A lei n° 12.542/2024, sancionada no mês passado pelo governador Mauro Mendes (União), estabelece que os cuidados íntimos como banhos e trocas de fraldas de pacientes precisam ser feitos por profissionais de Enfermagem do mesmo sexo. O Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso (Coren-MT) afirma que a lei é inconstitucional, inviável e impraticável, pois com a restrição, não terão profissionais suficientes para atender os pacientes do sexo masculino, visto que mais de 80% do setor é formado por mulheres.
Conforme o texto, os serviços de Enfermagem que não impliquem cuidado íntimo com os pacientes poderão ser desempenhados por profissionais de ambos os sexos. “Os profissionais de Enfermagem de sexo oposto que, na data da publicação desta Lei, forem responsáveis pelos cuidados íntimos com os pacientes serão reaproveitados em outras atividades compatíveis com o cargo que ocupam, sem sofrer prejuízos em sua remuneração”, diz trecho da lei publicada no Diário Oficial do Estado.
De acordo com a presidente do Coren-MT, Bruna Santiago, a lei é inviável, primeiramente, pelo atual quadro de profissionais da saúde no Estado e no país. De acordo com a pesquisa “Perfil da Enfermagem no Brasil”, do Conselho Federal de Enfermagem e da Fiocruz, aproximadamente 85% da categoria é formada por mulheres. Por outro lado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 48,9% da população brasileira é masculina.
“Obedecida a lei sancionada no Mato Grosso, não haveria profissionais de Enfermagem suficientes para atender aos pacientes homens. Se não houver profissionais do mesmo sexo, o paciente deixa de ser atendido? E no caso de não atendimento, quem vai ser punido?”, questiona a presidente.
Além disso, Bruna afirma que a lei é inconstitucional sob os aspectos formal e material, visto que o art. 5º da Constituição Federal estabelece que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A Lei 7.498/1986, que regulamenta o exercício profissional da Enfermagem, não estipula o sexo do trabalhador ou da trabalhadora para para o exercício de prerrogativas da profissão.
“Assim, qualquer lei estadual que venha a restringir práticas profissionais de saúde inerentes ao trabalho em razão do gênero do trabalhador ou da trabalhadora é flagrantemente inconstitucional e se encontra descolada da realidade, uma vez que não leva em conta as necessidades e as características da população assistida”, pontua.
O Coren-MT critica ainda uma sexualização do cuidado à saúde e a relação da condição de segurança do paciente a partir do sexo do profissional que lhe presta cuidado à saúde. “Essa interpretação é desprovida de fundamento legal e científico. Essa lei, além de trazer todos esses pontos negativos, deixa de reconhecer a ética, o compromisso e a moral do profissional que estudou e desenvolve as suas competências técnicas”, diz.
Por fim, o setor questiona o porquê da medida não se estender a outros profissionais e ser restrito aos profissionais da Enfermagem. “Sabemos das necessidades de cada ser e a Enfermagem, sendo a maior força de trabalho na saúde, tem a noção de responsabilidade. Por que essa lei visa atingir apenas a nossa categoria? Os médicos, fisioterapeutas e os demais também vão entrar na regra?”, pergunta.
Para o Coren, faltou os profissionais, especialistas e entidades da Enfermagem serem ouvidos antes da aprovação dessa lei. “Quem entende do assunto não foi ouvido e a população sai prejudicada. Quem realmente conhece a realidade sabe que não existem profissionais suficientes para que o paciente faça a escolha. Todos os envolvidos na lei precisam se preocupar com a quantidade de profissionais disponíveis nas unidades, se há presença de instrumentos para o trabalho ser executado com segurança, a sobrecarga, repouso adequado, isso sim seria benéfico para todos os envolvidos”, conclui Bruna Santiago.