Emenda suspeita para UTIs teve aval do GDF, diz bancada do PT na Câmara



‘Se a Câmara tem responsabilidade, o Executivo também tem’, diz Wasny
Emenda foi vetada e reapresentada, diz distrital; Buriti apura informações

Por Mateus Rodrigues

A bancada do PT na Câmara Legislativa do Distrito Federal declarou nesta terça-feira (23) que a aprovação de emendas parlamentares irregulares para pagar fornecedores de UTIs, pivô de uma investigação do Ministério Público, passou pelo crivo do Palácio do Buriti. Segundo o deputado distrital e líder do partido, Wasny de Roure, a Câmara não teria competência para fazer o pagamento por conta própria.

“Se a Câmara tem responsabilidade, o Executivo também tem. O governo é quem sanciona a lei, o processo é executado dentro do governo. Quem faz, quem articula, quem cria excepcionalidade na Câmara tem que responder. Mas a Câmara, por si só, não tem como fazer isso acontecer”, declarou Wasny.

O PT convocou coletiva para apontar que, além das suspeitas de propina levantadas nos áudios gravados por Liliane Roriz (PTB), a emenda de R$ 30 milhões é ilegal sob o ponto de vista técnico. Segundo a análise do partido, o texto criava “condições especiais” para essas verbas, desrespeitando um cronograma que já estava definido.

Publicidade

O G1 entrou em contato com a Casa Civil do DF às 20h desta terça para comentar as afirmações de Wasny e da bancada petista. O órgão afirmou que vai apurar as informações e enviar resposta “o mais brevemente possível”.
Antes da sanção publicada em Diário Oficial, as leis aprovadas na Câmara Legislativa passam por uma análise jurídica no Palácio do Buriti e, se necessário, na Procuradoria-Geral do DF. É essa “consultoria” que indica quais pontos devem ser vetados ou complementados com a edição de um decreto, por exemplo. Segundo o PT, a irregularidade “passou batida” pela análise.

Cronograma
Em setembro de 2015, o governo do DF informou que pagaria as dívidas pendentes do governo Agnelo em 60 parcelas, a partir de julho de 2016. Os pagamentos seriam feitos em ordem cronológica, dando prioridade às faturas mais antigas.

Em novembro, o caixa melhorou e o GDF disse que poderia pagar em 30 meses, até dezembro de 2018 (último mês do atual mandato). O cronograma foi cancelado em março de 2016, após recomendação do Tribunal de Contas, mas ainda estava vigente quando a emenda das UTIs foi aprovada.

Em março deste ano, o GDF voltou a alterar a previsão de pagamento. Naquele mês, as dívidas de exercícios anteriores ainda somavam R$ 1,1 bilhão, segundo dados do governo. O Buriti repassou R$ 50 mil para cada fornecedor e disse que, com isso, quitaria 57% dos débitos. As dívidas maiores que esse valor não foram inscritas em um novo cronograma.

Na análise dos deputados do PT, a emenda parlamentar que pagou contratos de gestão das UTIs com sobras do orçamento da Câmara desrespeitou essa discussão. Na prática, é como se o governo tivesse “furado a fila” dos credores para beneficiar os empresários do setor.

Entenda o passo a passo de aprovação das emendas, segundo o PT:
– No dia 9 de dezembro de 2015, o Poder Executivo enviou à Câmara o projeto de lei 811/2015, que pedia R$ 18 milhões para completar as verbas de limpeza pública. O texto foi aprovado no plenário no mesmo dia, após poucas horas de tramitação.

imagem 1– Durante a votação, a Mesa Diretora apresentou uma emenda para incluir outros R$ 31 milhões em créditos, relativos a verbas que “sobraram” no caixa da Câmara Legislativa. Desse montante, R$ 30 milhões iriam para a Saúde e R$ 1 milhão para a Educação.

– A emenda previa que, diferentemente do que o GDF vinha fazendo até o momento, essa verba não respeitaria a ordem cronológica das faturas nem o parcelamento em 60 vezes. A Câmara estava pedindo autorização para “escolher” as dívidas a serem pagas e para quitar essas dívidas à vista.

imagem 2– A emenda e o projeto de lei foram aprovados e enviados ao Palácio do Buriti. O governador Rodrigo Rollemberg sancionou o texto no dia 11, incluindo os R$ 31 milhões, mas vetou o trecho que criava exceções ao cronograma de pagamento de dívidas. O veto só foi analisado – e mantido pela Câmara – em março deste ano.

– Antes disso, no dia 14 de dezembro de 2015, o Buriti enviou outro pedido de verbas para os deputados. O projeto 833/2015 passava R$ 1,59 milhão para investimentos no desenvolvimento rural e no Zoo de Brasília. O texto também foi aprovado e sancionado.

imagem 3 – Durante a votação dessa lei, em 18 de dezembro, a Mesa Diretora voltou a apresentar uma emenda que criava exceções para o cronograma de pagamentos. Como havia um veto sob análise a respeito do mesmo tema, o regimento da Câmara impede que o assunto seja pautado novamente. Aqui, segundo o PT, estaria a primeira ilegalidade.

– Apesar de irregular, a emenda foi aprovada e enviada mais uma vez à sanção do governador Rollemberg. Desta vez, o texto passou na íntegra e foi publicado como lei 5596, em 28 de dezembro de 2015. O texto permitia que todos os créditos surgidos de “cancelamentos orçamentários” da Câmara fugissem do cronograma de dívidas – incluindo aqueles R$ 31 milhões aprovados anteriormente.

– Nos últimos quatro dias de 2015, o GDF aprovou a lei, reconheceu a dívida com as empresas gestoras de UTIs e repassou os R$ 30 milhões aprovados. Esse processo costuma se estender por semanas ou meses, mas foi feito em “tempo recorde” na análise do PT.

Irregularidades
De acordo com a bancada petista na Câmara Legislativa, o governo feriu uma regra orçamentária clássico, chamada “princípio da exclusividade”. Essa regra diz que os projetos de lei que tratem de orçamento não podem incluir nenhum outro assunto. Eles indicam de onde o dinheiro sai e para onde o dinheiro vai, sem criar regras ou entendimentos.

Ao analisar o veto de Rollemberg à emenda “original”, em março deste ano, a Câmara se valeu do mesmo princípio. No relatório aprovado, a deputada Sandra Faraj indicou que a criação de condições especiais para pagar as UTIS feria o princípio constitucional da exclusividade e, por isso, o veto era adequado.

Wasny de Roure também aponta problemas no fim do processo, quando o dinheiro foi repassado de fato às empresas.
“No reconhecimento da dívida, há uma concomitância muito nítida. Você sanciona no dia 29, e no dia 30 já executa e empenha? Eu não posso ser irresponsável, fazer acusações levianas. Nós botamos uma coisa [a emenda para a Saúde] pensando que estávamos resolvendo problemas, mas foi um ‘submarino’ colocado ali. E muito bem engendrado”, diz.

Mesa afastada
Na noite desta segunda-feira (22), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou o afastamento de toda a Mesa Diretora da Câmara Legislativa. A medida cautelar (ou seja, antes do julgamento do mérito) foi pedida pelo Ministério Público do DF, para apurar suspeitas de pagamento de propina que teriam beneficiado os deputados.

A decisão é do desembargador Humberto Adjuto Ulhoa e vale até o fim das investigações. Foram afastados a presidente Celina Leão e os secretários Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César (PRB) e Bispo Renato Andrade (PR). A vice-presidente, Liliane Roriz (PTB), havia renunciado ao cargo.

Com o afastamento, o recém-eleito vice-presidente Juarezão (PSB) deve coordenar os trabalhos até o fim do ano. Suplentes dos secretários, os distritais Lira (PHS), Agaciel Maia (PR) e Rodrigo Delmasso (PTN) assumem as vagas pelo mesmo período. Nesta terça, Celina informou que a composição antiga da Mesa Diretora deve recorrer da decisão judicial.

Investigação
A polícia apura denúncias da deputada Liliane Roriz (PTB) de que a presidente da Câmara, Celina Leão (PPS), articulou um esquema de pagamento de propina e desvio de recursos de emendas parlamentares que seriam usados para pagar contratos de gestão de UTIs.

Além dos membros da Mesa Diretora, a operação deflagrada pela Polícia Civil nesta terça também investiga o deputado Cristiano Araújo (PSD), citado nos áudios; o servidor da Câmara Alexandre Braga Cerqueira, o ex-servidor Valério Neves Campos e o ex-presidente do Fundo de Saúde do DF Ricardo Cardoso. Todos foram intimados a depor.

No total, foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão, 8 mandados de condução coercitiva e 4 de afastamento cautelar. As buscas foram feitas nos gabinetes parlamentares, na Presidência da Câmara e na residência das pessoas citadas. Segundo o Ministério Público, todos se apresentaram espontaneamente, dispensando o cumprimento da condução coercitiva.

“As investigações são sigilosas. Elas vieram a conhecimento público antes do momento que julgávamos oportuno. Essa palavra é muito cara, porque o princípio mais importante da investigação é a oportunidade. Isso exigiu do MP e do Judiciário a tomada de medidas na manhã de hoje”, afirmou o promotor de Justiça do Grupo de Apoio ao Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Clayton Germano.

A ação policial ocorre quase uma semana depois de a corporação apreender documentos e computadores no Palácio do Buriti, em uma investigação para apurar suspeitas de extorsão contra a presidente do sindicato dos servidores na Saúde (SindSaúde), Marli Rodrigues.

Nos áudios feitos por Liliane, Celina fala sobre mudança de finalidade de uma emenda parlamentar que direcionou R$ 30 milhões da sobra orçamentária da Câmara a um grupo de seis empresas que prestam serviço de UTI. Segundo as denúncias, parte dos recursos foram repassados a deputados da Mesa Diretora.

Fonte: G1



Política Distrital nas redes sociais? Curta e Siga em:
YouTube | Instagram | Facebook | Twitter










Artigo anteriorCaso Celina Leão, tratamento a la Bolt
Próximo artigoDelegado e agentes da Operação Drácon entregam cargos ao governo em protesto