“Já faz 5 meses que o BRB pega todo meu salario! Quase dando um tiro na cabeça!!”. Uma luz no fim do túnel



Defensor público-geral do DF considera preocupante e fala sobre caminhos a serem percorridos para se obter ajuda.

Por Kleber Karpov

Na terceira reportagem da série: BRB/Saldo zero, Política Distrital conversou com o defensor público-geral, Ricardo Batista Sousa, sobre o drama de servidores públicos do GDF que, superendividados, chegam a ponto de assumirem publicamente a ‘vontade’ de recorrerem ao suicídio. Esse é o caso em servidor do GDF, que não será identificado pelo Blog, que chamou atenção por publicar em uma comunidade da rede social, Facebook: “Já faz 5 meses que o BRB pega todo meu salario! Quase dando um tiro na cabeça!!”.

Após essa exposição, o Blog entrevistou a advogada, Fernanda Borges, e com a pscicóloga, Dalzi Neres, sobre caminhos possíveis para sair da armadilha do superendividamento junto ao Banco Regional de Brasília (BRB). Nesta edição, Sousa, explica como a Defensoria Pública do DF (DPDF), pode ajudar o funcionalismo público do DF.

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Vale observar que a DPDF é uma instituição pública que disponibiliza atendimento jurídico, gratuito, à população do DF que não dispõe de recursos para pagar um os honorários de um advogado.

Política Distrital (PD): Doutor Ricardo, o que leva milhares de servidores públicos do GDF caírem no superendividamento?

Ricardo Batista (RB): Nós sabemos que a política, ainda extremamente nociva do capital, do predomínio do capital, coloca o consumidor sempre em uma situação de vulnerabilidade e de exposição a cláusulas abusivas e principalmente se ele é assalariado. Se ele tem uma fonte segura de recebimento de valores. E além dessa exposição maciça de consumo, ele foi pego pela armadilha da crise. Onde os juros aumentaram onde as opções de renegociação se tornaram menos favoráveis e ele não tem muito por onde sair. Então esse é um problema grave que a gente acompanha.

PD: E como o senhor avalia esse cenário entre o funcionalismo público do DF?

RB: Preocupante, por dois aspectos. O primeiro por vulnerabilidade ainda do consumir, a exposição que ele tem a esse mercado cada vez mais aguerrido e injusto que é do crédito. O brasileiro em geral foi estimulado ao crédito, maciçamente nos últimos anos e foi tendo várias facilidades para contrair crédito. Outro problema também preocupante é porque ainda temos fragilidade no sistema de proteção de defesa do consumidor.  Nós ainda não temos órgãos integrados e suficientemente aparelhados para a defesa do consumidor em geral. Nós temos, por exemplo, no DF o Procon que tem um papel atuante, mas nós sabemos que o Procon ainda não tem toda a equipe e musculatura suficiente para atender todos os que necessitam de apoio. Os que atendem são bem atendidos, mas a gente sabe que tem muito mais pessoas passando dificuldades e que não conseguem ter acesso as intervenções do Procon.

PD: Porque esses servidores se tornam reféns do BRB?

RB: No Distrito Federal nós ainda temos uma situação peculiar que é a exigência legal de que todos recebam os seus valores através de um único banco. O banco estatal BRB. Isso coloca o consumidor sem opção de se defender das clausulas que lhe são colocadas, primeiro, pelo crédito consignado e segundo, pelo crédito rotativo, chamado mais como cheque especial, cujos juros podem chegar a mais de 300%. Não bastasse isso, ainda tem um terceiro elemento que é o cartão de crédito vinculado à administradora do banco. Então corre o risco do servidor do DF ser devedor do crédito consignado, aquele crédito pessoal que ele toma emprestado e está limitado a 30% dos seus vencimentos. É descontado diretamente na folha dele todo mês até o limite de 30%. Além disso, ele pode estar sujeito ao desconto na sua conta salário do crédito rotativo, esse do cheque especial e o terceiro do cartão de crédito, desde que ele autorize a administradora a efetuar o débito automático da fatura  na sua conta bancária. Talvez o caso desse cidadão, servidor público, que eu tenho certeza que se assemelha a milhares no Distrito Federal é de se ver completamente sem alternativas e absorver 100% de seu salário com essas dívidas.

PD: Há algo que possa ser feito para que o servidor consiga sair dessa armadilha?

RB: O que pode ser feito diante disso e esses órgãos de proteção  do consumidor e inclusive a Defensoria Pública tem feito.  Primeiro verificar se esse desconto do crédito consignado não está ultrapassando os 30%. E em relação ao crédito rotativo e aos juros do cartão de crédito, efetuar, se não há clausulas abusivas nos contratos de adesão que possam ser corrigidas através de uma ação anulatória. O conselho que a gente dá é que busque imediatamente o judiciário para readequar os limites de desconto da conta salário àquilo que exige a Lei em relação ao crédito consignado.

PD: A Defensoria Pública atende a esse tipo de demanda?

RB: A Defensoria Pública tem o núcleo de defesa do consumidor, mas nós não temos nem defensores nem servidores o suficientes para dar todo esse atendimento. As instituições destinadas à proteção do consumidor ainda são pouco desenvolvidas, pouco aparelhadas, muito embora atuante mas ainda não é o suficiente para dar vazão a toda essa demanda.

PD: O que falta à Defensoria Pública para dar conta das demandas?

RB: Muitas dessas ações exigem um suporte técnico. Um defensor público ele não é economista, contador, não é perito. Ele é perito das leis, mas a Lei não é a única ciência que municia um processo judicial. Então esses órgãos como o Procon ou a Defensoria Pública não tem esses quadros de contadores para poder fazer essa perícia, estabelecer planilha, alguns contratos envolvem o sistema financeiro nacional e é preciso ter pessoas tecnicamente habilitados e nós não temos isso em nosso quadros. Isso só reforça a posição de vulnerabilidade do servidor.

PD: E nos casos em que o servidor não consiga esse suporte por parte da Defensoria Pública, a quem recorrer?

RB: Não só a defensoria pública que tem um serviço direcionado aos superendividados no nosso núcleo do consumidor, mas também o Tribunal de Justiça do DF que lançou no ano passado um termo de cooperação com o BRB para dar também suporte no nível da conciliação. Isso criou câmaras de conciliação para superendividados do sistema bancário regional. Eles oferecem não só contadores para poder fazer a revisão desses cálculos, mas também o psicossocial para dar suporte a pessoa e buscar com o banco uma composição, um acordo ou uma maneira de a pessoa sobreviver e ao mesmo tempo saldar as suas dívidas e com descontos até bem vantajosos.

PD: Renegociar essa dívida com o banco é um caminho possível?

RB: Muitos bancos oferecem uma repactuação da dívida do cliente. Ou seja, você está pagando um juros muito caro então vamos trocar essa divida por uma mais barata. O banco faz um novo  contrato, por exemplo, cancela o cartão de crédito do cidadão e vamos repactuar um novo empréstimo pessoal para você saldar a dívida do cartão de crédito e você pagar em 20, 30, 40 prestações. Essa alternativa é uma alternativa boa porque permite de fato ao cidadão trocar uma dívida cara por uma mais barata. Mas ele tem que ficar atento para saber se o novo contrato também não é abusivo, senão ele cai em uma segunda armadilha. Ele de fato pode estar pagando uma prestação menor, mas os juros embutidos e a duração das prestações podem revelar que essa é uma estratégia reduzida.

PD: Nesse contexto, como não cair em outra armadilha?

RB: O cidadão deve buscar uma orientação, quando lhe for oferecido pelo banco uma repactuação de sua dívida para verificar se ele também não está sendo submetido a uma cláusula excessivamente onerosas para a sua condição econômica. E como eu te falei, tudo isso necessita de orientação jurídica. Então o sistema de defesa do consumidor deve ser fortalecida no Distrito Federal para evitar que o cidadão passe por situações constrangedoras como essa que expõe a risco não só a ele mesmo, mas também a sua família, além das privação de necessidades básicas para a sua sobrevivência.

PD: Nos casos em que se depende corpo técnico não disponível na Defensoria Pública, esse atendimento é realizado, por exemplo, em conjunto com Tribunal de Justiça do DF? Como é feito esse atendimento?

RB: Aquelas causas que são repetitivas a gente tem condição de fazer, porque a gente já tem as planilhas, as fórmulas, as teses jurídicas já estão preparadas e a gente consegue fazer. As outras infelizmente a gente não tem condições de atender. A gente dá prioridade àquelas que envolvem primeiro uma situação em que o cidadão esteja em extrema vulnerabilidade e aquela cuja complexidade da ação esteja dentro dos nossos limites de atendimento, o que já é um contingente muito grande de pessoas a se atender. Mas em outros casos, a gente ou busca apoio, de colegas, de conhecidos até do próprio Tribunal [TJDFT] mesmo ou do Ministério Público [do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)], ou de instituições parcerias como o Procon e tenta costurar uma solução. Mas por vezes a gente fica impedido de garantir atendimento ao cidadão por falta de quadro técnico apropriado.

PD: A Defensoria Pública é muito demandada por superendividados?

RB: Hoje no DF nós temos apenas um defensor na área do consumidor, acompanhado de alguns assessores mas não é o suficiente para isso. Para se ter noção no mutirão de superendividados que nós fizemos em setembro foram quase 500 atendimentos em um dia de mutirão. Então imagina a quantidade de demandas que tem ai. Então o cidadão vai pagando, muito provavelmente, pagando mais do que deveria, arcando com prestações abusivas até chegar a situação limite, desse daí que já desesperado estaria disposto a colocar fim a própria vida.

PD: Como a Defensoria Pública recebe uma declaração dessa natureza por parte  de um servidor público do DF?

RB: Foi corajosa a colocação dele e serviu de alerta pois alguma coisa precisa ser feita. E um detalhe, a tendência é piorar esse ano. O mês de janeiro é uma demanda terrível  porque a demanda fica acumulada durante o recesso e parece que as pessoas querem começar o ano resolvendo seus problemas. Então ai praticamente a gente triplica a nossa média de atendimento anual. Mas nesse mês de janeiro além do volume de atendimento a gente percebeu um certo tom de desespero das pessoas. Só no núcleo de saúde a média de atendimento diário é de mais de 80 pessoas.

PD: Quando o servidor recebe uma negativa ao tentar negociar com o banco, o que a pessoa deve fazer?

RB: Procurar imediatamente a defensoria pública ou o sindicato e propor uma cautelar de suspensão do desconto integral do salário. Essas são medidas que não são muito difíceis de conseguir.

PD: O Superendividados era um programa pontual ou funciona até hoje?

RB: O nosso núcleo continua atendendo. O mutirão que nós fizemos no ano passado, foi para chamar a atenção ao problema, demonstrar que a Defensoria Pública tem capacidade de atender essas pessoas e, por menor que seja o investimento na Defensoria Pública pode se ajudar a atender milhares de pessoas no DF. No caso do servidor, não garanto a solução jurídica que ele gostaria, mas certamente não teríamos dificuldade técnica para fazer por se tratar de uma situação recorrente.

PD: E o que o servidor precisa apresentar para um ter atendimento dessa natureza?

RB: O servidor deve apresentar os contratos do banco. Normalmente o que demora mais é obter do BRB os contratos, mas o banco tem a obrigação de entregar.  O núcleo do consumidor fica no Venâncio 2000, no segundo andar.



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