Por Kleber Karpov
O STF deve analisar, nessa quarta-feira (3/Ago), se as alterações na Lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92) inseridas pela lei 14.230/21, podem ser aplicadas retroativamente. No mundo jurídico, o tema é controverso e divide opiniões.
Para muitos, uma decisão favorável à retroatividade, deve impactar em novos prazos de prescrição para a improbidade administrativa. Ainda mais, grave, impossibilitar a punição, na modalidade culposa, além de passar a se exigir prova do dolo específico, para responsabilização por improbidades com dano ao patrimônio público.
Favoráveis
Para o advogado especializado em Direito Administrativo, doutorando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rafael Arruda, a admissão de retroatividade se trata de uma questão de “princípio do direito administrativo sancionador”. Para o operador do Direito, não deve enfraquecer o sistema de punição, mas provocar o que classifica de evolução legislativa.
Segundo Rafael Arruda, “Entre a retórica, o discurso, o simbolismo e a lei, fico com a lei. É de se esperar que o STF, em sede de repercussão geral, reconheça a retroatividade benéfica da Lei federal nº 14.230/2021, para o efeito de admitir a atipicidade dos atos de improbidade na modalidade culposa, e isso por uma razão muito simples: é princípio de direito administrativo sancionador que haja a retroatividade da norma mais benéfica, para incidir, inclusive, em período anterior à sua vigência. Não se tem aqui enfraquecimento do sistema de punição; apenas, uma evolução legislativa que, corporificando a vontade de uma maioria em regime democrático e representativo, passou a assimilar novos valores e contemporâneas compreensões sobre a repressão a atos de improbidade. O assunto é jurídico e a lei se encarregou de dizer o direito aplicável, a despeito das inumeráveis opiniões, mais ou menos apaixonadas, contra ou a favor, que sobre a lei podem recair”.
Na mesma linha, segui posição de defesa da Lei Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), admitido na condição de amicus curiae, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 843989, que discute a aplicação retroativa da nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021).
A OAB defende que seja fixada a tese pela retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021 (LIA), em especial em dois pontos. O primeiro deles, a necessidade da presença do elemento subjetivo (dolo) para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa. O outro, a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.
O autor do parecer da OAB, o advogado Fábio Medina Osório defende que “as normas que tutelam a improbidade pertencem ao campo do direito administrativo sancionador e, por isso, submetem-se às mesmas garantias do direito penal, conforme orientação do tribunal europeu de direitos humanos e das nações civilizadas.”.
Contrários
Porém, em direção contrária, se posicionam, por exemplo, representantes dos ministérios públicos nos estados brasileiros. Caso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), que entre os amicus curiae, deve ser ouvido no processo. “A retroatividade vai gerar uma anistia oblíqua para condenados ímprobos, que estão condenados por dilapidar o patrimônio público, apagando para eles inclusive os efeitos da Lei da Ficha Limpa. Ou seja, um imenso retrocesso no combate à corrupção e à integridade do pleito eleitoral que se avizinha. As consequências seriam desastrosas”, avalia Fabiano Dallazen, ex-procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul e representante institucional do MPRS.
Entidades da organização civil, a exemplo da Transparência Brasil assinaram nesta terça-feira (02/Ago), uma nota pública contrária a aplicação retroativa da nova Lei de Improbidade Administrativa (14.230/21).
Para essas entidades, em termos práticos, a admissibilidade da retroatividade pode tornar, quase impossível, se punir agentes públicos, pela prática de improbidade administrativa. Mudança essa que interessa, tanto a políticos, que devem disputar as eleições, quanto agentes e servidores públicos acusados de atuação irregular nas últimas décadas.
Isso porque, com a mudança proposta, os prazos de investigação e de prescrição dos crimes devem encolher na nova legislação. Assim, ações contra agentes públicos por crimes contra os princípios básicos da administração pública em andamento, antes da mudança da Lei de Improbidade, ficam passíveis de serem encerradas, de acordo com as novas regras instituídas pela Lei 14.230/21.
Confira a Nota Pública
NOTA PÚBLICA
O STF analisa nesta quarta-feira, dia 3 de agosto, se as alterações na Lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92) inseridas pela lei 14.230/21 podem ser aplicadas retroativamente. Uma decisão favorável à retroatividade impactaria os novos prazos de prescrição para a improbidade administrativa bem como a impossibilidade de punição na modalidade culposa, além da exigência de prova do dolo específico para responsabilização por improbidades com dano ao patrimônio público.
Para entender a extensão do estrago que a aplicação retroativa causará, vale lembrar o que mudou na Lei. Os atos de improbidade são classificados em 3 categorias na lei de improbidade: atos de improbidade com enriquecimento ilícito; improbidades com dano; e improbidades sem dano. E com as mudanças aprovadas pelo Congresso, não é mais possível punir essas três categorias quando elas foram cometidas na forma culposa, mesmo que a culpa seja gravíssima.
Os prazos de prescrição agora são mais curtos e criou-se até a possibilidade da prescrição retroativa. Também diminuiu o prazo para conclusão de investigações pelo Ministério Público.
Também as improbidades que não causarem danos ao patrimônio público não são mais punidas como antes, somente são punidos aqueles poucos casos previstos no rol taxativo da lei. Neste contexto, casos de assédio sexual, como os do ex-presidente da Caixa Econômica Federal, tortura, carteiradas e outros não mais são puníveis como improbidade.
Assim, eventual decisão do STF que determine a aplicação retroativa da nova Lei da Improbidade (14230/21) beneficiará incontável número de corruptos e irá enfraquecer a luta anticorrupção no país. A retroatividade da lei mais benéfica é efeito restrito ao campo penal, sendo inadmissível para leis civis ou administrativas, como a lei de improbidade.
O STF, quando do julgamento do Tema nº 1.199, vai decidir se o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica — baseado no artigo 5º, XL, da Constituição da República — também se aplica na seara do Direito Administrativo Sancionador ou, mais especificamente, se a retroatividade benigna se aplica a processos que estavam em tramitação na vigência da redação original da Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
Se o julgamento do STF reconhecer o direito dos réus à incidência retroativa será mais um desastroso passo rumo ao desmonte das nossas ferramentas de combate à corrupção, sendo lamentável a modificação para pior da Lei da Improbidade Administrativa e da Lei da Ficha Limpa pelo Congresso Nacional em 2021. Foi um verdadeiro desmonte dessas importantes ferramentas no combate à corrupção.
As entidades abaixo assinadas se posicionam publicamente contra a incidência retroativa da lei 14230/21.
São Paulo, 2 de agosto de 2022.
Instituto Não Aceito Corrupção
Transparência Brasil
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social