Mudanças na Saúde do DF aumentam o caos no atendimento dos hospitais da rede pública do DF



Mudança no protocolo de recepção e tratamento de pacientes e deficit de profissionais são alguns dos motivos. Governo reconhece o problema, mas alega que precisa de tempo para adaptação do novo sistema clínico

Por Otávio Augusto

Passavam das 22h quando a massoterapeuta Eliana Pires Maciel, 44 anos, aguardava atendimento no pronto-socorro do Hospital Regional do Gama. A jornada dela havia iniciado horas antes. Ela ergueu o semblante cansado e narrou o drama começado antes do meio-dia. “A minha filha sentiu uma dor forte na barriga e desmaiou. Procurei o posto. Lá, não tinha médico. Também não tinha ambulância para trazê-la para cá. Chamei um Uber e estou aguardando atendimento”, resumiu.

Publicidade

Casos como o de Eliana se tornaram rotina nas emergências das unidades de saúde da capital federal. Em novembro, a Secretaria de Saúde mudou a regra de atendimento — somente pacientes considerados de risco são assistidos. Os reflexos começam a surgir pouco mais de um mês depois: o acesso ficou complicado, criticam parentes e doentes. O Executivo local não sabe informar quantas pessoas são recebidas nos prontos-socorros, tampouco a demanda reprimida. Durante uma semana, a reportagem acompanhou pacientes em busca de tratamento. Muitos voltam para casa sem a devida atenção.

Após 11 horas de espera, Eliana conseguiu que a filha, Milena Pires Couto, 18 anos, fosse examinada. A jovem passou por testes clínicos para comprovar duas hipóteses: crise renal ou apendicite. “O método que estão usando para atender as pessoas não é correto. Muita gente não é recebida pelo médico e fica perambulando pela cidade”, critica a massoterapeuta.

A 74km dali, no Hospital Regional de Planaltina, a história se repetia com a servidora pública Maria Neves da Silva, 51. Ela aguardou 14 horas na emergência. Quase desmaiou no banheiro e foi amparada por outra paciente. O vaivém de Maria começou no posto de saúde, continuou no pronto-socorro, voltou ao posto e, por fim, ela decidiu aguardar no hospital. “Cumpri todos os protocolos e sigo sem atendimento. O que concluo é que o método não funciona”, desabafou.

Carência

Ali, outro problema desequilibra a situação. A falta de médicos ao longo do dia fica acentuada na troca de turno. Na última quarta-feira, o chefe do plantão recolheu fichas de pacientes que aguardavam atendimento ortopédico — pessoas com braços, pés e pernas quebrados — e teve de dar uma notícia amarga. “Não tem médico ortopedista no plantão. O que estava aqui foi embora”, disse a 150 pessoas na fila.

Outras especialidades também sofrem com a carência de profissionais na troca de turno. A recepcionista Juliana Rodrigues Gonçalves, 35, precisava de um clínico geral para a filha Mariana, 9. A perna da menina estava tomada por feridas e bolhas. Aparentava uma alergia. Elas sequer passaram pela classificação de risco. “O médico encerrou o expediente e ninguém deu continuidade ao atendimento”, reclamou. “Não tem previsão para retomarem o serviço.”

A versão de Juliana é confirmada por uma enfermeira, que pediu para não ser identificada. Ela disse que muitos profissionais foram realocados no programa Saúde da Família — aposta da Secretaria de Saúde para acabar com os problemas da atenção básica. “Escala de emergência é matemática. Determinada quantidade de profissionais consegue realizar determinada quantidade de atendimentos. Com as perdas que tivemos, o abismo entre a demanda e a capacidade de atendimento aumentou”, explicou.

Escalas capengas

Apesar de aparentar certa tranquilidade, as emergências dos hospitais regionais de Ceilândia (HRT), de Taguatinga (HRT) e de Samambaia também estão com o serviço comprometido. Cartazes pregados na entrada anunciam a escala dos profissionais. Por ela, vê-se que especialidades como cirurgia geral, clínica médica, cardiologia e pediatria ficam até dois turnos sem nenhum médico.

A situação degringolou de tal forma, que, em Ceilândia, o vigilante dita as regras. O servidor que deveria assegurar a preservação do patrimônio do hospital assume outra função: a de mediador. Ele decide quem concorre a um atendimento e quem vai embora sem sequer entrar na unidade. Um único enfermeiro faz a classificação de risco. Em Samambaia, a porta permanece entreaberta. Em Taguatinga, moradores de rua se misturam aos pacientes.

Sem maca

Os pacientes de mais sorte enfrentam outra fila até ficarem diante de um médico. No HRC, por exemplo, os pacientes se amontoam em um corredor. Na última terça-feira, o Corpo de Bombeiros deixou um homem com o pé quebrado na unidade. Ele teve de pular com uma perna só até a ortopedia. Não havia maca nem cadeira de rodas. O militar que fez o socorro sentenciou: “É sempre assim.”

Fonte: Correio Braziliense



Política Distrital nas redes sociais? Curta e Siga em:
YouTube | Instagram | Facebook | Twitter










Artigo anteriorGeração Conectada: uso excessivo da tecnologia pode causar miopia em crianças e adolescentes
Próximo artigoPHS abandona Rollemberg, mas Lira diz que fica, mesmo sob ameaça de expulsão