“O SUS pode dar certo, sem ter de terceirizar”, afirma promotora do MPDFT sobre serviços sociais autônomos de saúde



Discussões duraram cerca de cinco horas e evidenciaram preocupação com proposta do governo de adotar modelo do serviço social autônomo de saúde Rede Sarah no Hospital de Base do Distrito Federal

A procuradora da República Eliana Pires Rocha e a promotora de Justiça Marisa Izar receberam, nesta quinta-feira (8), cerca de 70 pessoas no Ministério Público Federal em Brasília para uma audiência pública sobre a atuação do Serviço Social Autônomo de Saúde e sua relação com o SUS. O evento durou mais de cinco horas e abriu espaço para discussão entre representantes de hospitais públicos e órgãos de fiscalização, como o Ministério da Saúde e Tribunal de Contas da União (TCU), deputados distritais, além de integrantes da sociedade civil.

O objetivo inicial era discutir aspectos ligados a assistência fornecida pelas nove unidades da Rede Sarah, como o processo de fiscalização da aplicação dos recursos recebidos do governo federal e a parceria com outras unidades de saúde mantidos com recursos públicos. Em 2016, a Rede recebeu dos cofres públicos federais mais de R$ 900 milhões. No entanto, outro assunto em discussão no Distrito Federal tomou conta de boa parte da audiência: a proposta de lei, em tramitação na Câmara Legislativa do Distrito Federal, para transformar o Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) em uma Organização Social, nos moldes das unidades do Sarah.

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Abertura

O propósito inicial do evento foi destacado na abertura da audiência pela procuradora Eliana Rocha. “Não temos dúvida da qualidade e excelência do atendimento dispensado pelas unidades do Sarah. O objetivo hoje é discutir o seu grau de inserção na política de regulação do SUS, a sua integração com as outras unidades de saúde vinculadas a esse Sistema entidades e os critérios de acesso para atendimento na Rede Sarah”, ressaltou. Também na abertura, a promotora Marisa Izar chamou atenção para as consequências de uma eventual aprovação do projeto do Governo do Distrito Federal. “Teremos de analisar como ficariam os critérios para o atendimento, a carreira dos profissionais de saúde, os programas de residência médica, além de estudar as consequências dessa modificação para os usuários do SUS”, enfatizou.

Entre os convidados a expor suas impressões sobre o funcionamento da Rede Sarah, a diretora do Instituto de Alta Complexidade, Sandra Gomes Mota e o médico e chefe da unidade de Neurocirurgia do HBDF, Igor Brenno Campbell, relataram dificuldades para se conseguir vagas na unidade. “ 90% dos meus pacientes precisam de uma reabilitação e eu não consigo encaminhar nenhum para a Rede Sarah. A comunicação com a Rede Sara é quase nula. A instituição, sem dúvidas, cumpre a sua missão, mas poderia ampliar sua atuação”, avaliou o médico. Por sua vez, Sandra se queixou de que a hospital seria uma rede fechada em si mesma. “ A sociedade não consegue acessar a unidade, falta diálogo”, disse, ao expor uma lista de reclamações mais frequentes de pacientes que não conseguem vaga no Hospital Sarah.

Em resposta aos questionamentos, a presidente da Rede Sarah, Lúcia Willadino Braga, apresentou dados referentes a convênios recentemente firmados o GDF e outros órgãos públicos e garantiu que existe uma colaboração permanente. Como exemplo, ela citou que 6,4 mil profissionais que não fazem parte dos quadros da Rede Sarah já receberam treinamentos oferecidos pela unidade. Além disso, frisou que a instituição já recebeu 150 institutos públicos para formação. “O acesso à Rede Sarah não é tão restrito assim. Atendemos cerca de 1,5 milhão de pacientes por ano”, frisou, ao expor uma lista de medidas de interações com outras hospitais.

Hospital de Base e a saúde pública no DF

Durante boa parte da audiência pública, os participantes – palestrantes e convidados que formaram a plateia – discutiram sobre a realidade dos hospitais da rede pública do DF. Foram vários relatos de falta de investimentos, de pessoal e desinteresse dos profissionais, sobretudo médicos para trabalhar nas unidades. O médico Igor Campbell apontou o progressivo sucateamento do HBDF nos últimos anos e dificuldade de realizar licitações e a constante falta de material de trabalho, além da falta de estrutura física para prestar o atendimento hospitalar.

Para falar sobre a experiência de gestão de hospital público, foi convidado o diretor geral do Hospital Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A unidade é a única que não aderiu à administração da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Na opinião do oncologista e professor Eduardo Cortês, o principal desafio na gestão de um hospital público é enfrentar a falta de estrutura administrativa. “Assumi a direção do Clementino com o quadro de pessoal completamente desfalcado e com poucos profissionais treinados. Só de organizar nossa capacidade de licitar conseguimos economizar”, exemplificou, completando que, administrar um hospital público é difícil, mas que, se houver esforço, é possível garantir avanços com a organização administrativa.

A presidente da Associação Nacional de Auditores de Controle Externo do TCU, Lucieni Pereira da Silva, explicou que o financiamento de entidades classificadas como Serviço Social Autônomo – caso da Rede Sarah – não é compulsório. Isso significa que, dependendo da situação financeira, a União pode reduzir ou simplesmente suspender os repasses de recursos públicos. “Diante disso, é o caso de se repensar a ideia de transformar o HBDF”, alertou. Outro integrante do TCU, Luiz Gustavo Andriolli, destacou que aos responsáveis cabe avaliar em que medida a mudança do modelo jurídico trará mais eficiência aos serviços prestados pela unidade hospitalar. Ele destacou os problemas que têm sido verificados na gestão das chamadas organizações sociais.

A proposta do GDF foi alvo de críticas e de ressalvas de outros participantes, como do deputado distrital Wasny de Roure. O parlamentar afirmou que o Executivo do GDF sequer respondeu aos questionamentos apresentados durante uma reunião que discutiu a proposta de transformação do HBDF. Em uma de suas intervenções, a promotora Marisa Izar chamou atenção para o aspecto da universalidade, presente nos hospitais públicos. Segundo a promotora, o HBDF não rejeita qualquer paciente, enquanto o Sarah, além de não atender emergências, presta atendimento por meio de uma seleção prévia. “Também temos notícias de que é feita uma seleção bastante restritiva, especialmente a pacientes com algum tipo de infecção ou prognóstico menos favorável”, resumiu.

Já o médico Rogério Nóbrega mencionou a preocupação de profissionais da unidade e pediu mais discussão antes que a proposta de alteração do HBDF seja levada à votação. Em resposta, o presidente da Câmara Distrital, Joe Valle, pediu que o assunto não fosse tratado como uma disputa entre dois lados e assegurou que nenhum decisão será tomada sem que haja uma grande discussão anterior. “Tudo precisa ser muito bem avaliado”, afirmou.

Ao encerrar a audiência, a procuradora da República Eliana Rocha garantiu que o MPF dará continuidade ao trabalho que vem sendo feito em relação ao serviço social autônomo de saúde, no sentido de aprimorar o acesso dos usuários e a fiscalização das suas atividades. A promotora de Justiça reforçou que a rede pública é possível. “O SUS pode dar certo, sem ter de terceirizar”, encerrou Marisa Izar.

Fonte: MPF



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