e de esforços. E para que isso se faça da maneira mais serena possível, eu apresentei ao senhor presidente o meu pedido de exoneração, que foi atendido e eu serei substituído pelo secretário Joaquim Álvaro Pereira Leite, que também tem muita experiência e conhece todos esses assuntos”, declarou.

Fonte: TV Brasil

Porém, a saída de Salles acabou for fazer uma nova vítima na PF. Perazzoni foi ‘dispensado’ em 17 de junho de 2021, da função de chefe da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros do DF, conforme publicação de portaria no Diário Oficial da União (DOU)(21/Jun/2021). Exoneração essa, também, considerada como interferência por parte de Bolsonaro, conforme manifestação, por exemplo, do então deputado federal, Paulo Pimenta (PT/RS), atual Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República do governo Lula, por meio do microblog Twitter.

E daí?

Talvez o leitor se pergunte, a essa altura. Que relação tem as mortes por desnutrição das tribos indígenas Yanomami? A resposta é simples. Tudo está relacionado.

Conforme resgatou o agente ambiental do Ibama, Wallace Lopes, em uma postagem no Twitter, de trecho de entrevista a emissora de TV, Bolsonaro, ao lado do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo/MG), comentou sobre o potencial econômico de Roraima.

“Eu costumo dizer que Roraima tem uma Tabela periódica debaixo da terra. É uma coisa inacreditável, até disse certa vez, se fosse rei de Roraima, em 10 anos, teria uma economia próxima do Japão.”, afirmou Bolsonaro.

‘Em cima da terra’

Se por um lado, Bolsonaro tinha uma tabela periódica, ou o PIB do Japão no subsolo de Roraima, sobre a terra, o ex-chefe do palácio do Planalto era incapaz de enxergar a região amazônica, como um todo como pulmão do mundo, e sim como um
Informações do Instituto Socioambiental (ISA) de 2019, a população yanomami é composta por 26.780 pessoas, em uma região de aproximadamente 192.000 km², em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela, distribuídas em 340 comunidades. Na parte brasileira, a população estimada é de 19.338 indígenas, a viverem nos estados de Roraima e Amazonas, em área equivalente a 96.650 km². Região essa rica em minérios a exemplo do ouro, prata, cassiterita, esse último, com demanda global, por ser utilizado na fabricação, desde lata de alimentos, até a fabricação de vidros e telas de celulares.

Sob essa ótica, para o ex-presidente, sem soluções práticas legais, explorar os recursos de Roraima, permitir, ou fazer ‘vista grossa’ a ação de garimpeiros que se instalaram ilegalmente no local; contaminavam os rios; confrontassem, agredissem ou aliciassem tribos indígenas se obteria um ‘modus-operandis’, conveniente. Com a ‘ajuda’ da pandemia da Covid-19, então.

Vozes caladas

A visita de Lula a Roraima, trouxe a tona, uma avalanche de denúncias, relacionadas a mortes de 570 crianças, além de adultos, em decorrência de desnutrição. Porém, para o governo, o caso pode ir além e se enquadrar em ação deliberada da gestão de Bolsonaro, com objetivo de dizimar a tribo indígena. Desde a retomada de garimpos ilegais nas terras yanomami, os conflitos entre garimpeiros e índios se tornaram constantes.

Em 25 de Abril de 2022, uma menina yanomami, foi morta, na comunidade em Araça, região de Waikás, há cerca de 1h14 de voo, de Boa Vista. Segundo relatos recebidos pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami.

Hekurari afirmou ainda que, na mesma ação, uma tia, tentou salvar a menina. Na confusão, uma criança, filha dessa tia, caiu no rio e desapareceu. “A adolescente estava sozinha na comunidade e os garimpeiros chegaram, atacaram e levaram ela para as barracas deles. A tia dela defendeu [a sobrinha]. Quando estava defendendo, os garimpeiros empurram ela em direção ao rio junto com a criança. Essa criança se soltou no meio do rio, acho que estava em um barco. Eles invadiram e levaram [a menina] para o barraco dos garimpeiros e a violentaram brutalmente, estupraram essa adolescente. Moradores de lá me disseram que ela morreu. Então, é muito triste, muito triste mesmo”, afirmou em entrevista ao G1 Roraima.

Á época, a Polícia Federal, refutou a ocorrência do crimes de estupro e assassinado da menina de 12 anos. Isso após realização de investigação com duração de pouco mais de 10 dias.

Fonte: SBT News

Importante também trazer a tona a morte de duas crianças Yanomami, uma de 8 e outra de 5 anos, vítimas de afogamento, na região do Rio Uraricuera, no município de Alto Alegre em Roraima (12/10/2021).

As crianças foram ‘sugadas’ por uma draga – equipamento utilizado para retirar areia e minérios do fundo do rio. O caso revelou a explosão do garimpo ilegal nas terras yanomami.

Garimpo ilegal na região do Parima, em terra indígena Yanomami, às margens do rio Uraricuera, no município de Alto Alegre, em Roraima – Foto: Divulgação

Adendo: Outras vozes caladas, mesmas causas

Outro caso que chama atenção foi o assassinato, em junho de 2022, na terra indígena Vale do Javari, situada na região de tríplice fronteira do Brasil, Colômbia e Peru, do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, conhecido por Dom Phillips. Mortes essas que causaram comoção e repercussão mundial.

Embora os assassinatos tenham ocorrido a cerca de 2 mil quilômetros de distância das terras das tribos yanomami, a região passou a se tornar constante alvo de assassinatos, e abusos sexuais, e têm como causa o abandono do poder público, que naquela região foi retomado, ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), ocasião em que houve massacre de 20 indígenas, e acabou por se acentuar no governo de Bolsonaro.

Casos que demonstram problemas em comum, a exemplo da omissão por parte do poder público para com a gestão do Meio Ambiente e dos povos originários, da segurança pública dos povos indígenas e ribeirinhos, o que acaba por estimular e beneficiar invasões ilegais e práticas de uma gama de crimes em reservas indígenas.

Vale lembrar que Bruno Pereira, assassinado com Dom Phillips, na primeira semana de junho de 2022, havia pedido exoneração da Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai, então presidida pelo delegado da Polícia Federal, Marcelo Augusto Xavier da Silva, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança, então sob o comando de Sérgio Moro.

Não menos importante lembrar que a Funai chegou a ser investigada, na operação ‘Avarus’, da Polícia Federal, além da Força Nacional e o Ministério Público Federal (MPF) (14/12/2022), por suspeita de participação do alto escalão, no desmatamento e grilagem de terras indígenas Terra Indígena Ituna-Itatá, no sudoeste do Pará. Ironia do destino, ou não, um dos investigados, Geovanio Katukina, ocupava justamente o mesmo cargo de Bruno Pereira, na Funai.

Na segunda-feira (23/Jan/23), a Polícia Federal, confirmou o nome de Rubens Vilar Coelho, conhecido como Colômbia, do mandante da execução de Bruno Pereira e Dom Phillips. Colômbia, é considerado suspeito de liderar uma organização criminosa de pesca ilegal no Vale do Javari e atuou com os três participantes executores do assassinato.

Fonte Jornal da Cultura

Omissão Pública

Reformam os pedidos de responsabilização, inúmeras manifestações, em especial de lideranças e ONGs, em relação a pedidos de ajudas oficialmente formulados ao poder público.

A repórter Carol Castro de The Intercept Brasil, na reportagem “Governo Bolsonaro ignorou 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami”, faz um resgate a denúncias de lideranças indigenas, em novembro de 2020, da invasão de garimpeiros no noroeste de Roraima. “Muitos maquinários, eles têm internet, muitas lanchonetes, combustível e muitas armas de fogo”.

Nas duas dezenas de pedidos de ajuda, os Yanomami oficiaram o Exército, a Funai, Polícia Federal e o MPF, sempre trouxeram casos de ataques, perseguições e emprego de violência por parte dos garimpeiros invasores.

Participação Pública

Se de um lado a omissão do poder público fica patente, do outro a participação, evidenciou a falta de bom senso na gestão pública. Esse foi o caso da aprovação da Lei estadual  1.453/2021, pelo governador de Roraima, Antonio Denariium (PP). A lei que institui o Licenciamento para a Atividade de Lavra Garimpeira no estado. Dentre outras pérolas, a lei liberava o uso de mercúrio contrabandeado para o garimpo ilegal. Algo considerado inconstitucional pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.

Em outro episódio, Denariium sancionou a lei é a nº 1.701/2022, que proibia a destruição de equipamentos de garimpeiros, apreendidos durante operações e fiscalizações ambientais. Lei, destinada a beneficiar o que o governador classificou de “empreendedores da mineração” e, considerada inconstitucional por parte do MPF (29/06/2022). “as ações de descaracterização, destruição ou inutilização de bens apreendidos são previstos na Lei 9.605/1998 e no Decreto 6.514/2008. Além disso, as normas já foram reconhecidas pelo STF como “imprescindíveis para o enfrentamento do garimpo ilegal”.

Antonio Denarium, apoiador político de Jair Bolsonaro – Foto: Divulgação/PR

No Supremo

Importante salientar que ao perceber a omissão, por parte do governo federal, sob a gestão de Bolsonaro, com os constantes pedidos de ajuda por parte dos povos originários yanomami, entidades recorreram até o STF (24/Mai/2021) – diga-se de passagem, poder de importante atuação durante para se fazer contrapeso as forças destrutivas por parte do Executivo, em especial no que tange a pandemia do coronavírus (SARS-Cov-2), da legitimidade do sistema eleitoral e da manutenção da democracia –, caso da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), sob coordenação jurídica de Samara Pataxó, protocolou petição ao Supremo para cobrar do governo federal adoção de medidas emergenciais para impedira escalada da violência nas tribos yanomami, em Roraima, e das terras mundurucu, no Pará.

Na ocasião, o STF determinou ao governo federal, a retirada dos garimpeiros das terras yanomami (24/Mai/2022), ocasião em que Barroso, no STF estabeleceu prazo de 10 dias para que a União se manifestasse sobre as denúncias e informasse medidas já tomadas para garantir a segurança dos indígenas, na região.

Em trecho da decisão Barroso determinou “à União a adoção imediata de todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as TIs Yanomami e Munduruku, diante da ameaça de ataques violentos e da presença de invasores, devendo destacar todo o efetivo necessário a tal fim e permanecer no local enquanto presente tal risco.”;

Barroso solicitou ainda à PF, informações sobre eventuais dificuldade de ação para garantir a segurança dos Yanomami, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para informar as empresas que forneciam internet aos garimpos ilegais, ou a forma que obtinham tais acessos e ainda, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para que informasse as distribuidoras e revendedoras de combustível aéreo da região, bem como solicitou informação quanto a regularidade de tais ações. Determinação essa, também efetuada por parte do MPF, que determinou, ainda, ao Ibama e a Funai, a realização de monitoramento da região.

Confira a decisão do STF

Envenenamento por mercúrio

Enquanto permaneciam desamparados, com o avanço do garimpo ilegal em Roraima, os yanomamis foram diretamente impactos em diversos problemas graves de saúde, seja por envenenamento por mercúrio, por contrair doenças de invasores, uma vez que os indígenas não tinham imunidade a doenças, até então consideradas, urbanas.

Uma das causas da doença dos yanomamis ocorre em decorrência do envenenamento por mercúrio, utilizado pelos garimpeiros ilegais na extração e separação de impurezas do ouro e posterior despejo, nos rios, sem qualquer tratamento. O que contamina, água, peixes, lençóis freáticos, além de afetar a cadeia alimentar de outros animais que fazem parte da dieta alimentar dos indígenas da região.

Utilizado em garimpos ilegais, mercúrio é descartado nos rios sem tratamento – Foto: Reprodução da Internet

Reportagem do G1 Roraima (22/Ago/2022), abordou a divulgação, naquela data, de estudo realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Evandro Chagas e a Universidade Federal de Roraima (UFRR), que demonstrou um teor de mercúrio, acima do recomendado ao consumo humano, em investigação de 70 espécimes de peixes do Rio Branco, Baixo Rio Branco, Mucajaí e Uraricoera, contaminações essas, provenientes dos garimpos ilegais nas terras yanomami.

“Os níveis mais baixos de contaminação possivelmente refletem a maior distância dos pontos de garimpagem ilegal de ouro, na TI Yanomami. Mesmo distantes dos pontos de garimpo, ¼ dos pescados obtidos em Boa Vista encontram-se com concentrações de mercúrio acima de limites seguros para o consumo humano”, ressaltaram os especialistas.
Exposições essas que de acordo com os pesquisadores, podem ter diversos impactos na saúde. Entre as crianças, com níveis de contaminação elevado, há risco que podem ocorrer, ainda na gestação, como incidência de paralisa cerebral, deformidades e malformação congênita. Além de limitações na fala e mobilidade.

Pandemia do coronavírus

No auge da pandemia, da covid-19, uma das principais preocupações das tribos indígenas em todo o país, era se garantir a existência de barreiras de contenções de modo a impedir que o vírus chegasse a tais comunidades. Sob essa ótica, a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves (Republicanos), que deve assumir cadeira no Senado Federal, protagonizou episódios que a colocam, em investigações solicitadas ao STF e à Procuradoria-Geral da União (PGR), como participante ativa no que é considerado crime de genocídio.
Isso após denúncias virem a público em que Damares Alves pode ter pedido a Bolsonaro, para vetar a entrega, aos indígenas, de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ventiladores pulmonares, água potável, materiais de limpeza e de higiene pessoal e, até, informativos sobre a covid-19, no auge da pandemia.
Pedido esse que, oficiado, por meio de Nota Técnica de 2020, pelo então secretário Nacional Substituto da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR) do MMFDH, Esequiel Roque do Espírito Santo. Isso, sob alegação que os indígenas a serem beneficiados, por falta de consulta, do Congresso Nacional.

“Mesmo cientes da situação de excepcionalidade vivida pelo país e da celeridade em aprovar projetos de lei que beneficiem e protejam os povos tradicionais, os povos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais, eles não foram consultados pelo Congresso Nacional”, apontou Damares Alves no pedido, acatado por Bolsonaro.
Porém, somente após denúncia e, intervenção de Barroso, à época, o STF, determinou que os povos originários tivessem assistência por parte da União.

Outro caso que depõe contra Damares Alves, foi na denúncia, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, de 18 de agosto de 2020, contra o MMFDH por incluir, apenas, 163 das 537 terras indígenas (com exclusão das que possuem povos isolado), no plano de instalação de barreiras sanitárias, contra a Covid-19, nas aldeias indígenas.
Segundo denúncia da Articulação, em conjunto com seis partidos políticos: PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT, apontaram alhas e omissões do governo federal no combate ao coronavírus nas aldeias indígenas, uma vez que cerca de 70% das reservas indígenas acabaram por ficar de fora do planejamento do Ministério, algo que fatalmente exporia os índios ao coronavírus. Caso que também parou nas mãos do ministro Barroso, no STF.

https://youtu.be/JHX56T_9B5Q

Fonte:STF

Emergência em Saúde

O fato concreto é que quatro anos de descaso e ações consideradas intencionais para se tentar remover as tribos yanomami de suas terras, as comunidades indígenas se tornaram refém da própria sorte e de desassistência médica, o suficiente para atender os povos originários naquela região.
Membro da comitiva de Lula, antes mesmo de chegar a Roraima, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, tinha uma noção do que encontraria ao publicar no Twitter “A situação é grave em território Yanomami”.

E de fato, como bem classificou o secretário de saúde Indígena (Sesai), do MS, Weibe Tapeba “o cenário é de guerra”, disse após visita ‘in-loco’. Tanto, que Nísia Trindade
declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) e instalamos um Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE). Isso para poder mobilizar recursos humanos, financeiros e logísticos de modo a garantir assistência médica aos indígenas gravemente doentes, em que tiveram que resgatar ao menos 14 crianças, além de idosos e adultos, com quadros severos de desnutrição.

Além do quadro de desnutrição severa, Nísia Trindade identificou dezenas de crianças e idosos diagnosticados com malária. Antes mesmo de embarcar para Roraima na comitiva de Lula, a ministra em publicação no Twitter, revelou números dados e informações desoladoras. Somente em 2022, mais de 11500 índios yanonami, contraíram malária. Ou ainda a morte de três crianças indígenas entre os dias 24 e 27 de dezembro de 2022.

Em relação aos quadros de malária, por suposta ‘ironia’ do destino, além de medicamentos em falta na unidade de atendimento aos yanomami, como dipirona e paracetamol, também não havia cloroquina, medicamento prescrito para o combate da malária.
Cloroquina essa, que a gestão de Bolsonaro, definido por alguns conselheiros do Conselho Federal de Medicina (CFM), fez questão de distribuir, fartamente, no combate a Covid-19. Ainda que, sem evidências científicas quanto a eficácia do medicamento para o combate do coronavírus.

“Para a Gloria de Deus”

Reportagem do jornalista Alvaro Gribel, de O Globo, trouxe a luz da sociedade, uma outra ponta, sobre a gestão de Bolsonaro em relação aos povos indígenas, no que tange a transferência de recursos. De acordo com o Portal da Transparência, ao longo dos quatro anos de governo, o ex-presidente destinou ao Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena, um orçamento de R$ 63,.13 milhões. Desses, R$ 5,44 bilhões foram empenhados e utilizados. O que equivale a uma execução na ordem dos 88%.

A reportagem identificou ainda, o repasse de R$ 872 milhões, ao longo dos quatro anos, à ONG Missão Caiuá, com sede no Mato Grosso do Sul (MS). Valor, quase o dobro que o repassado ao Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo que recebeu R$ 462 milhões.  Porém, o resultado não chegou à ponta, da assistência a saúde dos povos originários.

Acionado, o advogado da ONG, Cleverson Daniel Dutra, explicou que o valor recebido abrange a cobertura de contratação de profissionais de saúde para diversas ‘áreas indígenas’. O montante referente aos Yanomamis foi de R$ 182,28 milhões, com execução de R$ 147,91 milhões.

Porém, chama atenção que embora a ONG receba recursos da União para contratar profissionais de saúde, de acordo com Dutra, cabe ao governo federal, garantir que os contratados cheguem aos respectivos locais de trabalho, além de custeio com alimento e de insumos.

“O nosso maior problema é que disponibilizamos esses profissionais para o governo, técnicos de enfermagem, por exemplo, para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e os Distrito Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), que são os órgãos do governo estão no local. Mas o deslocamento do profissional, tirar das cidades e levar até as aldeias onde os indígenas estão, aí é de responsabilidade do governo federal. Eles que precisam contratar aeronaves ou terceirizar empresas. É responsabilidade deles.”, disse ao repórter.

Investigação federal

Durante a comitiva Lula a Roraima, ao se depararem o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou a instauração de inquérito para apurar genocídio e práticas de crimes ambientais na região. Para Dino, não há “nenhuma dúvida técnica” do crime praticado por Bolsonaro uma vez que há “indícios fortíssimos”, dessa materialidade.

Responsabilizações

A Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, foi enfática ao afirmar a necessidade de se “responsabilizar o governo anterior por ter permitido que essa situação se agravasse com o povo Yanomami”

‘Modos Operandis’

Importante observar que a quase constatação de um ‘modus operandis’ da gestão de Bolsonaro, identificada pelo governo Lula, também é compartilhada por congressistas, também tem o mesmo entendimento de membros do STF. Esse é o caso do ministro do STF, Gilmar Mendes se pronunciou sobre o caso. Por meio do Twitter, Mendes, classificou de “inaceitável a situação de penúria dos yanomami”. Para o magistrado, se trata de “uma tragédia muito grande para acreditarmos que foi improvisada”.

Desqualificações ou, o que dizem

Com a explosão do caso junto a mídia nacional e internacional, após revelação do presidente Lula do caso, tratado como genocídio patrocinado pelo governo de Bolsonaro, alguns nomes de gestores, direta ou indiretamente ligados a questão da saúde dos índios yanomami rapidamente tentaram justificar, o injustificável.

Bolsonaro ainda da Florida, nos Estados Unidos que, conforme lembra reportagem do Yahoo Notícias, desde a campanha e ao longo do mandato na presidência da República atacou, ao menos sete vezes, os direitos dos indígenas, se limitou a tratar o caso como uma “Farsa da esquerda.”.

Muito embora a ampla cobertura jornalística de diversos veículos de imprensa e a própria participação das Forças Armadas (FAs) demonstram a gravidade da denúncia de Lula. Além do agravante de denúncia contra o ex-mandatário do Palácio do Planalto, por genocídio, realizada por parlamentares, ao STF, além da solicitação de investigação de crime de genocídio, realizado pelo ministro da Justiça.

A ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves (Republicanos), que deve assumir cadeira no Senado Federal, utilizou as redes sociais para divulgar prints de recortes e chamadas de matérias de casos de mortes e agressões a comunidades indígenas.

Porém, alguns dados quando confrontados com o caso concreto do genocídio dos yanomami, acabam por perder a ‘força’ da defesa. Um exemplo foi a deputada citar a morte de 580 indígenas, durante o período de 10 anos, para tentar se contrapor a morte de 574 crianças yanomami – onde se ignorou outros óbitos –, em um intervalo de quatro anos.



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