Em queda desde 2015, coberturas vacinais voltam ao patamar de 1980

Série histórica foi apresentada na Jornada Nacional de Imunizações



Por Vinícius Lisboa

As sucessivas quedas nas coberturas vacinais desde 2015 levaram os percentuais da população vacinada a retornarem a níveis semelhantes aos da década de 1980. A série histórica foi apresentada hoje (9) na Jornada Nacional de Imunizações, pela especialista em epidemiologia e assessora técnica da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações (PNI) Antônia Maria Teixeira. A enfermeira destacou que a pandemia potencializou essa queda, mas que o movimento é anterior à covid-19 e não se restringe ao Brasil.

“[A pandemia] pode ser um potencializador, mas não é necessariamente a causa principal. Não se nega a importância que a pandemia teve nesse processo”, disse a pesquisadora, que citou uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indicando que a adoção de quarentenas e lockdown para prevenir a covid-19 afetou a vacinação de bebês em pelo menos 68 países.

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“As baixas coberturas vacinais, ao meu ver, são efeitos colaterais decorrentes de pelo menos duas razões macro: a desinformação e o acesso. É um processo que antecede e é potencializado pela pandemia e não limitado ao Brasil. É mais uma pandemia em curso, com riscos reais para outras doenças”, alertou.

Antônia Teixeira descreveu que, na década de 1980, o Programa Nacional de Imunizações disponibilizava menos tipos de vacinas nos calendários de rotina das crianças e havia altas taxas de incidência de doenças imunopreviníveis. A cada triênio, porém, era possível observar crescimento das coberturas.

Entre os anos 1995 e 2015, as coberturas vacinais foram mantidas em patamares altos e novas vacinas foram acrescentadas ao calendário, que hoje oferece 23 imunizantes para proteger diferentes faixas etárias contra 19 doenças. O resultado foi uma queda da incidência das doenças contra as quais já há vacinas disponíveis, disse a enfermeira.

Desde 2015, porém, segundo Antônia Teixeira, as coberturas estão em queda, o que já tem gerado novos surtos, como é o caso do sarampo, que chegou a ser erradicado e voltou a circular no país. A continuidade desse processo fez com que entre 2019 e 2021 a cobertura das vacinas disponíveis retornasse a um patamar semelhante ao do triênio 1983/1985.

A vacina contra a poliomielite é um dos exemplos citados pela assessora técnica do PNI ao mostrar a queda acumulada nos últimos cinco anos. Em 2015, quando o Brasil teve 3,017 milhões de bebês nascidos vivos, o esquema de três doses foi completo em 2,845 milhões de crianças. Em 2019, dos 2,849 milhões de nascimentos, houve 2,480 milhões de terceiras doses aplicadas. No ano seguinte, em meio à pandemia, a diferença cresceu, com 2,726 milhões de nascimentos e 2,217 milhões de terceiras doses aplicadas.

No caso da BCG, foram 3,019 milhões de doses aplicadas em 2015, 2,525 milhões, em 2019, e 2,134 milhões, em 2020. Outro exemplo foi a vacina contra o rotavírus, que teve suas duas doses aplicadas em 2,767 milhões de crianças em 2015, e em 2,253 milhões, em 2020.

Consultor técnico do Programa Nacional de Imunizações (PNI), o infectologista Victor Porto chamou a atenção para a hipótese de as medidas de prevenção à covid-19 terem reduzido a incidência de outras doenças de transmissão respiratória desde 2020, como o sarampo e o influenza, a despeito da queda nas coberturas vacinais. Diante disso, ele destaca a preocupação com o cenário de cada vez mais flexibilização.

“A gente fica preocupado com a queda nas coberturas vacinais, porque quanto mais formos relaxando as medidas não farmacológicas contra a covid-19 e mais se avança na vacinação da covid-19, a gente pode voltar a ter uma população suscetível e com capacidade de transmissão dessas doenças”, disse.

O professor titular de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa São Paulo José Cássio Moraes acrescentou às preocupações a retomada das viagens internacionais, que podem alimentar novos surtos de doenças contra as quais há baixas coberturas vacinais. Ele mostrou que a redução nessas taxas ocorre em praticamente todo o continente americano e, no caso do sarampo, vizinhos do Brasil como o Paraguai, a Colômbia e a Argentina também vivem um cenário de menos proteção contra a doença. Já países europeus como a Espanha lidam com a circulação de genótipos diferentes do vírus que circula na América Latina, o que pode facilitar sua introdução em uma população não imunizada.

“Retomando os voos com esses países, podemos ter a reimportação do vírus do sarampo, o que pode propiciar um recrudescimento de sua ocorrência”, alertou.

Retrocesso

A queda das coberturas vacinais está entre os principais temas discutidos na Jornada Nacional de Imunizações e fez parte do discurso de abertura do presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Juarez Cunha, que considerou o problema um retrocesso.

“Como chegamos a esse retrocesso? São muitos os fatores. A mudança no perfil e frequência das campanhas de vacinação, as falhas no abastecimento, falta de investimento na qualificação e retenção dos profissionais que atuam nas unidades de saúde, precarização e limitação nesses espaços e o baixo engajamento de médicos”, disse.

“Além desses, a complexidade dos calendários vacinais, a disseminação de noticias falsas, as recentes campanhas para desacreditar a ciência e a falta de percepção de risco da população em relação às doenças controladas pela vacinação”, acrescentou Juarez Cunha.

Apesar desses problemas, Cunha disse acreditar que o Brasil será o país com a maior cobertura vacinal contra a covid-19. “Tenho certeza absoluta de que seremos o país que terá os maiores percentuais vacinais. O brasileiro acredita e confia em vacinas e quer se vacinar”.

O vice-presidente da SBIm e integrante do grupo consultivo da OMS Vaccine Safety Net, Isabela Ballalai, defendeu que é preciso investir em campanhas de informação que não apenas desmintam notícias falsas, mas que se antecipem e comuniquem conhecimento à população, produzindo segurança sobre as vacinas.

“Falta comunicação nesse país. A gente tem avisos”, disse a médica, acrescentando que a comunicação não pode se limitar a informar o dia de se vacinar. “É preciso fazer mais do que informar. Tem que comunicar de forma proativa, impactante e empática com essa população, inclusive sobre como não cair nas fake news”, defendeu.



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FONTEAgência Brasil
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