Após fazer declaração em rede social, diversas pessoas afirmam passar por situações semelhantes e demonstram realidade centenas de servidores públicos do DF.
Por Kleber Karpov
Relatos sobre descontos exagerados sobre os vencimentos do funcionalismo público por parte de o Banco Regional de Brasília (BRB), para o abatimento de dívidas dos trabalhadores não são novidades, mas até a poucos uma frase não teve tanto impacto quando um servidor, que não terá o nome divulgado por Política Distrital resolveu externar o sentimento de impotência e publicar o drama em uma rede social.
Após a exposição e assumir que os descontos não deixam recursos sequer para manter as necessidades básicas, chamou atenção do Blog que aproximadamente uma centena de pessoas que responderam à postagem, quase todas em algum momento vivem ou viveram o mesmo drama.
Política Distrital vai fazer uma série de entrevistas para falar desse problema aflige os servidores públicos do DF. Nesta edição Política Distrital conversa com a advogada, Fernanda Borges Ferreira. As próximas entrevistas devem ocorrer com a psicóloga e assistente social, Dalzi Neres Moreira da Fonseca, com o presidente da Defensoria Pública do DF (DPDF), Ricardo Batista Sousa e com representantes de entidades sindicais.
Fernanda Borges é advogada, sócia do escritório de advocacia Borges & Ferreira sociedade de Advogados e conversou com Política Distrital, sob a ótica jurídica, em abordagens de soluções e caminhos, que poderão ser percorridos por esses trabalhadores em dívidas junto ao BRB e que não conseguem negociá-las.
POLITICA DISTRITAL (PD): Dra. Fernanda, no funcionalismo público do DF, não é difícil se deparar com servidores com a ‘corda no pescoço’. Em muitos os casos, afirmam não conseguir receber um único centavo quando o salário é depositado pelo GDF, isso por causa de descontos de empréstimos e financiamentos contraídos junto ao BRB. Isso é tão comum assim?
DRA. FERNANDA BORGES (FB): Sim. E com mais frequência do que se imagina. As pessoas geralmente sentem vergonha de expor sua situação financeira, se não for favorável. E também existe uma cultura que o devedor o é por deliberação, ou seja, é um caloteiro. Mas hoje, a Justiça já determina diferenças entre devedores, entre os que contraíram empréstimos por motivos justificáveis e aqueles que agem de má fé para se enriquecer e causar prejuízo às instituições.
PD: E a quantidade de servidores é expressiva?
FB: Sabemos que o percentual de servidores endividados no DF é absurdo. Nessa situação de crise, encontrar uma solução para essa situação pode livrar muitas famílias do sofrimento de não conseguir arcar com as despesas da família, enquanto o banco aumenta a sua lucratividade em progressão geométrica.
PD: O BRB pode fazer dedução de dívidas de todo o salário do servidor? As instituições financeiras não têm que respeitar um limite de dedução de 30% sob o vencimento do servidor. Como conseguem burlar essa regra?
FB: Os bancos trabalham com vários tipos de empréstimos. O consignado atrai o servidor público pela facilidade de contratação. Geralmente esse tipo de empréstimo pode ser contratado pela internet. Quando não há mais margem consignável, o banco passa a oferecer crédito parcelado em conta corrente. Um CDB. E esse tipo de empréstimo não está limitado a 30%. Além disso, o banco oferece altos limites de cheque especial, cartões de crédito mesmo para quem já tem a renda muito comprometida. Há também antecipações de salário, décimo terceiro e férias. Tudo de forma ilimitada, às vezes todos os empréstimos ao mesmo tempo. E também sendo descontados ao mesmo tempo. O servidor fica sem salário.
PD: Isso não se torna uma espécie de uma armadilha, bem irresistível, para o servidor?
FB: É uma armadilha tão irresistível quanto nociva. No início o servidor contrai dívidas para usufruir do dinheiro. E por último o servidor renova suas dívidas apenas para reduzir o valor da prestação. Começa com uma ação voluntária de adquirir um bem e germina de forma trágica, em uma dívida impagável, inegociável e que impede as suas mínimas condições de subsistência. Por isso é importante buscar orientação ao se deparar com problemas dessa natureza antes que a situação fique insustentável.
PD: Por ser o BRB um banco estatal, criar condições para que os servidores caiam nessa armadilha não gera um conflito de interesses ou ético com o próprio Estado?
FB: Com certeza o fato de o governo ser acionista do banco gera conflitos. É preciso discutir a responsabilidade social do banco nessa relação. Pois existe uma política de concessão de crédito. E o banco tem poder sobre a integralidade dos salários dos servidores públicos. Estamos vivendo uma época de verdadeira servidão, escravidão por dívidas mesmo, uma vez que o governo é acionista do banco e também o “patrão” dos endividados. Na prática cria-se uma relação de servidão. Como nos tempos do café. Na atualidade essa seria uma das formas de escravizar as pessoas. Grandes doutrinadores do direito concordam com essa ideia. Então o GDF precisa sim se atentar a esse problema que pode inclusive estar colaborando com a recessão no DF.
PD: Essa situação não prejudica o próprio governo com um índice elevado de absenteísmo?
FB: Há estudos internacionais que demonstram que as dívidas influenciam diretamente na vida social, laboral e em família, mas não sabemos os percentuais aqui no DF.
PD: Juridicamente, o que pode ser feito em um caso como esse?
FB: Atualmente, a justiça tem sido a única via de solução desses problemas, pois o banco se recusa a renegociar dívidas, o governo não se pronuncia por anos a fio, pois este problema não é recente, mas já chegou ao seu ápice. A justiça reconhece que o mínimo existencial dos trabalhadores deve ser respeitado e restabelece um percentual da renda. No entanto, ainda há muitos pontos a serem discutidos. Recentemente o TJDFT criou uma central de negociação entre devedores e credores que tem obtido bons resultados, mas precisamos que as decisões mais protetivas ao consumidor se transformem em jurisprudência, para coibir a abusividade nas relações de crédito onde o servidor é sempre hipossuficiente.
PD: Desvincular a conta corrente da Conta Salário também é uma opção?
FB: Desvincular a conta corrente da conta salário é um jeito de evitar o desconto compulsório momentaneamente, mas está longe de ser uma solução para o problema. Pois o não pagamento verá inadimplência e da ao banco o direito de processar o consumidor endividado.
PD: Os constantes atrasos de salários por parte do GDF agravam mais a crise para o servidor uma vez que os vencimentos do governo e do Banco não são vinculados. O governo pode ser responsabilizado de alguma forma?
FB: Os atrasos de salários geram juros a serem pagos pelo consumidor de crédito. Não há uma responsabilidade direta do governo pelos compromissos financeiros assumidos pelos servidores. Mas há outros motivos para questionar a responsabilidade do Distrito Federal, acionista do banco. Neste ponto os sindicatos poderiam negociar a melhora desse relacionamento.
PD: Os sindicatos estão preparados ou lidam com essa realidade do servidor?
FB: Infelizmente eu não tenho um relacionamento próximo com os sindicatos, mas já ouvi diversos relatos de servidores que até se desfilam de sindicatos que se recusaram a tentar ao menos entender o problema dos servidores com o banco.
PD: E que alternativa resta ao servidor para tentar se livrar do endividamento? A senhora falou em procurar a Justiça. O que pode ser feito nesse sentido?
FB: No ambiente judiciário é muito mais fácil negociar essas dívidas e até conseguir taxas de juros melhores. As leis passam a ser observadas com mais rigor e normalmente o consumidor sai com a solução dos problemas com dívidas. Então, é importante buscar orientação caso a caso, com um advogado experiente nessas questões bancárias para se chegar a uma solução de fato.
PD: Entrar com a ação não pode acarretar algum tipo de risco de retaliação, por parte do banco?
FB: O banco tem uma política de não ofertar crédito ou negociações com os clientes que optam pela via judiciária. Mas não vejo nisso uma sanção. O consumidor também precisa se educar em relação ao crédito.
PD: A senhora é autora de artigos que apontam questionamentos em relação ao BRB, qual sua maior crítica em relação ao banco?
FB: Podemos dizer que um banco que não é totalmente privado deveria colocar o aspecto social em primeiro plano ao definir sua forma de atuação. É um banco que trabalha com o crédito consignado e, portanto, tem garantia de recebimento dos valores emprestados, mas nem por isso cobra juros mais baixos. Além disso, o governo protege as relações comerciais do banco, impedindo que créditos consignados sejam ofertados aos servidores do Distrito Federal por outras instituições bancárias. Essa medida já foi considerada inconstitucional, mas tanto o banco quanto o Governo do Distrito Federal não tomaram providências a esse respeito. O sistema do banco também é muito falho sempre em questões que desfavorecem os seus clientes, como aqueles casos em que no dia do pagamento o servidor não consegue ter acesso aos vencimentos ou nas situações em que, após as 22 horas, se torna impossível utilizar o cartão de débito do banco. Não são casos isolados e alguns estabelecimentos até pedem pagamento antecipado quando percebem que o cartão a ser utilizado é o do banco local. Infelizmente há muitas situações desse tipo que não são resolvidas ao longo dos anos.
PD: O BRB divulgou o balanço referente ao primeiro semestre de 2015, com lucro de R$ 31,278 milhões, uma queda vertiginosa de 62,2% quando comparado a igual período de 2014. Essa conta pode sobrar para os servidores?
FB: Os juros aumentaram. A política de crédito mudou muito. Obter crédito está muito mais caro pelo cenário político que vivemos atualmente. Então são muitos fatores a considerar. Mas a conta sempre sobra para o consumidor.
PD: Algum conselho para os leitores? Gostaria de acrescentar algo?
FB: Evitem crédito neste momento do país e aos que já estão endividados nos níveis que comentamos aqui, que busquem orientação jurídica.