Material ao qual o Metrópoles teve acesso revela a precariedade do atendimento feito pelo hospital, que fica em Taguatinga e atende pessoas com transtornos mentais. Os problemas vão desde superlotação, falta de medicamentos, colchões, lençóis e leitos até acusações de favorecimento de funcionários. Direção admite algumas falhas
Por Pedro Alves
Os servidores do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), o antigo Hospital Pronto-Atendimento Psiquiátrico (HPAP), em Taguatinga Sul, destinado a tratar pacientes com transtornos mentais, têm de lidar com a barreira comum às demais instituições de saúde pública do Distrito Federal: a precariedade das condições de trabalho e do atendimento. Os problemas vão desde a falta de medicamentos, colchões, lençóis e leitos até acusações de favorecimento de funcionários.
Imagens às quais o Metrópoles teve acesso mostram pacientes deitados no chão, dividindo leitos, sem lençóis e com colchões rasgados. Também há camas enferrujadas, as paredes apresentam infiltrações e há constante superlotação na unidade. Funcionários que trabalham no hospital e não quiseram se identificar afirmam: “A situação é muito difícil. O clima de trabalho é muito pesado e não temos segurança nenhuma.”
Servidores também reclamam da divisão de tarefas na unidade. Atualmente, 12 técnicos de enfermagem trabalham em cada plantão: seis na ala de pronto-socorro, onde são tratados casos mais rápidos; e seis na ala de tratamentos mais longos. Ao todo, são 70 auxiliares, 35 para cada área. No entanto, funcionários afirmam que a carga de trabalho no pronto-socorro é muito maior e que precisa de muito de servidores que a outra ala.
Segundo a direção do hospital, a lotação máxima do HSVP é de 83 pessoas, 41 no pronto-socorro e 42 na ala de tratamento mais longo. Os servidores, no entanto, afirmam que essa última ala costuma abrigar apenas 20 pacientes por vez, enquanto o pronto-socorro já chegou a ter 85, sendo que ambas contam com o mesmo número de auxiliares. Eles denunciam ainda que os responsáveis pela enfermagem escolhem a dedo quem vai ficar em cada área. Dizem que há profissionais que constam na escala de plantão, mas não trabalham efetivamente onde estariam alocados.
Outras reclamações dizem respeito à dificuldade para a troca de plantões; à sobrecarga de trabalho; ao convívio unificado entre pacientes com diferentes graus de patologia; e à falta de segurança dos auxiliares de enfermagem.
“Todos os servidores dessa área já sofreram agressões físicas de doentes. Há alguns dias, um profissional levou um soco e quase perdeu a visão. Outro teve de levar pontos na cabeça”, denunciam os funcionários do hospital.
A pressão é tanta que provocou o pedido de exoneração de um servidor, há cerca de três semanas. Na carta, onde explica os motivos do requerimento, ele diz que pediu demissão devido “às condições mínimas não serem respeitadas na unidade de emergência deste hospital, local no [sic] qual me designam arbitrariamente sem direito a questionar e relatando que os demais setores do hospital não necessitam de funcionário homem [sic]”.
O profissional diz que foi “conivente com maus-tratos a pacientes devido à falta de recursos do GDF”. “Me recuso a trabalhar com uma direção seletiva, arbitrária, desrespeitosa, que não pensa no bem da instituição e nem dos funcionários que aqui trabalham”, continua.
Problemas reais
Em entrevista ao Metrópoles, a diretora-geral do HSVP, Vanessa Gonçalves, confirmou a superlotação. “Ocorre de, às vezes, pacientes ficarem deitados em colchões no chão porque nós somos o único hospital público psiquiátrico a atender todo o DF e entorno”, afirma. Na segunda-feira (12/9), havia 14 pacientes a mais que a lotação máxima do HSVP, que é de 83 pessoas, 41 no pronto-socorro e 42 na outra ala.
Vanessa também confirmou o déficit de profissionais — faltam sete médicos e cerca de 30 auxiliares de enfermagem — e de medicamentos. “Existe uma insuficiência geral de remédios e trabalhadores na rede pública de saúde do DF atualmente, e no HSVP não é diferente”, afirma. Quantos às falhas de manutenção, a diretora afirmou que colchões danificados são trocados rapidamente e que os lençóis não são usados por pacientes durante o dia, porque precisam ser lavados e também podem representar riscos para os internados.
Em relação ao tratamento de pacientes com diferentes patologias no mesmo ambiente, a diretora do HSVP afirmou que não há recomendação do Ministério da Saúde que proíba esse tipo de tratamento. Disse ainda que essa terapia tem o objetivo de não segregá-los ainda mais, pois já sofrem preconceito da sociedade. E também alegou que os pacientes agressivos são levados para um ambiente de contenção quando exibem esses comportamentos.
Por fim, quanto às denúncias de favorecimentos de funcionários, Vanessa Gonçalves afirma não ter conhecimento de qualquer ação desse tipo e alega não ter recebido nenhuma denúncia formal.
Prejuízo ao tratamento
O psiquiatra Ewerton Torreão assegura que condições precárias podem ser muito prejudiciais ao tratamento de pacientes com transtornos mentais. “Essas pessoas já estão em um estado delicado e, nessas condições, ficam ainda mais fragilizadas. A psiquiatria é a área que mais necessita de um ambiente agradável”, afirma.
Ewerton também é crítico da convivência única de pacientes com diferentes patologias. “Os mais graves acabam causando constrangimento a quem sofre de transtornos mais leves”, explica. Por fim, o médico afirma que a sobrecarga dos funcionários pode, sim, influir no tratamento dos pacientes. “O maior problema é a falta de recursos. Os servidores trabalham muito e, às vezes, não estão preparados. Assim, chegam a um estado mental que pode até levá-los a descontar nos pacientes”, finaliza.
Fonte: Metrópoles