Meninas e meninos do Brasil serão tratados como príncipes, sugere Damares. Mas quais?
Por Kleber Karpov
Engodo à parte, explorado politicamente para se contrapor a ‘ideologia de gênero’ empunhado pela ministra das Mulheres e Direitos Humanos, Damares Regina Alves, ao mencionar “menino veste azul e menina veste rosa”, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem a oportunidade de ampliar o tratamento dispensado, há dezenas de anos, às crianças brasileiras.
O governo encara como necessária reavaliar a discussão sobre a ideologia de gênero e o avanço da pedofilia no país. Temas que merecem as devidas discussões, no cenário político atual, dado a diversidade sociocultural da população brasileira.
Porém, o Brasil é o celeiro de outros problemas sociais graves, que afetam diretamente a qualidade de vida das milhões de crianças e suprimem o ‘principado infantil’, de forma trágica. A desigualdade social retira o convívio familiar, degrada o social, estimula o trabalho escravo e o mais grave, rouba o direito à infância de milhares de meninos e meninas.
Isso, muitas vezes, com a conivência do poder público, em geral, ausente, para propiciar às crianças, acesso a educação de qualidade, cultura, lazer, saúde e segurança. E vai além, a deserção do convívio familiar, em que milhares de pais, muitas vezes, apenas mães solteiras, são obrigadas a trabalhar para garantir o sustento da família, e essas crianças são deixadas à mercê da criminalidade.
A mesma criminalidade que converte pequenos príncipes e princesas em delinquentes, e os transformam em adolescentes, futuros adultos bandidos, ladrões, viciados ou traficantes. Muitos especializados em domar, desde o tacanho 22, à fuzis ponto 50, prontos para abaterem helicópteros e perfurarem latarias de carros blindados. Os tradicionais vagabundos, que parte da sociedade cansada da ausência da Segurança Pública, acaba por colocar na vala comum do “bandido bom é bandido morto”.
Bolsonaro e Damares, que devem dar nova roupagem aos Direitos Humanos, extremamente criticados por apenas amparar uma banda, em geral, a considerada podre, da sociedade brasileira. E, até se levando em consideração, o movimento anti-petista, aclamado por cerca de 57 milhões de brasileiros que pediram mudanças à sociedade brasileira devem, não só apontar as falhas e erros dos governos Lula e Dilma, mas também os corrigir.
Sob essa ótica, tratar meninos e meninas como príncipes e princesas, exigem do Estado, uma visão ampla, que vá além das cores de vestimentas e da ideologia de gêneros, mas atacar e corrigir as falhas resultantes da extrema pobreza dos guetos brasileiros. Esse prisma vai além dos Direitos Humanos e chega, por exemplo, ao combate à corrupção, a exemplo, do beneficiamento inapropriado, de pessoas e facções partidárias, independente da sigla, de programas sociais que deveriam abastecer apenas pessoas necessitadas.
Aos representantes máximos da nação, cabe a responsabilidade de irem à raiz do problema, de modo que possam atuar para reduzir a pobreza extrema, que tira das crianças brasileiras a oportunidade de se tornarem príncipes e princesas. Ou, no mínimo, garantir que meninas e meninos tenham um futuro com menos desigualdade social, mais educação, acesso a cultura, lazer, práticas esportivas e, sobretudo, informação.
Vale observar que Bolsonaro, que estreou na vida política como vereador do Rio de Janeiro em 1989, e a pastora e advogada, Damares, certamente, conhecem como ninguém, as realidades e necessidades de comunidades carentes de morros, favelas, guetos e comunidades de extrema pobreza, que se reproduzem em todo país, que podem ser mudadas, com investimento eficiente, em Educação.
Coreia do Sul, Finlândia, Polônia, Japão e Suécia, deram mostras que tais investimentos, foram determinantes para o desenvolvimento desses países. Sob essa ótica, Adam Smith, considerado o pai da Economia, a séculos, preconizava que países desenvolvidos investiram pesado em Educação, com foco em “capital humano”, ao se referir à mão-de-obra.
Princípio esse, também defendido pelo professor da Iowa State College e da Universidade de Chicago, Theodore, economista e vencedor do Nobel em 1979, Theodore Schultz, primeiro acadêmico que sistematizou a relação entre o aumento de investimentos em educação, e o aumento da produtividade e salários no setor agrícola. Porém, no caso do Brasil, Schultz ponderou uma peculiaridade. O país se mostra incapaz de alocar eficientemente tal capital.
Tese essa que, nos dias atuais, se comparado apenas a destinação de recursos, o Brasil, desde 2008, praticamente dobrou ao passar à Educação de 4,7%, para 8,3% em 2017, o percentual da Receita Corrente Líquida (RCL), algo equivalente a 6% do Produto Interno Bruto (PIB).
Embora tais números, coloquem o Brasil entre os 20 países que mais investem em Educação, acima da média entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE), e a frente dos vizinhos americanos Argentina, Colômbia, Chile, México e os próprios Estados Unidos, o desempenho na qualidade do ensino, segundo especialistas, deixam muito a desejar. Tanto pela falta de qualificação de professores e coordenadores das escolas, como por má gestão de recursos públicos.
Nesse contexto, mais que abordagens, meramente eleitoreiras e populistas, Bolsonaro e Damares têm um desafio concreto nas mãos, que devem acontecer conjuntamente com outras esferas do governo federal, caso queiram de fato salvar as crianças brasileiras. Mudar a realidade de acesso, aumentar a qualidade da Educação oferecida, garantir que as famílias tenham meios de se contrapor à realidade ora apresentada nas comunidades carentes, oferecer acesso a cultura, lazer e também à atividades esportivas.
Ambos, Bolsonaro e Damares, têm a oportunidade de mostrar como se transformar meninas e meninos em princesas e príncipes, atuando em setores que, desde a redemocratização do país, permaneceram ignorados ou esquecidos, tanto pela gestão petista quanto as antecessoras. Embora a petista, tenha o mérito de ter facilitado o acesso à camada mais pobre da sociedade, a formação superior, seja por meio do Programa Universidade para Todos (PROUNI) ou da flexibilização de acesso ao Fundo de Investimento Estudantil (FIES).
Os novos condutores do país, e dos Direitos Humanos, têm a oportunidade, e por que não dizer a obrigatoriedade de romper com o ciclo, de se transformar meninos e meninas em marginais vagabundos, e ajudar as famílias a convertê-los em cidadãos de bem e respeitáveis. Isso, na impossibilidade de torná-los reis e rainhas.