Por Coronel Jean
Os policiais militares do DF passam por momentos difíceis. Em menos de 24 horas dois policiais tiraram a própria vida na corporação. Os motivos de foro íntimo que os levaram a fazer isso ainda são desconhecidos, mas, para além da tristeza e do sofrimento da família e dos amigos, resta-nos ampliar um pouco o olhar e observarmos fatores internos e externos que têm atormentado nossa tropa. Chamo de externos os fatores inerentes à própria condição da profissão policial militar no Brasil, e de fatores internos os problemas que dizem respeito ao nosso Distrito Federal e sua política de segurança, ou a falta dela.
No Brasil, a verdade é que nossos policiais não tem a valorização social condizente com sua missão. Desde a redemocratização do país, há uma dicotomia entre o que chamo de Defesa da Paz e o Combate à Violência, com uma clara prevalência de apoio da sociedade às ações que tenham ênfase na primeira em detrimento das ações de combate, sendo que ambas são necessárias e complementares.
Em nosso DF falta uma política de segurança que dê às instituições um norte a seguir. Em pouco mais de três anos já tivemos quatro Secretários de Segurança, sendo dois deles completamente de fora da área, e outros dois que, mesmo sendo Delegados da Polícia Federal com excelentes currículos, não conhecem os meandros das instituições que dão forma à pasta.
Pior que isso, em maio de 2016, uma reestruturação feita pelo decreto do GDF 37321 levou a PMDF a uma desestruturação de seus Batalhões com fatores internos que afetariam em longo prazo todo o bom andamento da instituição. À época documentei isso e falei abertamente sobre o tema nas redes sociais. Por essa razão, fui rechaçado pelo governo com o argumento de que a decisão aumentaria o pessoal de serviço nas ruas. O que nunca se confirmou!
O que esperávamos, no mínimo, é que houvesse algum tipo de política de pessoal para a área. Na contramão disso, o GDF não conseguiu agradar a nenhum dos órgãos da Segurança. Primeiro, se negou a negociar um aumento com os policiais civis, depois, ao tentar corrigir, queria conceder este aumento sem estendê-lo aos policias militares e bombeiros. Como Coronel da instituição, novamente me coloquei contra e o resultado: minha exoneração do comando da Academia e a colocação no ostracismo, sem comando de tropa alguma.
Desde de 2015 já se desligaram da corporação mais de 3 mil homens e mulheres; estamos com um efetivo semelhante ao de uma década atrás e a carga de serviço só aumentou. Os eventos extraordinários se avolumaram e os problemas de saúde também. Nossos meios de atendimento internos de saúde não comportam a demanda e o apoio social à tropa também tem falhado. Criou-se o mito de que, uma vez policial militar, você deve ser superior a tudo e estar pronto para o serviço, “mesmo com o risco da própria vida”. Muitos não suportam a pressão. Até os vínculos de Comando se desfizeram em função da citada reestruturação.
Com menos policiais, a tarefa primordial da instituição, que é a prevenção, foi gradualmente substituída, especialmente nas cidades satélites, pelo enfrentamento ao crime. O resultado são mais prisões e um consequente aumento da “produtividade”, mas a sensação de insegurança permanece e o policial tem se desgastado cada vez mais. As delegacias, que já não ficam todas abertas durante a noite, tendem a acumular mais registros de ocorrência e o policial fica mais tempo parado ali. Além disso, no seu horário de folga, ele tem que comparecer mais vezes aos tribunais a fim de acompanhar os casos a mais que atendeu. As audiências de custódia liberam cerca de 50% dos presos em menos de 48 horas e o retrabalho da polícia é gritante.
Estes são apenas alguns dos fatores que tem atormentado nossos policiais, mas o resultado é claríssimo: tropa desgastada, cansada e desmotivada.
Jean é coronel da reserva da PMDF e pré-candidato a deputado distrital