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22 nov 2024 07:21


Nova gestão para Saúde do DF

O governo aposta em organizações sociais para melhorar o setor, que passou 2015 em caos, com falta de remédios, aparelhos e pessoal. Especialistas afirmam que esse modelo de administração precisa ser muito bem planejado para dar certo.
Por Otávio Augusto
A crise na saúde, anunciada desde o fim de 2014, guardou a pior parte para 2015 e promete se arrastar por este ano. A Secretaria de Saúde raiou 2016 com um rombo de R$ 200 milhões e deficit de pelo menos R$ 500 milhões no orçamento. Os sinais da penúria, sentidos pela população, castigam quem procura atendimento na capital federal. Dos 400 leitos de unidade de terapia intensiva (UTI), 85 (21,25%) estão desativados. Dos 850 medicamentos disponibilizados, 65 estão com estoque zerado, sendo 23 considerados básicos. O único aparelho de ressonância magnética da rede pública, o do Hospital de Base (HBDF), funciona há 16 anos. No DF são 54 ambulâncias, logo, não há dois veículos para cada uma das 31 regiões administrativas. Ao todo, a pasta desembolsa R$ 15 milhões somente com horas extras.
A aposta do Executivo local para frear as dificuldades é a troca do modelo de gestão do sistema de saúde público que será repassado às organizações sociais (OS). A licitação para a mudança na administração deve ocorrer na segunda quinzena de janeiro. O titular, Fábio Gondim, minimiza as críticas. “Para o cidadão, não importa o modelo de administração. Ele quer que funcione. Num segundo momento, que funcione por um preço correto. E o governo deseja que seja com o menor custo. Temos um arcabouço que inviabiliza a administração direta”, defendeu o chefe da pasta, ao ressaltar que é preciso comprar e contratar com mais agilidade. O decreto de situação de emergência na saúde, que acaba em 19 de janeiro, após um ano em vigor, não será renovado.
Orçamento
A Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê R$ 4,42 bilhões para o pagamento dos 34 mil servidores; R$ 1,64 bilhão para custeio dos serviços; e R$ 128 milhões em investimentos. “Vai ser um ano difícil, mas com menos intensidade que 2015”, alerta Gondim. Nos bastidores, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) admitiu que o setor é a maior preocupação para 2016. Até a primeira-dama, Márcia Rollemberg, esboça preocupação com a “precariedade” atenção básica da capital. As alternativas encontradas pelo governo, como a licitação da alimentação hospitalar, digitalização da radiologia e das operações de logística, por exemplo, esbarraram divergências com órgãos de fiscalização, como o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e não saíram do papel.
Gondim elenca três pontos críticos a serem corrigidos no primeiro trimestre: gestão das escalas, estabilização do estoque de insumos e alteração na logística. Além desses, os tratamentos de hemodiálise e a radioterapia devem ser reestruturados. Não está descartada a contratação de empresas para prestar o serviço de exames. “A falta de informação gerencial na administração central é grande e nas pontas (hospitais), é quase 100%. Passamos três meses trabalhando no aperfeiçoamento dos sistemas para parecer que partimos do zero. Um trabalho invisível. O programa que gerava as escalas dos servidores e o que monitorava a frequência não conversavam. Isso mudou. Se o médico está escalado para o Hran (Hospital Regional da Asa Norte) e dá entrada no de HRP (Hospital Regional de Planaltina), o ponto não é registrado”, ressalta.
Avanço
A regionalização da administração da saúde em sete regiões é tratada como o maior avanço na gestão em 2015. Segundo o chefe da pasta, isso permite maior controle da rede e proximidade com o cidadão. A criação de parâmetros normativos, como a quantidade de enfermeiros, médicos e equipamentos para o funcionamento de 10 leitos de UTI, por exemplo, garante, segundo Gondim, o dimensionamento do que é necessário. “Isso vai permitir saber se 100 clínicos é pouco em um hospital ou se dois é muito. É racionalizar o capital humano”, explica.
A digitalização da marcação de consultas e da escala do atendimento ambulatorial, para marcação de consultas, é apontado como um dos avanços para 2016. A medida busca minimizar o tempo de espera para exames ao coordenar a procura e disponibilidade de oferta em todo DF. “Às vezes, há 18 técnicos em radiologia em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) que tem um aparelho de raios X e nenhum em outro hospital operando o tomógrafo. Falta de gestão pura”, ironiza. As primeiras aquisições para este ano são 84 ambulâncias e três aparelhos de ressonância magnética, adiantou o secretário.
Os desafios para 2016
Atenção básica
O Executivo local terá que reforçar a atenção básica em 2016, um dos setores mais críticos na capital. “Uma cobertura de 27% coloca o DF como a pior unidade da federação. O governo não conseguiu reequilibrar os atendimentos. Continuamos com o sistema com um funcionamento precário”, avalia Vitor Gomes Pinto, especialista em gestão da saúde e integrante do Observatório da Saúde DF. Segundo o especialista, para o modelo de gestão das organizações sociais (OS) funcionar, é preciso criar parâmetros de fiscalização e que a administração pode sufocar ainda mais a atenção primária. “Quando os problemas aparecem, a OS simplesmente declara que não está recebendo o que acha que deve receber”, critica.
Falta de dinheiro
O balanço das contas da pasta não é positivo. O consultor em saúde pública Fernando Castanheira acredita que o governo enfrentará problemas vistos em 2015 por cometer os mesmos erros. “Vamos ter problemas com sindicatos, cirurgias eletivas e abastecimento. Esse ano deve ser pior, por que o governo não terá dinheiro para custear a máquina. Falta planejamento e gerenciamento”, explica. “A gestão do dinheiro é feita de forma amadora, sem controle. Alguns rombos são costumeiros e ultrapassam governos”, conclui Fernando. A expectativa do consultor é de que o desabastecimento que golpeou todo 2015 continue este ano. “É escandalosa a falta de insumos, devido a uma série de políticas falhas. Deve ser um período para ser analisado com a intenção de se criar um projeto para a saúde, não de governo. Tem que se fazer um planejamento para investimentos na infraestrutura”, comenta.
Descentralização

A presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), Ana Costa, critica severamente a ausência de um plano diretor para a saúde. “O governo precisa ter um projeto que tenha continuidade e que garanta a universalização do atendimento, facilidade de acesso e qualidade dos serviços. Por isso, a saúde sempre desponta como o principal problema. Os gestores reincidem os erros”, reclama. A descentralização da gestão da pasta em sete regiões é positiva, segunda Ana. Para a especialista, desse modo é mais fácil de se conhecer a máquina e as necessidades dela. Contudo, ele critica o “loteamento”. “Da forma como estão fazendo é uma falácia”, afirma, ao explicar que os coordenadores devem ser escolhidos sem interferência política ou por amizade.

Organizações sociais
Para a diretora da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs), Fátima Souza, o Executivo local precisa esclarecer a função das organizações sociais (OS). “O governo está perdido com o modelo. É preciso definir qual o destino da saúde e como a rede vai funcionar. O essencial é construir metas e estabelecer tempo para se conseguir”, considera a especialista. “O governo não tinha dimensão do problema. Historicamente, temos um SUS (Sistema Único de Saúde) mal implantado. O primeiro passo, antes de trocar a forma de administração, é definir o modelo de atenção à saúde”, completa. Segundo Fátima, a descentralização pode ajudar. “Descentralizar é bom, mas é preciso saber como vai ser a atenção. Não sei se a equipe que hoje dirige a secretaria tem capacidade de definir isso”, esclarece.
Desabastecimento 
De janeiro a dezembro de 2015, as prateleiras da Secretaria de Saúde tiveram baixas. Não houve um mês, por exemplo, em que todos os 850 medicamentos padronizados estivessem disponíveis. Além disso, faltaram reagentes e até insumos de desinfecção, como álcool. Na avaliação de Sérgio Zerbini, do Conselho Regional de Medicina (CRM-DF), no ano passado, a saúde piorou muito. “O governo tem uma interpretação deturpada dos problemas de saúde, se esquiva das responsabilidades. A questão financeira existiu, mas o GDF não admitiu os erros de gestão”, acredita. A falta de planejamento é apontada como o principal fator. “Os profissionais estão desmotivados com a falta de recursos para trabalhar. Não temos informações sobre como vai ser 2016. Existem várias questões a serem resolvidas”, completa.
Expectativas
O presidente da Associação Médica de Brasília (Ambr), Luciano Carvalho, acredita que o Executivo local deve dialogar com os diversos setores da saúde. O urologista defende que o governo crie mecanismos de controle com ferramentas que protejam o estado e a população antes da alteração do modelo de gestão. “O ano pede uma restruturação. Contudo, tenho receio dos resultados das parcerias com as organizações sociais. Até por que os dados que temos sobre o nosso sistema são fragilizados”, pontua. “Vamos passar novamente por um período com falta de recursos. Resolver os problemas requer tempo e não pode ser um projeto de governo, mas, sim, para o setor. Isso se consegue discutindo com a sociedade”, avalia Luciano. “O governo está menos confuso. Que isso sirva para se ter clareza e um ano melhor.”
A penúria da saúde
Confira principais dilemas da pasta em 2015
Janeiro
A dois dias da posse, o governador Rodrigo Rollemberg trocou Ivan Castelli pelo proctologista  João Batista de Sousa no comando da pasta.
Governo alega deficit de R$ 720 milhões no orçamento da saúde.
GDF decreta situação de emergência na saúde a fim de maior flexibilidade na negociação com os credores e recuperação de servidores cedidos para outros órgãos.
Faltam insumos de higiene e desinfecção nos hospitais, como detergente e álcool, e itens de segurança, como capotes e luvas, além de medicamentos.
Abril
Empresas que regulam leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) ameaçam romper contrato com GDF, caso dívida de R$ 60 milhões não seja paga. Dívidas com fornecedores chegam
a R$ 453 milhões.
Maio
Endemia de superbactérias, como a Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC), atinge toda a rede pública de saúde. Ao todo, sete pessoas morreram. Executivo local anuncia o Plano de Enfrentamento da Resistência Bacteriana após um mês da primeira morte.
Julho
GDF renova decreto de situação de emergência na saúde por mais 180 dias.
O secretário João Batista de Souza é exonerado do cargo após seis meses de exercício. Em seu lugar, entra Fábio Gondim, consultor do Senado e especialista em orçamento, planejamento e gestão.
Relatório da Cooperação Técnica entre o GDF e o Ministério da Saúde critica pagamento de horas extras sem controle, cobertura da atenção básica e modelo de compra e fiscalização da pasta.
Agosto
Faltam seringas do tipo 20×5,5 em toda a rede. O modelo é utilizado para a aplicação de insulina, tuberculina e vacinação. Desabastecimento de medicamentos continua.
Profissionais temporários deixarão a rede pública de saúde e o governo não pode renovar o serviço por um impedimento do Tribunal de Contas do DF baseado na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Setembro
Servidores fazem paralisação pela redução da carga horária de 40 para 20 horas semanais e o pagamento de reajustes e benefícios concedidos na gestão Agnelo Queiroz (PT). Crise ameaça fechar Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Em Sobradinho, pacientes são recusados.
Deputados distritais remanejam R$ 352 milhões de suas emendas orçamentárias para cobrir gastos na Saúde.
Outubro
Vacinas com estoque zerado. A DTPa infantil, contra difteria, tétano e coqueluche  prejudicou a imunização. As crianças que precisam tomar a BCG enfrentam gargalos. A proteção contra meningite também ficou prejudicada.
Greve freia atendimentos em hospitais e centros de saúde. Pacientes com cirurgias e consultas agendadas são recusados. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) operou com 50% das ambulâncias.  Movimento dura um mês.
Novembro
Em vídeo, o presidente do Sindicato dos Médicos (SindMédico), Gutemberg Fialho, ameaça “travar máquina pública”  e  estimula boicote ao governo durante todo o mandato.
80,3% dos equipamentos do governo não têm contratos de manutenção, ou seja, quando quebram não são consertados. Executivo local se viu obrigado a diminuir o tratamento  de hemodiálise pela metade. Tomógrafos estão parados há um mês.
Dezembro
Executivo local realiza diligência a Goiás para conhecer o modelo de gestão por meio de organizações sociais. Governador Rodrigo Rollemberg comanda os trabalhos após duas reuniões entre secretários de saúde do DF e a equipe do Estado vizinho.

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