Por Franci Moraes
Audiência pública da Câmara Legislativa, na noite desta quarta-feira (10), debateu o Projeto de Lei 1715/2021, do deputado Chico Vigilante (PT), que obriga as maternidades dos hospitais da rede pública e privada do DF a permitir a presença de doulas durante todo o período pré-natal, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, sempre que solicitado pela parturiente. A mediadora do evento, deputada Júlia Lucy (Novo), ressaltou a necessidade de escutar a comunidade sobre a aplicação da proposta e lembrou que a doula é uma profissional que tem como função acompanhar a gestante durante o período de gravidez, parto e período pós-parto, além de apoiar e oferecer suporte emocional nestes momentos.
Na avaliação da representante da subsecretaria de Atenção Integral à Saúde da Secretaria de Saúde do DF, Camila Gaspar, a inserção das doulas nos hospitais está contemplada no Estatuto do Parto Humanizado e regulamentada pela Portaria 868/2020 da Secretaria de Saúde. “A entrada da doula nas maternidades deve seguir um fluxo tranquilo”, acredita. A mesma posição foi corroborada pela coordenadora da Rede Cegonha no DF, Gabrielle Mendonça, para quem a valorização da participação das doulas e do acompanhante integra a perspectiva da humanização e do parto respeitoso.
Por outro lado, a representante do Conselho Regional de Medicina do DF, Edna Xavier, considerou que a atenção à parturiente não pode estar desvinculada da “preocupação técnica”, e citou, como exemplo, os riscos de infecção em ambientes hospitalares, especialmente em salas pequenas com muitas pessoas presentes durante o parto. Por esse motivo, a médica entende que a presença das doulas deve ser opcional e não obrigatória. “Quanto mais indivíduos dentro de uma sala, maior o risco”, reforçou o diretor de Relações com a Comunidade da Associação Médica de Brasília (AMBr), Adilson Oliveira. O médico levantou diversos questionamentos sobre as doulas, como o grau de formação, os limites de atuação e a responsabilidade jurídica, além dos custos dessas profissionais.
Preocupação similar foi apontada pela superintendente do Sindicato Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas (SBH), Danielle Feitosa, que alertou sobre a necessidade de higienização e esterilização dos materiais usados pelas doulas que adentram nos ambientes hospitalares, bem como sobre as condições de permanência dessas profissionais, que pode implicar questões trabalhistas.
Trabalho em conjunto
Em ângulo diverso, a advogada Ruth Rodrigues, que é especialista em violência obstétrica, lembrou as normativas da Anvisa sobre o serviço obstétrico e neonatal, ao enfatizar que os hospitais têm a responsabilidade de contar com ambientes adequados e seguros. “A doula não entra com equipamentos e não faz procedimentos”, disse, ao argumentar que “a doula é uma profissional capacitada para dar suporte físico e psicológico”. Nesse sentido, a médica obstetra Sofia Santana, que atua na área da humanização de partos na rede privada, relatou os bons resultados da equipe médica que trabalha em conjunto com as doulas em cenário de parto e defendeu a atuação dessas profissionais.
“Não queremos tomar o lugar dos médicos, pelo contrário, nosso desejo é juntar forças”, afirmou a diretora da Associação de Doulas de Brasília, Ana de Melo. Segundo ela, “há um preconceito gigante contra o trabalho das doulas”. Melo sustentou o direito das mulheres ao parto respeitoso.
Revisão da proposta
Ao solicitar a suspensão da tramitação do PL 1715/2021, a presidente da Associação de Doulas do DF e Entorno, Marilda de Castro, esclareceu que “a doula faz parte do acompanhamento e não da assistência”. Do mesmo modo, o vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal, Carlos Fernando da Silva, que é ginecologista e obstetra, considerou que o PL 1715/2021 “precisa ser revisto”.
Para ele, “doula tem seu espaço” no cenário em que a prioridade é “a mãe e o feto”. Também no que tange à viabilidade do projeto, o presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília, Vinícius Lopes, chamou a atenção para as diferenças entre os serviços público e privado, ao acrescentar que o trabalho das doulas é importante, mas não é essencial. Mesma posição expôs o representante da Sociedade de Anestesia do DF, José Henrique Araújo, ao explanar que as doulas podem pertencer ao grupo de colaboradores, mas não devem se enquadrar como presença obrigatória.
Entre outros aspectos, a responsabilidade pelos custos precisa ser esclarecida na proposta legislativa, na visão da presidente da Sociedade de Pediatria do DF, Renata Seixas. Em linha tangente, a representante do Departamento de Neonatologia da Sociedade de Pediatria do DF, Marta Rocha, entende que “o projeto é pouco claro” em discriminar como se dará a participação das doulas, na perspectiva do “nascer com segurança”, uma vez que a presença dessas profissionais já é ponto pacífico e regulamentado por legislação e portaria.
Ao final do debate, a deputada Júlia Lucy ponderou que o PL 1715/2021 “deve ser mais discutido e precisa amadurecer”, inclusive, ela sugeriu o encaminhamento de uma “carta com questionamentos” ao autor da matéria. Durante todo o evento, transmitido ao vivo pela TV Câmara Distrital (canal 9.3) e pelo YouTube, a parlamentar reforçou o protagonismo da mulher, especialmente quanto ao direito de escolha.