Aventais e lençóis que deveriam ser usados por pacientes serviram para forrar peças vendidas na Feira dos Goianos, em Taguatinga. Secretaria de Saúde classifica a denúncia de “grave” e promete investigar o caso. Sindicato levará denúncia à CPI da Saúde na Câmara Legislativa
Por Carlos Carone
A saúde pública do Distrito Federal está longe de fazer bonito entre os brasilienses, mas anda na moda, literalmente. Peças de vestuário, como aventais e roupões que deveriam ser usados por pacientes internados, e até mesmo lençóis com a insígnia do GDF estão sendo usados para uma finalidade menos nobre: servir de forro para calças jeans comercializadas na Feira dos Goianos, em Taguatinga.
Um servidor da Secretaria de Saúde que fazia compras no local se surpreendeu ao ver que algumas calças jeans tinham, na parte interna, tecido que ele conhece bem, pois os vê diariamente no trabalho. O servidor fez o registro, ao qual o Metrópoles teve acesso.
Denúncias recebidas pela reportagem dão conta de que peças de roupa destinadas a profissionais e pacientes, além de lençóis e fronhas de travesseiros, têm desaparecido quando deixam as unidades de saúde para serem lavados.
Segundo Maria (nome fictício), servidora do Hospital de Base (HBDF) que pediu para não ter a identidade revelada por medo de represálias, a prática ocorreria em ao menos quatro locais: as instituições regionais do Gama, de Santa Maria e de Sobradinho, além do HBDF. Todas têm o serviço de lavanderia terceirizado. De acordo com essa funcionária, é comum parte das roupas saírem para serem lavadas e não retornarem aos respectivos hospitais.
“Normalmente, temos casos em que 10 quilos de várias peças de roupa deixam o hospital e somente oito retornam. Muitas vezes, damos falta dessas roupas. Tudo pode ser comprovado olhando os relatórios que são produzidos pelos próprios hospitais que fazem o controle de entrada e da saída das peças”
Maria (nome fictício), servidora do Hospital de Base
Secretaria admite gravidade da denúncia
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde reconheceu que o caso relatado é grave, e a pasta prometeu investigá-lo. “Quando são adquiridos, todos os materiais de tecido usados na secretaria (lençóis, aventais, capotes, etc.) são enviados para o almoxarifado, na Secretaria de Logística e Infraestrura (Sulis). De lá, são distribuídos para as várias unidades de Saúde do DF. Na Sulis, o material é submetido a triagem tanto no momento em que chega quanto na hora em que sai para as unidades”, afirmou a secretaria, por nota.
A pasta informou ainda que, a partir do momento em que o material é distribuído, ele passa a ser de responsabilidade da instituição que o recebeu. “Em nenhuma hipótese há a possibilidade de um material que deixa de ser usado ser vendido ou reutilizado”, assegurou a secretaria.
Apuração na CPI
O caso chegou ao Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Distrito Federal (Sindsaúde), que também promete tomar providências. Segundo a presidente da entidade, Marli Rodrigues, a denúncia será encaminhada aos deputados que estão à frente da CPI da Saúde na Câmara Legislativa.
“Esse caso precisa ser averiguado. Os serviços que envolvem as lavanderias prestadoras de serviço para os hospitais precisam ser investigados. É essencial que se apure qualquer tipo de desvio de material”, afirmou.
Problemas variados
O desvio de vestuário é mais um episódio curioso que envolve a saúde pública do DF. Nos últimos meses, o setor se viu envolto em uma série de denúncias de corrupção, que se somaram a problemas históricos de atendimento deficitário e falta de medicamentos. No último dia 15, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) determinou à secretaria que suspendesse cautelarmente o pagamento de R$ 914,6 mil referente à compra de lençóis hospitalares, após denúncias de supostas irregularidades relativas à qualidade do material.
Outro recente caso inusitado foi o problema de refrigeração no necrotério do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), denunciado pelo Metrópoles no início de setembro. Uma série de reportagens mostrou que pacientes e funcionários chegavam a sentir o cheiro de cadáveres em decomposição devido às instalações medievais da câmara mortuária.
Após as denúncias, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e a Câmara Legislativa cobraram explicações sobre a infraestrutura do Hran.
Fonte: Metrópoles