Um dos documentos apresentados pela Nutrindus para se habilitar na concorrência do GDF tem graves indícios de adulteração. O caso é investigado pela Delegacia de Defraudações do Maranhão
A empresa que ganhou oito dos 13 lotes para fornecer refeições aos hospitais públicos do Distrito Federal apresentou atestado de capacidade técnica falso ao GDF. A Nutrindus Alimentos Ltda. forjou a assinatura da diretora de uma empresa para a qual presta serviço no Maranhão com a intenção de provar que tinha condições de atender ao governo da capital federal no volume exigido pelo edital. A fraude grosseira contamina uma das maiores licitações recentes do Executivo, estimada em R$ 300 milhões e tratada pelo próprio governador Rodrigo Rollemberg (PSB) como uma medida de economia e de legalidade.
Há 13 anos, não havia licitação para o fornecimento de alimentação na rede pública do DF. Há oito anos, os contratos vinham sendo renovados de maneira emergencial, o que motivou diversas recomendações por parte dos órgãos de controle. Amparados por essa circunstância da fragilidade legal, o governo resolveu abrir o pregão eletrônico. Participaram da licitação 18 empresas. Três foram habilitadas para o fornecimento, repartido em 13 lotes. A Nutrindus amealhou a maior fatia, o equivalente a 567.980 refeições por mês, entre desejum, almoço, lanche, jantar e ceia. Isso representa 60% do que é consumido por servidores, pacientes e acompanhantes.
Na tarde desta quarta-feira (27/7), a Secretaria de Saúde anunciou a habilitação da Nutrindus e outras duas empresas — Vogue Alimentação e Nutrição Ltda. e Cial Comércio e Indústria de Alimentos. Ao chancelar as três empresas, o GDF ignorou que a principal vencedora não comprovou as condições para prestar o serviço no Distrito Federal.
Alvo de investigação
Documentação obtida pelo Metrópoles demonstra a fraude. Com sede no Maranhão, a empresa é alvo de uma investigação da Delegacia de Defraudações do estado pelo suposto crime de falsidade ideológica. Um inquérito aberto pela corporação investiga a falsificação da assinatura da diretora administrativa da Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares (EMSERH), Magisa Gracez Barros de Sousa, em dois atestados de capacidade técnica apresentados pela Nutrindus ao GDF.
A partir de um questionamento sobre a veracidade dos documentos, a funcionária procurou a polícia e denunciou a fraude. De acordo com Magisa, os atestados apresentados “não são dotados de veracidade”. Às autoridades, ela cita “um arremedo grosseiro” da sua assinatura, sendo uma “adulteração rude”. E destaca outras irregularidades, como o período de execução do contrato entre a Nutrindus e a EMSERH.
Segundo a diretora, o prazo de execução que consta no documento verdadeiro, assinado por ela, é de 14 de dezembro de 2015 a 15 de março de 2016. No atestado supostamente falsificado, o período informado foi outro: 17 de novembro de 2015 até os dias de hoje.
O carimbo usado no documento fraudado também indica a má-fé, uma vez que o cargo de Magisa aparece como gerente, e não diretora. Fontes da Polícia Civil do Maranhão ouvidas pelo Metrópoles afirmaram que os depoimentos serão tomados na próxima semana. A EMSERH informou à reportagem que não vai se pronunciar sobre o assunto.
Sonegação
A assinatura falsa no documento que atesta a capacidade não é a única suspeita que pesa sobre a Nutrindus. A empresa usa notas fiscais com endereço de Santa Catarina. No caso dos serviços prestados no Rio de Janeiro e no Maranhão, por exemplo, os documentos emitidos são do estado catarinense, mesmo o estabelecimento tendo filial nas duas unidades da Federação, o que configura sonegação fiscal. Com isso, a arrecadação de imposto não fica na cidade em que o serviço é prestado, mas sim no local onde funciona a sede.
O procedimento, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, fere a Lei Complementar n° 116/2003, artigo 3º combinado com o artigo 4º.
GDF disse desconhecer
As denúncias fazem parte do documento de defesa apresentado por uma das empresas que participou da licitação e que questiona o resultado. A concorrente apontou as evidências à pregoeira Cerize Helena Souza Sales, que coordenou o processo, e ao chefe de gabinete da Secretaria de Saúde, André Luís Soares Paixão. Por meio de sua assessoria, a Secretaria de Saúde informou que desconhece as irregularidades e disse que o processo foi feito dentro dos trâmites legais.
“Não aceitamos documentações irregulares ou fora do prazo. Tudo foi feito com transparência. O pregoeiro não tem a função de polícia, ele checou os comprovantes que estavam homologados e registrados em cartório. Toda a documentação entregue pela Nutrindus é lícita. Contudo, se for comprovada essa suposta fraude, a empresa vai ser desclassificada”, disse ao Metrópoles a subsecretária de Administração-Geral, Marucia Miranda.
A subsecretária explicou ainda que as notas fiscais entregues pela empresa também foram conferidas. “Tenho absoluta certeza que o processo está correto. Dividir a licitação em lotes, inclusive, aumentou a concorrência. Estimamos que a economia aos cofres públicos nos dois anos de contrato chegue aos R$ 46 milhões”, defendeu.
Procurada, a Nutrindus, não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O pregão foi validado pela Secretaria de Saúde na terça-feira (26) e seguirá para análise do Tribunal de Contas do DF. Após a avaliação do TCDF, o processo retorna para a pasta e, se aprovado, será homologado.
Pregão
O edital para a contratação do novo serviço foi publicado no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), em novembro de 2015. Cada empresa selecionada terá unidades de saúde agregadas a um grande hospital. Venceu quem ofereceu menor valor atendendo as exigências da Secretaria de Saúde.
A Nutrindus, com sede em Santa Catarina, foi habilitada para fornecer alimentação aos hospitais regionais de Planaltina, de Santa Maria, de Brazlândia, de Taguatinga e da Asa Norte (Hran), além do Hospital de Base do DF, do Hospital Materno Infantil de Brasília e do Hospital de Apoio de Brasília.
A Cial, que era responsável pelo Hospital de Santa Maria, e a Vogue Serviços de Alimentação também foram selecionadas. Já a Sanoli, que atendeu por mais de 15 anos a maior parte dos hospitais do DF, não foi classificada.
A Sanoli tem cerca de 1,9 mil funcionários e serve 30 mil refeições por dia. Seguiu prestando serviço para a rede pública às custas de sucessivos contratos emergenciais desde 2008, renovados de seis em seis meses. Agora, são feitos pagamentos indenizatórios que serão suspensos no momento em que as novas empresas assumirem os hospitais. O prazo para transição é de, no máximo, 90 dias. A Sanoli alega que levou um calote de R$ 10 milhões do GDF por serviços prestados e não pagos em novembro e dezembro de 2014.
Suspensão
O processo de licitação nas refeições dos hospitais virou enredo de uma grande novela mexicana. Em dezembro de 2015, o Tribunal de Contas do DF suspendeu, de forma cautelar, o pregão. A determinação foi feita por meio de um despacho do conselheiro Inácio Magalhães Filho. À época, ele alegou que havia indícios de que a licitação, no valor de R$ 411.099.849,92, poderia estar com o preço superestimado.
Ao analisar o edital, o corpo técnico do TCDF identificou deficiências nas planilhas e nas pesquisas de preço apresentadas. Além disso, ao comparar o total anual estimado na licitação (R$ 205.549.924,96,) e os valores empenhados para o Programa “Fornecimento de Alimentação Hospitalar”, em 2014 (R$ 132.712.786,77), houve um aumento de 55%.
Para se ter uma ideia, o valor unitário de R$ 21,40 do almoço no Hospital de Base do DF é 53% mais caro que os R$ 13,97 apresentados como referência em junho do ano passado pela Secretaria da Fazenda de São Paulo em seus estudos técnicos para prestação de serviços de nutrição e alimentação hospitalar. O preço também representa um acréscimo de 32% sobre o valor pago atualmente à Cial (R$ 16,15) e um aumento de 21% sobre o preço acordado com a Sanoli no Contrato 42/2015-SES (R$ 17,70).
Empresas vencedoras e os lotes de cada uma
Lote 1 – Vogue Alimentação e Nutrição Ltda.
Hospital Regional do Paranoá
Caps II Paranoá
Caps ad II Paranoá
Unidade Mista de São Sebastião
UPA de São Sebastião
Total de refeições por mês: 47.095
Lote 2 – Nutrindus Alimentos Ltda.
Hospital Regional de Planaltina
Caps II Planaltina
Total de refeições por mês: 34.904
Lote 3 – Vogue Alimentação e Nutrição Ltda.
Hospital Regional de Sobradinho
UPA Sobradinho
Caps ad II Sobradinho
Caps i II Sobradinho
Total de refeições por mês: 58.328
Lote 4 – Cial Comércio e Indústria de Alimentos
Hospital Regional de Samambaia
UPA Samambaia
Caps II Samambaia
Caps ad II Samambaia
Unidade de Acolhimento de Samambaia
Total de refeições por mês: 41.416
Lote 5 – Cial Comércio e Indústria de Alimentos
Hospital Regional do Gama
UPA Recanto das Emas
Caps i II Recanto das Emas
Total de refeições por mês: 89.072
Lote 6 – Nutrindus Alimentos Ltda.
Hospital Regional de Santa Maria
Caps ad II Santa Maria
Total de refeições por mês: 60.209
Lote 7 – Nutrindus Alimentos Ltda.
Hospital Regional de Brazlândia
Total de refeições por mês: 20.487
Lote 8 – Nutrindus Alimentos Ltda.
Hospital Regional de Taguatinga
Hospital São Vicente de Paula
Caps II Taguatinga
Caps ad III Taguatinga
Centro de Saúde de Taguatinga número 06
Instituto de Saúde Mental
Caps I – ISM
UPA Núcleo Bandeirante
Centro de Saúde número 02 – Núcleo Bandeirante
Total de refeições por mês: 122.163
Lote 9 – Vogue Alimentação e Nutrição Ltda.
Hospital Regional de Ceilândia
UPA Ceilândia
Caps ad III Ceilândia
Total de refeições por mês: 70.600
Lote 10 – Nutrindus Alimentos Ltda.
Hospital de Base do Distrito Federal
Adolescentro
Central de Regulação do Samu – SIA
Total de refeições por mês: 186.460
Hospital Regional da Asa Norte
COMPP/Caps i II Brasília
Caps ad i III Brasília
Centro de Saúde número 09 – Cruzeiro
Centro de Saúde número 12 – Asa Norte
Total de refeições por mês: 69.541
Hospital Materno Infantil de Brasília
Caps ad III – Candango
Hospital Regional do Guará
Caps ad II Guará
Centro de Saúde número 04 da Cidade Estrutural
Central de Regulação de UTI/SES
Total de refeições por mês: 65.370
Hospital de Apoio de Brasília
Total de refeições por mês: 8.846