“Já faz 5 meses que o BRB pega todo meu salario! Quase dando um tiro na cabeça!!”, afirma servidor do GDF



Após fazer declaração em rede social, diversas pessoas afirmam passar por situações semelhantes e demonstram realidade centenas de servidores públicos do DF.

Por Kleber Karpov
Desabafo de um servidor desesperado reúne colegas em mesma condição
Desabafo de um servidor desesperado reúne colegas em mesma condição

Relatos sobre descontos exagerados sobre os vencimentos do funcionalismo público por parte de o Banco Regional de Brasília (BRB), para o abatimento de dívidas dos trabalhadores não são novidades, mas até a poucos uma frase não teve tanto impacto quando um servidor, que não terá o nome divulgado por Política Distrital resolveu externar o sentimento de impotência e publicar o drama em uma rede social.

Após a exposição e assumir que os descontos não deixam recursos sequer para manter as necessidades básicas, chamou atenção do Blog que aproximadamente uma centena de pessoas que responderam à postagem, quase todas em algum momento vivem ou viveram o mesmo drama.

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Política Distrital vai fazer uma série de entrevistas para falar desse problema aflige os servidores públicos do DF. Nesta edição Política Distrital conversa com a advogada, Fernanda Borges Ferreira. As próximas entrevistas devem ocorrer com a psicóloga e assistente social, Dalzi Neres Moreira da Fonseca, com o presidente da Defensoria Pública do DF (DPDF), Ricardo Batista Sousa e com representantes de entidades sindicais.

Fernanda Borges é advogada, sócia do escritório de advocacia Borges & Ferreira sociedade de Advogados e conversou com Política Distrital, sob a ótica jurídica, em abordagens de soluções e caminhos, que poderão ser percorridos por esses trabalhadores em dívidas junto ao BRB e que não conseguem negociá-las.

POLITICA DISTRITAL (PD): Dra. Fernanda, no funcionalismo público do DF, não é difícil se deparar com servidores com a ‘corda no pescoço’. Em muitos os casos, afirmam não conseguir receber um único centavo quando o salário é depositado pelo GDF, isso por causa de descontos de empréstimos e financiamentos contraídos junto ao BRB. Isso é tão comum assim?

DRA. FERNANDA BORGES (FB): Sim. E com mais frequência do que se imagina. As pessoas geralmente sentem vergonha de expor sua situação financeira, se não for favorável. E também existe uma cultura que o devedor o é por deliberação, ou seja, é um caloteiro. Mas hoje, a Justiça já determina diferenças entre devedores, entre os que contraíram empréstimos por motivos justificáveis e aqueles que agem de má fé para se enriquecer e causar prejuízo às instituições.

PD: E a quantidade de servidores é expressiva?

FB: Sabemos que o percentual de servidores endividados no DF é absurdo. Nessa situação de crise, encontrar uma solução para essa situação pode livrar muitas famílias do sofrimento de não conseguir arcar com as despesas da família, enquanto o banco aumenta a sua lucratividade em progressão  geométrica.

PD: O BRB pode fazer dedução de dívidas de todo o salário do servidor? As instituições financeiras não têm que respeitar um limite de dedução de 30% sob o vencimento do servidor. Como conseguem burlar essa regra?

FB: Os bancos trabalham com vários tipos de empréstimos. O consignado atrai o servidor público pela facilidade de contratação. Geralmente esse tipo de empréstimo pode ser contratado pela internet. Quando não há mais margem consignável, o banco passa a oferecer crédito parcelado em conta corrente. Um CDB. E esse tipo de empréstimo não está limitado a 30%. Além disso, o banco oferece altos limites de cheque especial, cartões de crédito mesmo para quem já tem a renda muito comprometida. Há também antecipações de salário, décimo terceiro e férias. Tudo de forma ilimitada, às vezes todos os empréstimos ao mesmo tempo. E também sendo descontados ao mesmo tempo. O servidor fica sem salário.

PD: Isso não se torna uma espécie de uma armadilha, bem irresistível, para o servidor?

FB: É uma armadilha tão irresistível quanto nociva. No início o servidor contrai dívidas para usufruir do dinheiro. E por último o servidor renova suas dívidas apenas para reduzir o valor da prestação. Começa com uma ação voluntária de adquirir um bem e germina de forma trágica, em uma dívida impagável, inegociável e que impede as suas mínimas condições de subsistência. Por isso é importante buscar orientação ao se deparar com problemas dessa natureza antes que a situação fique insustentável.

PD: Por ser o BRB um banco estatal, criar condições para que os servidores caiam nessa armadilha não gera um conflito de interesses ou ético com o próprio Estado?

FB:  Com certeza o fato de o governo ser acionista do banco gera conflitos. É preciso discutir a responsabilidade social do banco nessa relação. Pois existe uma política de concessão de crédito. E o banco tem poder sobre a integralidade dos salários dos servidores públicos. Estamos vivendo uma época de verdadeira servidão, escravidão por dívidas mesmo, uma vez que o governo é acionista do banco e também o “patrão” dos endividados. Na prática cria-se uma relação de servidão. Como nos tempos do café. Na atualidade essa seria uma das formas de escravizar as pessoas. Grandes doutrinadores do direito concordam com essa ideia. Então o GDF precisa sim se atentar a esse problema que pode inclusive estar colaborando com a recessão no DF.

PD: Essa situação não prejudica o próprio governo com um índice elevado de absenteísmo?

FB: Há estudos internacionais que demonstram que as dívidas influenciam diretamente na vida social, laboral e em família, mas não sabemos os percentuais aqui no DF.

PD: Juridicamente, o que pode ser feito em um caso como esse?

FB: Atualmente, a justiça tem sido a única via de solução desses problemas, pois o banco se recusa a renegociar dívidas, o governo não se pronuncia por anos a fio, pois este problema não é recente, mas já chegou ao seu ápice. A justiça reconhece que o mínimo existencial dos trabalhadores deve ser respeitado e restabelece um percentual da renda. No entanto, ainda há muitos pontos a serem discutidos. Recentemente o TJDFT criou uma central de negociação entre devedores e credores que tem obtido bons resultados, mas precisamos que as decisões mais protetivas ao consumidor se transformem em jurisprudência, para coibir a abusividade nas relações de crédito onde o servidor é sempre hipossuficiente.

PD: Desvincular a conta corrente da Conta Salário também é uma opção?

FB: Desvincular a conta corrente da conta salário é um jeito de evitar o desconto compulsório momentaneamente, mas está longe de ser uma solução para o problema. Pois o não pagamento verá inadimplência e da ao banco o direito de processar o consumidor endividado.

PD: Os constantes atrasos de salários por parte do GDF agravam mais a crise para o servidor uma vez que os vencimentos do governo e do Banco não são vinculados. O governo pode ser responsabilizado de alguma forma?

FB: Os atrasos de salários geram juros a serem pagos pelo consumidor de crédito. Não há uma responsabilidade direta do governo pelos compromissos financeiros assumidos pelos servidores.  Mas há outros motivos para questionar a responsabilidade do Distrito Federal, acionista do banco. Neste ponto os sindicatos poderiam negociar a melhora desse relacionamento.

PD: Os sindicatos estão preparados ou lidam com essa realidade do servidor?

FB: Infelizmente eu não tenho um relacionamento próximo com os sindicatos, mas já ouvi diversos relatos de servidores que até se desfilam de sindicatos que se recusaram a tentar ao menos entender o problema dos servidores com o banco.

PD: E que alternativa resta ao servidor para tentar se livrar do endividamento? A senhora falou em procurar a Justiça. O que pode ser feito nesse sentido?

FB: No ambiente judiciário é muito mais fácil negociar essas dívidas e até conseguir taxas de juros melhores. As leis passam a ser observadas com mais rigor e normalmente o consumidor sai com a solução dos problemas com dívidas. Então, é importante buscar orientação caso a caso, com um advogado experiente nessas questões bancárias para se chegar a uma solução de fato.

PD: Entrar com a ação não pode acarretar algum tipo de risco de retaliação, por parte do banco?

FB: O banco tem uma política de não ofertar crédito ou negociações com os clientes que optam pela via judiciária. Mas não vejo nisso uma sanção. O consumidor também precisa se educar em relação ao crédito.

PD: A senhora é autora de artigos que apontam questionamentos em relação ao BRB, qual sua maior crítica em relação ao banco?

FB: Podemos dizer que um banco que não é totalmente privado deveria colocar o aspecto social em primeiro plano ao definir sua forma de atuação. É um banco que trabalha com o crédito consignado e, portanto, tem garantia de recebimento dos valores emprestados, mas nem por isso cobra juros mais baixos. Além disso, o governo protege as relações comerciais do banco, impedindo que créditos consignados sejam ofertados aos servidores do Distrito Federal por outras instituições bancárias. Essa medida já foi considerada inconstitucional, mas tanto o banco quanto o Governo do Distrito Federal não tomaram providências a esse respeito. O sistema do banco também é muito falho sempre em questões que desfavorecem os seus clientes, como aqueles casos em que no dia do pagamento o servidor não consegue ter acesso aos vencimentos ou nas situações em que, após as 22 horas, se torna impossível utilizar o cartão de débito do banco. Não são casos isolados e alguns estabelecimentos até pedem pagamento antecipado quando percebem que o cartão a ser utilizado é o do banco local. Infelizmente há muitas situações desse tipo que não são resolvidas ao longo dos anos.

PD: O BRB divulgou o balanço referente ao primeiro semestre de 2015, com lucro de R$ 31,278 milhões, uma queda vertiginosa de 62,2% quando comparado a igual período de 2014. Essa conta pode sobrar para os servidores?

FB: Os juros aumentaram. A política de crédito mudou muito. Obter crédito está muito mais caro pelo cenário político que vivemos atualmente. Então são muitos fatores a considerar. Mas a conta sempre sobra para o consumidor.

PD: Algum conselho para os leitores? Gostaria de acrescentar algo?

FB: Evitem crédito neste momento do país e aos que já estão endividados nos níveis que comentamos aqui, que busquem orientação jurídica.



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