A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) realizou oitiva do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-chefe do Comando Militar do Planalto (CMP). O comandante negou que tenha impedido ou que o exército tenha evitado desmonte ou desocupação do acampamento que se estabeleceu em frente ao Quartel General do Exército (QG).
“A área é de servidão militar, que está próxima dos quartéis. Tem jurisdição do GDF e responsabilidade administrativa do Exército. Quando as atividades ali desempenhadas atrapalham o dia a dia do quartel, o exército tem autorização para intervir. Quando não acontece isso, não é atribuição do exército”, afirmou Dutra.
“Estão jogando a responsabilidade toda em cima do Comando Militar do Planalto, dizendo que não tiraram o acampamento porque o comando não deixou”, disse o presidente da CPI, deputado Chico Vigilante (PT) quando exibiu vídeos de reportagens, registrando que o Quartel General do Exército (QG) estava cercado e com presença de militares e equipamentos da força. “Nenhuma instituição que tinha a responsabilidade de dizer que aquele acampamento era ilegal, o fez. No dia 15 de novembro chegamos a ter cem mil pessoas no SMU. Após essa data, aproveitamos a desmotivação e estávamos desmontando o acampamento. Se não houvesse aquele lamentável 8 de janeiro, na semana do dia 9 o acampamento acabaria naturalmente, sem nenhuma pessoa machucada. É importante frisar que, em outras cidades do Brasil, em que houve ordem judicial para desmontar o acampamento, ele foi desmontado. Nenhuma instituição deu ordem judicial para desmontar”, disse o general.
Ele falou também sobre afirmações de depoentes da PM, que alegaram ter mobilizado tropa para desmontar o acampamento em mais de uma oportunidade e foram impedidos pelo exército. “Tem se falado muito no dia 29 de dezembro. Está aqui o Protocolo de Ação Integrada (PAI) 215, que eu recebi por ofício assinado pelo secretário de Segurança Pública do DF no dia 28 de dezembro. O ofício cita ações de combate ao ilícito e desmontagem das estruturas vazias. Esse era o objetivo da operação. Ela não aconteceu porque realmente em determinado momento houve acirramento dos ânimos contra os agentes do DF Legal. O acampamento estava diminuindo. No final de dezembro estava bastante vazio, mas tinha ainda muita estrutura montada. Se o DF Legal fosse, poderia confiscar as barracas, mas não se pode falar em uma operação para desocupação que inclua o DF Legal”, disse o general.
O militar continuou. “Aconteceu uma coincidência que, do dia 28 para o dia 29, chegou muita gente. Então, o acampamento que estava amanhecendo com 300 ou 400 pessoas, naquela manhã do dia 29, já tinham mais de mil pessoas. Quando o DF Legal chegou, houve um acirramento dos ânimos. Ali na Praça dos Cristais, em frente ao QG do Exército. E o barulho ficou grande. O comandante do Exército me ligou e perguntou o que estava acontecendo, porque as desmontagens nunca foram tumultuadas. Eu disse que tinha um antagonismo com o DF Legal. Ele me perguntou se tinha ordem judicial para desmontar o acampamento. Respondi que não. Então ele me disse: hoje é dia 29, a posse é daqui a dois dias. Não pode ter problema nesse momento, agradece a PM e continua desmontando. Quando nossos soldados desmontavam não tinha problema”, disse o general, enquanto mostrava fotos aéreas que registraram a evolução do acampamento.
“Nós nunca demos vida fácil para os manifestantes. Nunca recebemos ordem judicial para tirar. Quando recebemos, no dia 8, tiramos. Esse tipo de operação é extremamente complexa porque coloca muito em risco as pessoas, sejam manifestantes ou da tropa. De acordo com os manuais militares, essa operação é feita em três fases. Isolamento da área para preservar o entorno. A segunda, da negociação. E a terceira, se não houver êxito na segunda, é o investimento. No dia 9 houve uma atuação muito sinérgica. No dia 29 a operação era para combate ao ilícito, não era para desocupação”, garantiu o general.
Prisões
O general Dutra também foi perguntado se não permitiu a prisão de pessoas no acampamento após os atos do dia 8 de janeiro. O militar disse que não houve obstrução. “O que aconteceu depois daqueles atos de vandalismo lamentáveis e inexplicáveis, foi que os manifestantes que estavam na praça até o dia 6, não eram os que estavam lá no dia 7 porque nesta data chegaram a Brasília 120 ou 130 ônibus e, deles, cerca de 70 desembarcaram pessoas no SMU. Quando soubemos da chegada, determinamos o fechamento do SMU. No dia 8, as pessoas fizeram os atos de vandalismo e começaram a voltar para a Praça dos Cristais. Já durante a noite, em reunião que fiz com o interventor Ricardo Cappelli, eu disse que essa operação era muito complexa e com risco de mortes. Ele me perguntou se eu estava dizendo que eles estavam armados. Eu disse que não. Eu afirmava que a Praça dos Cristais não tem iluminação para operação noturna, que tem várias pedras portuguesas, que tem degrau, tem um lago no meio, no acampamento ainda tinha faca de churrasco e espeto. Tinha mulher e idoso. ‘Se nós entrarmos sem planejar, tem gente que pode morrer até afogado no lago’. Ele disse que ligaria para o ministro Flávio Dino e o que ele decidisse seria feito. Então, eu liguei para o general Gonçalves Dias, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Disse a ele que teríamos uma operação sem planejamento e que seria com alto grau de risco. Pedi que ele ligasse para o presidente Lula e o alertasse. Ele me disse que estava com o presidente Lula. Pedi que ele explicasse que a operação não poderia ser feita sem planejamento. Ele desligou e ligou de volta em menos de dois minutos e me disse: o presidente está muito irritado e disse que vai entrar. Eu disse: general, vai dar problema. Então ele passou o telefone para o presidente Lula que me disse: ‘general, são criminosos, têm que ser todos presos’. Eu disse, ‘presidente, ninguém tem dúvida disso, estamos todos indignados, serão presos’. Ele repetiu: ‘general, são criminosos, têm que ser todos presos’. Eu disse, ‘serão presos só que até agora nós estamos lamentando dano ao patrimônio. Se nós entrarmos agora, sem planejamento, podemos terminar essa noite com sangue’. O presidente Lula na mesma hora falou: ‘seria uma tragédia’. E completou: general, isola a praça e prende todo mundo amanhã”, relatou Dutra.
Após o diálogo foi realizada reunião dele e do comandante do Exército com os ministros Flávio Dino (Justiça), Ricardo Cappelli (Interventor) e José Múcio (Defesa) na qual foi planejada a ação do dia 9 de janeiro. “Na noite do dia 8, quando nós isolamos a praça, as pessoas acharam que estávamos fazendo para protegê-las e foram dormir. Na manhã seguinte chegaram os ônibus e a PM. Aproveito para esclarecer. Ninguém entrou naqueles ônibus sem saber para onde iria. Foi avisado que iriam para a Polícia Federal, que passariam por uma triagem, que ali seria verificado o que cada um fez. ninguém entrou sem saber para onde estava indo”, garantiu o general.
“O doutor Ricardo Cappelli declarou em uma entrevista que prendemos mais de mil pessoas na praça sem nenhum incidente, sem ferir ninguém. E gostaria de lembrar que a ordem judicial determinava 24 horas e a prisão e a desocupação foram efetivadas em prazo bastante inferior ao determinado pelo ministro Alexandre de Moraes”, disse Dutra.
O deputado Thiago Manzoni (PL) questionou se houve ordem de prisão das pessoas que estavam no acampamento na manhã do dia 9 de janeiro. “Quando amanhece, os ônibus estão lá para levar aquelas pessoas para o ginásio da Polícia Federal. Houve ordem de prisão daquelas pessoas”, perguntou. “Houve o mandado do ministro Alexandre de Moraes. Quem executou e coordenou a operação foi a Secretaria de Segurança Pública. O exército prestou apoio”, respondeu o general.
Confronto
O depoente se adiantou à pergunta sobre possível confronto entre o exército e a PM na noite de 8 de janeiro. “Há uma versão de que o exército entraria em confronto com a PM. Isso é uma insanidade. Estávamos ali, aumentando o isolamento do SMU, para dissuadir a volta dos manifestantes”, disse o general. “Não houve discussão acalorada com o doutor Ricardo e muito menos com o Fábio Augusto. Com todo respeito ao Fábio Augusto, ele participou muito pouco dessa conversa, que ficou entre o doutor Ricardo e eu e depois entre os ministros, o comandante do Exército e eu. Foi tudo coordenado, acertado e foi cumprido, como foi relatado pelo doutor Ricardo na manhã do dia 9, sem ferirmos ninguém”, finalizou o general.
Já o relator da CPI, deputado Hermeto (MDB) questionou o general sobre vídeo em que há um embate entre um coronel do exército e um oficial do Batalhão de Choque da PMDF dentro do Palácio do Planalto durante a invasão e depredação do prédio. “Foi um mal entendido por ordens diferentes. Um com ordem de evacuar, outro com ordem de prender. Eles se encontraram e tiveram uma discussão que durou o tempo do vídeo. Em seguida, foi esclarecido e começaram a trabalhar juntos” declarou o general.
Presidente
A oitiva teve a presença do presidente da CLDF, deputado Wellington Luiz (MDB). “Sua presença aqui mostra respeito por esta instituição. Os seus esclarecimentos, de forma muito tranquila, nos dão a certeza de que fatos importantes serão esclarecidos aqui hoje”, afirmou o presidente da Câmara Legislativa.
Atos ilícitos
Questionado por Vigilante sobre atos ilícitos no acampamento, o general disse que estavam combatendo essas práticas. “Em nenhum momento houve obstrução de ação dos órgãos de segurança pública. Todo ilícito que nós tínhamos conhecimento, foi combatido. Nunca pegamos nenhum tráfico, nenhuma prostituição”, falou o general.
Em outro momento do depoimento, ele declarou que no dia 10 de janeiro foi encontrado um revólver no lago da Praça dos Cristais.
Terrorista
O deputado Pastor Daniel de Castro (PP) afirmou que estava com a alma lavada. “Sinto minha alma lavada pelas respostas. Não é hora de julgarmos as pessoas ainda. Isso não é o papel nosso, da CPI. O senhor desmonta outras narrativas que as pessoas que sentaram nessa cadeira omitiram e quero crer que alguns terão que sentar aí outra vez”, declarou o parlamentar. Ele perguntou ao comandante sobre o acampamento. “Ali era um acampamento terrorista e golpista?”, questionou. “Acampamento terrorista, não. Em nenhum momento esse acampamento foi dado como ilegal”, respondeu o general.
Já o deputado Joaquim Roriz Neto (PL) perguntou se foi identificado qualquer ato de planejamento dos atos de 8 de janeiro. “Como era a postura dos acampados? O exército verificou se aquelas pessoas estavam de fato chegando ou planejamento algum ato extremo?”, indagou. “Em nenhum momento houve o levantamento do planejamento de qualquer coisa, como por exemplo a catástrofe do dia 8”, respondeu o general.
Por outro lado, o deputado Max Maciel questionou sobre a classificação de atos. “Como se classifica um grupo de pessoas que se reúne, organiza e monta uma bomba, planeja colocar dentro de um caminhão-tanque num aeroporto dentro da capital de um país. Qual nome que a gente dá para isso?”, perguntou. “Criminosos”, respondeu o general. E o deputado completou. “No mundo, isso chama-se ato terrorista”. O parlamentar ainda citou trecho do depoimento prestado para a Polícia Federal por George Washington, acusado pela bomba. “Ele diz textualmente, entre aspas, ‘que o atentado nasceu em conversas no acampamento montado frente ao QG do Exército’, com apoiadores do então presidente Bolsonaro”, declarou Max.
Efetivo
Hermeto também indagou sobre o efetivo que estava no Palácio do Planalto para conter as invasões. “O levantamento dos efetivos necessários e o emprego da tropa é coordenado pelo GSI e o CMP, que tem a responsabilidade de atender a demanda. Até as 11h54 do dia 8, o GSI não viu necessidade de efetivo extra. Então havia um pelotão, composto de 36 homens, que tiram o serviço de guarda. E, aproximadamente, 15 agentes do GSI. Após esse horário, o GSI viu um aumento de manifestantes na Esplanada e mandou ao CMP o pedido da presença de um pelotão [mais 36 homens]. Esse grupo é a primeira fração, mandado para o Palácio do Planalto, armado e equipado para controle de distúrbios. Chegou lá em torno das 12h30. Era somente esse pelotão que estava lá na hora da invasão. Em torno das 14h30 houve um confronto entre manifestantes e a polícia na altura do Tatuí. A partir os manifestantes perderam o controle e nesse momento eu liguei para o meu coronel e disse para mandar a tropa que temos de prontidão no SMU para lá. Desde o dia 31 de outubro, tínhamos 2 grupos de 120 homens no SMU e mandamos para o Planalto. O efetivo que estava lá por demanda do GSI e por avaliação do GSI, que é quem tem a obrigação de fazer, era de um pelotão”, explicou o general.
Bolsonaro
O deputado Fábio Felix (Psol) questionou sobre as manifestações do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Houve uma tentativa clara de aparelhamento das forças armadas e como consequências, os acampamentos e a forma como extremistas e golpistas atuaram têm relação com as declarações”, disse o deputado. “As forças armadas são uma instituição de Estado. Acredito que o Exército Brasileiro está totalmente voltado para o cumprimento de nossa missão. Foram coisas do presidente da República com as pessoas que trabalhavam com ele no governo dele. Não era o Exército”, disse o general.
PAI e GLO
A deputada Jaqueline Silva (sem partido) questionou se a orientação da Secretaria de Segurança Pública (SSP DF) de direcionar os ônibus que chegaram com manifestantes para o SMU teria atrapalhado a estratégia do exército de reduzir o acampamento. “No dia 6 estava tudo sob controle. E de repente, no dia 7 muda. O que foi orientado, teria atrapalhado”, indagou. “Nós não participamos do PAI 02/2023. Ficamos sabendo que os ônibus estavam chegando e seriam direcionados ao SMU para desembarque. Nós fechamos o SMU”, afirmou o general, reforçando que não teria condições de fazer essa relação questionada pela parlamentar.
O deputado Robério Negreiros (PSD) perguntou por que o CMP não participou da reunião de preparação do PAI. “Acredito que não a gente não foi convidado para esta reunião porque o GSI tinha responsabilidade com o Palácio do Planalto. E as outras instalações, do Congresso, do STF e a Esplanada não haveria como o exército realizar qualquer ação sem um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Pode ser por esse motivo que não fomos convidados”, respondeu o general.
Golpe de Estado
O deputado Gabriel Magno (PT) disse que os fatos do dia 8 de janeiro são uma tentativa de golpe de Estado. “Estamos falando de uma tentativa de golpe de Estado. Esse é um crime que tem uma peculiaridade porque é preciso ser combatido antes de acontecer porque depois que acontecesse não tem mais o que fazer. Era preciso ação de vários atores nesse processo. E teve muita falha, por ação e também por omissão. E ainda bem que a tentativa não se concretizou, mas o crime foi operacionalizado. O senhor mostrou um vídeo com o relato de um deles, falando que nunca colocaram barreiras como essa. Isso mostra que até o dia 31 de dezembro o governo brasileiro foi conivente com essa tentativa”, afirmou Magno.
Ordem judicial
A deputada Paula Belmonte (Cidadania) reiterou o questionamento sobre ordem judicial para desmontar o acampamento. “Aqui o senhor repetiu algumas vezes que a respeito da ordem judicial, que o senhor não fez nada ou o Comando do Exército não fez nada porque não tinha ordem judicial. É isso, não é?” perguntou Belmonte. “Eu gostaria de dizer que nós não fizemos nada que houvesse o emprego da força, que colocasse em risco o patrimônio público ou a vida humana. Mas nós fizemos muita coisa para desmobilizar o acampamento e para desmotivar as pessoas a ficarem acampadas. No tocante à ação direta com o emprego da força, nós não fizemos porque não houve ordem judicial”, repetiu o general.
Francisco Espínola – Agência CLDF