Ex-secretário rompe o silêncio, ‘rasga o verbo’ e critica gestão da Saúde do DF e Instituto Hospital de Base



Ex-secretário de Planejamento e Gestão do Estado do Maranhão; e de Saúde do DF, o gestor público Fábio Gondim, falou ao Política Distrital (PD) sobre o panorama da Saúde do DF. Gondim que retornou ao cargo de consultor do Senado Federal, após deixar a Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF) onde ficou, de  julho de 2015 a março de 2016 criticou a perda de tempo do governo com projetos infrutíferos, a exemplo das Organizações Sociais e do Projeto de Lei 1.486 que institui o Instituto Hospital de Base do DF (IHBDF), além de apontar pontos importantes, aparentemente esquecidos na gestão da Saúde Pública do DF.

Política Distrital (PD): Na sua avaliação, o PL 1.486/2017 que cria o Instituto Hospital de Base é uma solução acertada?

Fábio Gondim (FG): Você descentralizar e dar autonomia é algo importante, mas não resolve os problemas. Um gestor tem por obrigação, analisar todos os modelos de gestão. Pessoalmente, não tenho rejeição em fazê-lo, mas em função do momento que estamos vivendo, não acho oportuno discutir esse tema. Esse é o momento de a Secretaria de Saúde se organizar.

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PD: Se referes ao momento político?

FG: Sim, na minha opinião Rollemberg [ governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB) ], que entendo estar com boas intenções, não está conseguindo interpretar corretamente o momento político. Não é o momento nem para propor uma coisa dessa à população, e tampouco aos servidores. O povo não aguenta ao mesmo tempo, ser roubado, ter os seus representantes envolvidos em corrupção e ver os seus direitos serem questionados nas reformas trabalhista e da previdência. Os servidores públicos do DF estão sofridos e insatisfeitos há tempo demais. É uma gratificação retirada aqui, um auxílio ali, uma lei que deixa de ser implantada acolá. Recadastramento de Titulação, GMOV sendo retirada… Trazerem essa pauta [do IHBDF], independentemente do mérito é inoportuno. Minha opinião é que não está na hora de discutir isso.

PD: Mas voltando ao Instituto…

FG: Estão fazendo uma miscelânia de problemas. Primeiro a percepção equivocada do momento de discussão dessa matéria [IHBDF]. Segundo, achar que a criação do instituto vai resolver o problema da saúde do DF é uma expectativa absolutamente fantasiosa. Terceiro, o momento que o Brasil vive no que diz respeito à corrupção, enseja muito cuidado. Logo, eu seria bastante cauteloso na adoção de uma solução dessas. Você deve ter acompanhado o Fantástico de domingo que mostrou os problemas da Saúde. Difícil acreditar que não tenha gente, nesse momento, querendo fazer a mesma coisa por aqui também.

PD: Se ainda estivesses à frente da Saúde, como teria conduzido a Pasta?

FG: A Saúde tem projetos muito mais importantes e que não são levados a sério. A racionalização da gestão de recursos humanos, com o dimensionamento das necessidades reais em cada unidade de saúde, que começamos a fazer, a substituição das horas extras por carga horária de 40h. Isso é uma forma de, além de reduzir custos, de valorizar o servidor, com a concessão de vantagens devidas. Essas concessões, certamente seriam convertidas com facilidade em produtividade, algo extremamente necessário à Secretaria. Isso é importante para a prestação da política pública de saúde. Agora te pergunto, onde está a valorização do servidor, vamos desperdiçar recursos humanos? Cadê a logística com controle de estoque de qualidade para reduzir o desperdício e agilizar processos? O hospital do câncer, com projeto executivo pronto e R$ 120 milhões de emendas federais, ficou só no papel?

PD: O senhor falou em racionalização da gestão de recursos humanos, isso ajudaria a reduzir gastos?

FG: Claro! Se o DF está precisando tanto de pessoal, para viabilizar a saúde… Esse é o principal ponto que precisa ser resolvido, afinal, a despesa de pessoal corresponde a cerca de 70% do total. Um Secretário que fica dependendo apenas do Planejamento [Secretaria de Planejamento ], isso não existe. Esse Secretário tem que resolver os problemas dentro da própria Saúde, com o que tem em mãos. Se ele otimizar os recursos humanos, dará um ótimo resultado. Estimamos economia de R$ 450 milhões anuais. São dois hospitais do câncer por ano totalmente equipados! Só nesse item, estaria resolvido o problema de abastecimento da rede. O fato de mudar por mudar, de Hospital de Base para instituto significa que o hospital vai passar a ser abastecido? Não creio.

PD: Mas a alegação do governo é que haverá uma certa flexibilização na gestão

FG: Tenho minhas dúvidas e me pergunto se há algum estudo profundo em relação a isso, quanto ao impacto dessa conversão em instituto. Primeiro é preciso saber, de fato, o quanto custa o Hospital de Base. E como não têm como fazer essa mensuração, as pessoas, passam a chutar, com puro palpite, ficam atirando no escuro. Qual a disponibilidade de recursos, já que vão contratar empresas, pessoas, o custo será o mesmo que o atual? Será maior e em que proporção? Vou conseguir custear o funcionamento nesse novo modelo? Comprar equipamentos, dar manutenção? E quando vierem os aditivos e reajustes? Se não resolve o problema principal, que é a falta de recurso, que tem reduzido, drasticamente ano a ano, a iniciativa privada, tende a aumentar os custos, corre o risco de acontecer como o Forponto, Track Care, ou seja ficar sem o serviço pela falta de pagamento. Já pensou como seria? Então, apenas permitir que se agilize o processo de compras e contratações com a descentralização vai mesmo resolver ou apenas atenuar o problema? Será que isso foi mensurado com o devido cuidado? Pelo menos, não há notícias na mídia de que isso tenha sido feito.

PD: E quanto a autonomia financeira?

FG: Quando você fala de autonomia, é muito bom a gente lembrar que criamos, na Secretaria, sete superintendências. Chegará um dia em que essa reestruturação funcionará de fato, mas é preciso dar continuidade ao processo para que isso aconteça.

PD: A que processo o senhor se refere?

FG: Das superintendências. As sete grandes regionais, foram criadas justamente para que os superintendentes com os diretores administrativos pudessem ter flexibilidade e autonomia na gestão de determinados recursos. O problema é que sem pessoas capacitadas para dar continuidade ao processo, a tendência é ficar subutilizada ou estagnar a rede.

PD: Em sua avaliação, então o Instituto não resolverá o problema?

FG: Estão depositando esperanças demais em apenas um modelo de gestão que será aplicado em apenas uma unidade. É bom que fique claro que existem vários modelos, além do Instituto e das Organizações Sociais. Agora, como não se dedicam a questões que, na minha opinião, dariam mais efetividade, então, não creio que os problemas possam ser resolvidos, infelizmente.

PD: O governo passou dois anos brigando para implantar Organizações sociais e estamos há seis meses com a história do Instituto. Isso é saudável?

FG: Infelizmente, Rollemberg perde um tempo precioso. Se tivessem dado continuidade ao projeto de redimensionamento, de logística, de enxugamento de gastos, otimização do quadro de pessoal, certamente, como já te disse em outra ocasião, já teríamos reduzido o gasto da Saúde em R$ 1 bi, suficiente para o reabastecimento total da rede, bem como contratação de manutenção de todos os equipamentos. Mas o que vimos é que transformaram a coisa em um ‘cavalo de batalha’ para se implantar as OS e agora o Instituto. Perdem muito tempo com isso e, em Saúde, quando se perde tempo infelizmente, pessoas morrem desnecessariamente.

PD: Falando em OSs, o governo após perceber a resistência em trazer para a gestão da saúde como um todo tentou restringir o projeto para a atenção primária e as UPAs. Era uma decisão acertada?

FG: Em hipótese alguma, dentro do projeto de redução de horas extras, por exemplo, nós chegamos a conclusão que poderíamos inserir dois mil novos servidores na rede, sem aumentar custos. Nós teríamos profissionais o suficiente para garantir não só o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde, no programa Saúde da Família como também nas UPAs. Nós fizemos o projeto de dimensionamento das UPAs, mas infelizmente, não houve implementação. O seu blog chegou a noticiar que seriam necessários algo próximo de 350 profissionais para garantir que todas as seis UPAs estivessem em pleno atendimento. Então, como cheguei a divulgar na época em que deixei a Secretaria [de Saúde], definitivamente, não seria o caso de contratar OSs para atender a atenção primária. E digo mais, tenho conversado com médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde e a insatisfação é generalizada em relação a proposta lançada ao Programa Saúde da Família de atuarem enquanto médicos generalistas, o Saúde da família tem que ter médicos e enfermeiros da família. Os Postos de Saúde precisam também passar por dimensionamentos de equipes, mas os médicos, especialistas, deveriam reforçar o staff para garantir os atendimentos nos prontos-socorros, pois a média e alta complexidade têm déficits de profissionais. Não por outro motivo, os índices de mortes evitáveis aumentou em 15%.

PD: Qual o grande problema que o senhor identificou na Secretaria de Saúde?

FG: O Desperdício. Desperdício de horas de trabalho, de medicamentos, insumos e materiais hospitalares, desperdícios de sonhos e de vidas.



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