O que parece ser uma pergunta desconexa vem se tornando o verdadeiro dilema na vida das pessoas, principalmente daquelas que fazem parte das comunidades virtuais.
Para a família de Júlia Rebeca, uma adolescente piauiense, o que parecia ser um exemplo da importância da inclusão digital no Brasil, se transformou em pesadelo no dia 10 de novembro. Após filmar e ter um vídeo de sexo entre ela, um rapaz e outra adolescente, exposto nas redes sociais, a jovem cometeu suicídio na cidade de Parnaíba (PI).
O episódio, um caso extremo, chocou o país, mas não é um caso isolado. Constantemente surgem novos relatos na imprensa. As vítimas, em sua maioria são mulheres e adolescentes que se tornam vítimas de exposição pública nas redes socias. Em geral os autores dessas ações são parceiros insatisfeitos, a procura de vingança e até de tentar se promover socialmente utilizando comunidades virtuais como Facebook, Twitter, Whats Up, Orkut e milhares de outras disponíveis a quem quiser utilizar.
Esses veículos que por definição são ambientes de interação com propósitos de disseminação cultural, acadêmica, profissional, etc, se transformam em picadeiros que expõem a vida e a privacidade dessas pessoas. Outro agravante é que uma vez exposta, a disseminação é certa e nem vítima e muito menos o agressor têm controle sobre é o poder de propagação da exposição nessas redes. Isso porque a cada clique, a cada curtida e a cada compartilhamento, entre amigos, a exposição da pessoa ganha efeito cascata em uma estrutura de pirâmide.
Mas para aqueles que acreditam que apenas tomando cuidado para não exporem a privacidade dos momentos íntimos que estão protegidos, isso pode ser um grande equívoco. Complicações relacionais advindas de interações em redes sociais têm gerado muitos transtornos a vida profissional de muita gente.
Ao se relacionarem com colegas de trabalho, principalmente com os chefes, os limites da vida pessoal e profissional são quebrados. Nessas horas opiniões pessoais, religiosas, sexuais, políticas podem se tornar barreiras graves na relação trabalhista. Se tornou comum entre as empresas, no processo de contratação, solicitar os endereços e em casos mais graves até os dados de acesso do pretenso candidato às suas páginas nas redes sociais. Isso porque nada melhor que saber o que a pessoa faz, como ela pensa, age e reage aos eventos do dia-a-dia, para definir o perfil pessoal e profissional do candidato.
Outro motivo para ficar alerta é a os usuários das redes sociais são constantemente ‘monitorados’. A chamada ‘ciberespionagem’, pode acontecer de forma sistêmica pelas próprias redes sociais, por grandes corporações e até por entidades governamentais. Bons exemplos partem do ex-analista de inteligência americano, Edward Joseph Snowden, que expôs a espionagem do governo dos EUA e do Reino Unido a diversos países; de ferramentas do Google, e até mais recentemente do aplicativo Lulu.
CIBERESPIONAGEM
Nos últimos meses, durante as diversas manifestações que pararam o país, em geral organizadas por grupos, organizações e pessoas, por meio da web. Naquela ocasião a imprensa divulgou a ação de monitoramento das redes sociais, por parte das polícias em todo o país. Esse monitoramento dá uma clara visão de possibilidades de como o governo pode utilizar comunidades virtuais para monitorar pessoas e grupos com interesses em comum. Justificado ou não, esse serviço de monitoramento permitiu à polícia traçar estratégias de repressão da ação de vândalos, controlar e até restringir o acesso a áreas, por exemplo, que aconteceram os jogos da Copa das Confederações.
Outro episódio que ganhou notoriedade aconteceu em 1º de novembro. Após aquele dia, a internet, as redes sociais e outros aparatos tecnológicos passaram a ser vistos com outros olhos, após revelações feitas pelo jornalista, Glenn Greenwald, em entrevista exclusiva ao programa Fantástico, da Rede Globo. Na entrevista, Greenwald, mostrou documentos, recebidos de Edward Snowden, que demonstravam que o governo Brasileiro estava sendo monitorado pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA).
Atualmente asilado na Rússia, Snowden demonstrou ao mundo que os Estados Unidos e o Reino Unido utilizam programas altamente confidenciais de vigilância eletrônica. As revelações de Snowden revelaram que não só o governo Brasileiro foi alvo de monitoramento na NSA. Governos de outros países como México, França, Alemanha, Irã, Rússia, China, Japão, Coreia do Sul, Índia e Turquia e seus aliados; membros da Organização das Nações Unidas (ONU), da União Europeia (EU), líderes mundiais, representantes diplomáticos, corporações, embaixadas e até pessoas comuns entraram na lista.
Outra revelação que balançou o mundo foi que redes sociais e serviços pelas gigantes da tecnologia da informação como o Facebook, Google e Twitter colaboram com o governo americano e repassam informações de seus usuários.
O Brasil que reagiu com veemência, obteve apoio de líderes mundiais e até um insólito discurso do presidente dos EUA, Barak Obama, na ONU, em que prometeu rever os métodos de obtenção de informações, no que o governo americano, justificou como sendo investigações estratégicas na luta contra o terrorismo. Embora, tenha se descoberto que empreendimentos comerciais estratégicos brasileiros também tenham sido bisbilhotados, a exemplo das transações comerciais da Petrobrás.
MARCO REGULATÓRIO OU OPORTUNISMO COMERCIAL
Uma das várias reações políticas ocorridas no Brasil foi apressar a votação do Projeto de Lei 2.126 de 2011, que estabelece o Marco Civil Regulatório Civil da Internet Brasileira, em tramitação na Câmara Federal há quase um ano e quatro meses. O projeto ganhou caráter de urgência após a presidente, Dilma Rousseff, condicioná-lo como a principal ferramenta legal para livrar o Brasil da ciberespionagem estrangeira.
Por causa do caráter de urgência, o PL do Marco Civil da Internet está trancando a pauta de votações da Câmara, desde dia 28 de outubro. Com isso, votações à Propostas de Emenda à Constituição (PECs), medidas provisórias e codificações de leis, como o Código de Processo Civil, ficam impedidas de serem votadas.
O marco civil da internet funcionará como uma espécie de Constituição e deve reger os direitos e deveres dos provedores de acesso e para as ferramentas on-line na internet brasileira. Dentre os principais pontos, o projeto trata de questões como a privacidade, dados pessoais, armazenamento de dados por parte das provedoras, vigilância na web, internet livre, fim do marketing dirigido, liberdade de expressão e de conteúdo ilegal.
No entanto, a votação do PL gera controvérsias e enfrenta resistências, principalmente entre as empresas. A “neutralidade da rede”, é um dos pontos polêmicos pois o texto impede que as companhias, principalmente as telefônicas e de assinatura de TV, que oferecem conexão cobrem taxas diferenciadas de acordo com o acesso a determinado tipo de conteúdo ou serviço, como vídeos, e-mails e redes sociais. Outro ponto que conta com a resistência de empresas como Google e Faceebook é a obrigatoriedade de armazenamento de dados, no país, de usuários brasileiros.
Como a votação do PL tem caráter de urgência, desde o dia 28 de outubro, a pauta da Câmara está trancada, o que restringe as votações no plenário a Propostas de Emenda à Constituição (PECs), medidas provisórias e codificações de leis, como o Código de Processo Civil. O governo solicitou que o texto tramite com urgência após denúncias de práticas de espionagem pelos Estados Unidos no Brasil.
Mas o que para o governo pode ser uma saída para resolver a questão da ciberespionagem, para especialistas e alguns políticos, pode ser uma brecha criada pelo governo para aprovar o PL, sem discutir e analisar com profundidade e aprovar uma Lei que pode ter graves consequências, sobretudo para os internautas brasileiros.
APLICATIVOS INVASORES?
Enquanto isso, o que parece ser uma ideia divertida, e sem muitos propósitos, Lulu, um aplicativo recém-chegado ao Brasil, desenvolvido pela Luluvise Incorporation, nos sistemas Android e IOS, já causa constrangimentos. Isso porque a aplicação permite as mulheres fazer análises e avaliar as performances masculinas, porém, sem o consentimento deles. O aplicativo recolhe dados não autorizados dos homens analisados, a partir das redes sociais, sem que esses sequer tenham conhecimento.
As usuárias do Lulu não podem dizer exatamente o que pensam, pois são induzidas a escolher adjetivos, hastags e opiniões pré-cadastradas. No entanto o Ministério Público do Distrito Federal atento aos excessos cometidos por empresas que não levam em consideração a privacidade das pessoas começou a agir. A Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor em Brasília instaurou inquérito civil público contra o aplicativo Lulu e o Facebook.
SEUS DADOS NAS NUVENS
Em 2008, fora das redes sociais, o conceito cloud chegou e veio para ficar. A virtualização do armazenamento de dados, que tradicionalmente ficam nos computadores, agora tem a possibilidade de ser armazenados em ambientes virtuais, disponibilizado por grandes datacenters. A solução amplamente explorada por empresas como a IBM, SUM, Oracle veio como uma mão na roda para garantir o sucesso de empreendimentos como o Facebook, Google, Twitter, Orkut que armazenam um volume muito grande de dados na internet para gerenciar seus milhares de usuários na rede em todo o mundo.
A adesão das empresas às soluções virtualizadas é cada dia mais crescente. Para as empresas, é mais seguro manter, por exemplo, a solução de gerenciamento de e-mails no serviço Gmail, do Google, que utilizar um software proprietário instalado no computador, sob o risco de ter algum problema físico e se perder todas as informações.
Quem não tem uma conta no Hotmail, Yahoo ou Gmail? Imagine quantos documentos, fotos e dados confidenciais, transitam diariamente nessas redes. Um estudo, feito por um dos maiores fabricantes de circuitos integrados do mundo revela que a cada 60 segundos são transferidos 639,8 mil gigabytes (Gb) de dados no mundo. Os dados revelam ainda que em apenas um minuto, 20 milhões de fotos são visualizadas, o equivalente a 61.141 horas de música são ouvidas ou ainda, 204 milhões de e-mails são enviados.
A virtualização dos dados, um conceito relativamente simples, em tempos de espionagem pode ser extremamente perigoso, ao se imaginar a interferência de governos nos desenvolvedores, provedores e mantenedores dessas soluções.
DE GRAÇA ATÉ INJEÇÃO NA TESTA
As empresas investem milhões ou até bilhões de dólares na produção de sites, redes sociais e aplicativos, na maioria dos casos os acessos a essas redes são gratuitos, o que garante o sucesso desses empreendimentos. Google, Twitter, Facebook, Orkut, Youtube exemplificam bem algumas dessas empresas ou serviços que se tornaram multimilionárias apenas por oferecer plataformas gratuitas de soluções sociais.
E se é de graça, na cultura do brasileiro, até injeção na testa é válido. As participações dos usuários brasileiros nas redes sociais demonstram isso. A Reuters aponta que de acordo com estatísticas do Facebook o Brasil tem mais de 73 milhões de usuários ativos, somente naquela rede social.
As soluções oferecidas nas redes sociais ou em serviços online são gratuitas e para acessá-las, basta que o interessado se condicionar a plena aceitação dos termos disponibilizados. Uma vez conectado a essas soluções, o usuário está exposto literalmente as possibilidades e flexibilidades conectivas da internet.
Hoje se conecta a rede com computadores, tablets, smartphones, máquinas fotográficas digitais e outros tantos dispositivos que já estão disponíveis no mercado. Considerando que o fluxo de dados postados e enviados diariamente transitam de forma instantânea por entre as conexões a cabo, satélite, rádio e wireless. O limiar entre a comédia e a tragédia, no que tange a exposição da privacidade do indivíduo, está sempre a um clique.
No universo real, o virtual transformou a privacidade a bola da vez. Se essa sensação tiver algum valor para o internauta, pensar duas vezes antes de se cadastrar em alguma solução online e dez antes de postar algo, pode ser o divisor entre se ter e se evitar um grande problema.
Nesse contexto, a análise a ser feita em relação a privacidade é a mesma feita pelos sábios avôs: onde é mais seguro guardar o dinheiro, em um banco ou dentro do colchão. Ambas têm seus riscos. Umas mais, outras menos.