Um grupo de pesquisadores divulgou neste sábado (12) uma nota conjunta em que diz não ter sido consultado sobre o plano de vacinação contra a Covid-19 que foi encaminhado pelo governo ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Na nota assinada por cientistas que são listados, no plano, como colaboradores, os pesquisadores dizem que o material não foi apresentado previamente e não obteve a anuência dos integrantes do grupo (leia detalhes do plano mais abaixo e veja a íntegra da nota dos cientistas ao final desta reportagem).
A nota é assinada por 36 pesquisadores. Do plano do governo encaminhado ao Supremo, constam os nomes de cerca de 150 cientistas como colaboradores.
“O grupo técnico assessor foi surpreendido no dia 12 de dezembro de 2020 pelos veículos de imprensa que anunciaram o envio do Plano Nacional de Vacinação da COVID-19 pelo Ministério da Saúde ao STF. Nos causou surpresa e estranheza que o documento no qual constam os nomes dos pesquisadores deste grupo técnico não nos foi apresentado anteriormente e não obteve nossa anuência”, diz trecho da nota divulgada pelo grupo de pesquisadores.
O G1 procurou o Ministério da Saúde, mas não obteve retorno sobre a manifestação dos pesquisadores até a última atualização desta reportagem. Nota divulgada no site da pasta diz que o plano será apresentado e detalhado à população na próxima quinta-feira (17); e que o documento poderá sofrer modificações “durante o seu processo de implementação”.
Os cientistas relatam que haviam solicitado uma reunião sobre o plano e manifestado preocupação pela retirada do planejamento “de grupos prioritários” e pela “não inclusão de todas as vacinas disponíveis que se mostrarem seguras e eficazes”.
O grupo de pesquisadores que assessoraram o Ministério da Saúde reitera a recomendação técnica para que todas as populações vulneráveis, inclusive a carcerária, sejam inseridas na prioridade de vacinação.
Eles também pedem a ampliação dos grupos prioritários de forma a abranger todos os trabalhadores de educação e de áreas essenciais.
O grupo solicita ainda que o governo abra negociações para a aquisição de outras vacinas que atendam a requisitos de eficácia, segurança e qualidade.
Nós, pesquisadores que estamos assessorando o governo no Plano Nacional de Vacinação da Covid-19, acabamos de saber pela imprensa que o governo enviou um plano, no qual constam nossos nomes e nós não vimos o documento. Algo que nos meus 25 anos de pesquisadora nunca tinha vivido!
— Ethel Maciel, PhD (@EthelMaciel) December 12, 2020
Uma das colaboradoras citadas no documento, a epidemiologista Ethel Maciel utilizou uma rede social para dizer que não viu o documento antes de este ser encaminhado ao STF. “Algo que nos meus 25 anos de pesquisadora nunca tinha vivido”, afirmou a professora da Universidade Federal do Espírito Santo.
O plano
O “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”, assinado pelo Ministério da Saúde, tem a data do dia 10 de dezembro. O documento foi anexado na noite desta sexta-feira (11) às ações – apresentadas por partidos – que tramitam no STF e que cobram o planejamento da vacinação da população.
O material prevê a disponibilização de 108,3 milhões de doses para mais de 51 milhões de pessoas de grupos prioritários, divididos em quatro fases.
O documento, entretanto, não apresenta uma data para o início da vacinação dos integrantes desses grupos, que incluem profissionais de saúde e idosos, entre outros (veja as fases abaixo).
Uma nota técnica, que acompanha o plano encaminhado ao Supremo, diz que a previsão é vacinar esses grupos prioritários ao longo do primeiro semestre de 2021.
Grupos prioritários
O plano define grupos prioritários para a vacinação. Essa etapa é dividida em quatro fases. Somando as quatro fases dos grupos prioritários, o plano prevê 108,3 milhões de doses.
O Ministério da Saúde pondera no plano que os grupos são “preliminares” e passíveis de mudanças a depender das indicações da vacina após aprovação da Anvisa, bem como possíveis contraindicações.
Primeira fase:
- Trabalhadores de saúde: 5.886.718 pessoas
- Pessoas a partir de 80 anos: 4.266.553
- Pessoas de 75 a 79 anos de idade: 3.480.532
- Pessoas de 60 anos ou mais institucionalizadas: 198.249
- Indígenas: 410.348
- Número de doses estimadas (duas doses por pessoa) + 5% de perda: 29.909.040
Segunda fase:
- Pessoas de 70 a 74 anos: 5.174.382
- Pessoas de 65 a 69 anos: 7.081.676
- Pessoas de 60 a 64 anos: 9.091.902
- Número de doses estimadas (duas doses por pessoa) + 5% de perda: 44.830.716
Terceira fase:
- Pessoas com comorbidades: 12.661.921
- Número de doses estimadas (duas doses por pessoa) + 5% de perda: 26.590.034
Quarta fase:
- Professores, nível básico ao superior: 2.344.373
- Forças de segurança e salvamento: 850.496
- Funcionários do sistema prisional: 144.451
- Número de doses estimadas (duas doses por pessoa) + 5% de perda: 7.012.572
Doses
Segundo o plano enviado ao STF, o Brasil “garantiu” 300 milhões de doses de vacinas por meio de três acordos:
- Fiocruz/Astrazeneca: 100,4 milhões de doses até julho e mais 30 milhões no segundo semestre;
- Covax Facility: 42,5 milhões de doses
- Pfizer: 70 milhões de doses (ainda em negociação)
Os dados informados, porém, resultam em 242,9 milhões de doses.
Os números incluem a negociação para adquirir a vacina da Pfizer, já utilizada no Reino Unido e que recebeu aprovação para uso emergencial da agência reguladora de medicamentos americana, a FDA.
A nota técnica que acompanha o plano apresenta outras informações. Segundo a nota, o Brasil tem, atualmente, acordos para aquisição de 142,9 milhões de doses:
- Fiocruz/AstraZeneca: 100,4 milhões
- Covax Facility: 42,5 milhões
Além disso, conforme a nota, a capacidade de produção, por meio de acordo bilateral de transferência de tecnologia com AstraZeneca/Oxford, por intermédio da Fiocruz, será de 160 milhões de doses, previstas para o segundo semestre de 2021.
“Somados os 142 milhões + 160 milhões, o Brasil poderá ofertar 300 milhões de doses na rede pública de saúde, além de outras que venham a ser aprovadas futuramente pela Anvisa”, diz a nota.
A Covax Facility é um programa global coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para impulsionar o desenvolvimento e garantir a compra de vacinas contra a Covid-19. A coalizão envolve mais de 150 países.
Segundo o plano, a interrupção da circulação do vírus no Brasil depende de uma vacina “altamente eficaz” tomada por mais de 70% da população. Conforme o governo, enquanto não há ampla disponibilidade de vacinas no mundo, é preciso definir grupos prioritários a fim de “contribuir para a redução de morbidade e mortalidade” pela Covid-19.
CoronaVa
No plano, o Ministério da Saúde diz que governo disponibilizará crédito extraordinário, ou seja, dinheiro para “aquisição de toda e qualquer vacina que adquira registro de forma emergencial ou regular que apresente eficácia e segurança para a população brasileira”.
Em outro trecho, o material trata de “vacinas candidatas” que estão na terceira e última etapa de testes e que podem ser compradas pelo ministério. A lista tem 13 vacinas, entre as quais a CoronaVac, desenvolvida no Brasil em parceria pelo Instituto Butantan com a empresa chinesa Sinovac. A CoronaVac tem sido motivo de briga política entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro.
Íntegra da nota dos cientistas
Veja a íntegra da nota do grupo de cientistas:
Nota pública do Grupo Técnico do “Eixo Epidemiológico do Plano Operacional Vacinação Covid-19”
12 de dezembro de 2020
O grupo técnico assessor foi surpreendido no dia 12 de dezembro de 2020 pelos veículos de imprensa que anunciaram o envio do Plano Nacional de Vacinação da COVID-19 pelo Ministério da Saúde ao STF. Nos causou surpresa e estranheza que o documento no qual constam os nomes dos pesquisadores deste grupo técnico não nos foi apresentado anteriormente e não obteve nossa anuência. Importante destacar que o grupo técnico havia solicitado reunião e manifestado preocupação pela retirada de grupos prioritários e pela não inclusão de todas as vacinas disponíveis que se mostrarem seguras e eficazes.
Reiteramos nossa recomendação técnica para que todas populações vulneráveis sejam incluídas na prioridade de vacinação, como indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas, privados de liberdade e pessoas com deficiência. Além dessas, também as outras populações e grupos populacionais já incluídos e apresentados no plano inicial do governo. Outro ponto importante a ser considerado é a ampliação do escopo para todos os trabalhadores da educação e também a inclusão, nos grupos de vacinação, para os trabalhadores essenciais.
Novamente, vimos solicitar do governo brasileiro esforços do Ministério da Saúde para que sejam imediatamente abertas negociações para aquisição de outras vacinas que atendam aos requisitos de eficácia, segurança e qualidade, inclusive com laboratórios que reúnam condições de produção e oferta de doses de vacina e com outras empresas também com oferta de vacinas seguras e eficazes. Portanto, é mister considerar que um atraso na campanha de vacinação significa vidas perdidas e precisamos nesse momento utilizar a ciência para a tomada de decisão que norteará o que mais importa, a preservação de vidas de milhares de brasileiros e brasileiras. Essa é a mais importante tarefa de nosso tempo e todos os esforços devem ser envidados para a sua realização oportuna, segura e efetiva.
Participantes do Grupo Técnico do “Eixo Epidemiológico do Plano Operacional da Vacinação contra COVID-19”